A Propriedade Industrial no Novo Processo Civil

Por Marcelo Mazzola

(Advogado e sócio de Dannemann Siemsen Advogados. Mestrando em Direito Processual pela UERJ).

  1. Introdução

No último dia 18 de março, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil (NCPC).

Com 1.072 artigos, o novo diploma legal trouxe inúmeras modificações. Em seu capítulo inaugural – a espinha dorsal do código –, positivou consagrados princípios constitucionais, como, por exemplo, a duração razoável do processo, o contraditório, a isonomia, a dignidade da pessoa humana, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, a legalidade, a eficiência, a publicidade e a transparência.

Para resgatar o ideal de uma justiça fraterna e solidária prevista na Carta Magna, o NCPC estimula fortemente os métodos alternativos de solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem) e realça valores como a boa-fé e a cooperação.

Na busca por efetividade e maior fluidez da marcha processual, procedimentos foram desburocratizados, prazos unificados, recursos abolidos e hipóteses recursais reduzidas.

O legislador também se preocupou em assegurar a isonomia e a segurança jurídica, exaltando e valorizando os precedentes judiciais, especialmente através da criação de incidentes para acelerar a sua formação (IRDR e IAC).

Independentemente de algumas críticas, que, aliás, são importantes para o amadurecimento do direito, não podemos enxergar o novo código com lentes retrospectivas. Devemos respeitá-lo, compreendendo que não é perfeito, mas valorizando suas alterações, fruto da vontade e do envolvimento da sociedade como um todo.

Neste trabalho abordaremos alguns temas relevantes do NCPC, analisando os impactos na área da propriedade industrial.

  1. O dever de fundamentação no NCPC

Como se sabe, o artigo 93, X, da Constituição Federal estabelece que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

O referido comando constitucional foi literalmente reproduzido pelo legislador do NCPC (art. 11), que ainda regulou no artigo 489 os elementos essenciais da sentença e o dever de fundamentação das decisões judiciais.

Vale registrar que esse artigo 489 foi alvo de críticas de algumas associações de magistrados[1], mas permaneceu hígido e não foi alterado com a Lei nº 13.256/16.

Em linhas gerais, o texto do novo código estabelece uma espécie de script a ser seguido pelos juízes no momento de fundamentação da decisão judicial, seja ela interlocutória ou não.

Como se sabe, a fundamentação da decisão deve refletir os motivos que justificam, juridicamente, a conclusão[2]. Afinal, uma decisão sem fundamentação é como um corpo sem coração.

A partir de agora – embora isso já devesse ser a regra –, caso os magistrados não queiram ver suas decisões anuladas por falta de fundamentação, deverão observar o roteiro delineado no art. 489, § 1º e seus incisos, do NCPC.

Assim, não será considerada fundamentada a decisão judicial que a) se limitar a indicar determinado artigo de lei sem fazer a correlação com o caso concreto; b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo de sua incidência no caso; c) invocar motivos que serviriam para embasar qualquer outra decisão; d) não enfrentar os argumentos deduzidos no processo capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem demonstrar sua pertinência à hipótese em discussão; e f) deixar de seguir enunciado de súmula ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso concreto ou superação do entendimento.

Com isso, não há mais espaço para decisões lacônicas (“Diante da presença dos elementos autorizadores da medida, defiro a tutela”) ou embasadas em conceitos jurídicos vagos (“Em nome da ordem pública e da dignidade da pessoa humana, condeno”), e também aquelas claramente padronizadas que serviriam para qualquer ação, sem enfrentamento das peculiaridades do caso concreto.

Ao mesmo tempo, prestigia-se o princípio do contraditório, evitando-se decisões que não levem em consideração os argumentos das partes, bem como os precedentes jurisprudenciais, seja para aplicá-los ou não.

A sistemática é interessante e pode impedir decisões superficiais, especialmente em ações de infração e de nulidade de marca, em que a magnitude econômica da discussão, a complexidade do tema e as consequências de eventual ordem de abstenção de uso ou de cancelamento de um registro marcário exigem prudência e uma fundamentação com maior densidade por parte dos julgadores. Até porque, muitas vezes o maior ativo de uma empresa é a sua própria marca.

Em demandas dessa natureza, algumas ferramentas podem auxiliar os juízes na fundamentação da respectiva decisão, minimizando a possibilidade de sua posterior anulação, por suposta inobservância a uma das hipóteses do artigo 489, § 1º, do NCPC.

Uma dessas ferramentas é o Manual de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial[3], que estabelece, dentre outras coisas, as diretrizes para a análise de registrabilidade do sinal marcário. Por se tratar de um documento expedido pela própria Autarquia responsável pela concessão de registros marcários, suas disposições, se aplicáveis, podem ser incorporadas na fundamentação das decisões judiciais.

Outra ferramenta valiosa é a metodologia proposta por GAMA CERQUEIRA, já na década de 1980[4], que sistematizou as diretrizes para análise da possibilidade de confusão de marcas.

Também vale mencionar a parametrização utilizada nos EUA – conhecida como Polaroid Factors[5] –, que traz conceitos interessantes e bastante atuais.

Por fim, merece destaque o Teste 360º de Confusão de Marcas[6], cuja aplicabilidade já foi reconhecida pelo STJ (AgRg no REsp nº 1.346.089/RJ), que estabelece 7 (sete) critérios a serem observados no momento de avaliação da possibilidade de confusão entre dois signos distintivos.

Em suma, esperamos que as inovações do NCPC ajudem a aprimorar a qualidade das decisões judiciais, sobretudo em ações de infração e de nulidade de registro de marca, o que, de um lado, pode desestimular a interposição de recursos desnecessários e, de outro, permitirá maior controle das decisões judiciais pelas partes interessadas.

  1. Dever de cooperação: uma mudança de paradigma

Antes mesmo da aprovação do NCPC, doutrinadores já divergiam sobre a efetividade da norma elencada no artigo 6º, que dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Parte da doutrina entende que a referida disposição cria uma situação utópica, pois a expressão “entre si” sugere que autor e réu caminhem de mãos dadas para alcançar a solução final, o que não seria condizente com o espírito bélico dos litigantes e suas posições antagônicas que, invariavelmente, impedem essa solidariedade processual.

Alguns chegam a sustentar a inconstitucionalidade do aludido dispositivo – ou, no mínimo, a necessidade de uma interpretação conforme, limitando sua incidência[7].

Vale lembrar, porém, que não se deve interpretar um dispositivo de forma isolada, ignorando-se o contexto, a essência, a teleologia e a sistemática do ordenamento jurídico.

Assim, quando o artigo 6º menciona que os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão justa e efetiva, o que deve ser aquilatado é a ratio essendi do dispositivo.

Nesse contexto, parece claro que a intenção do legislador tem duas vertentes. A primeira é estimular e incentivar o diálogo entre o juiz e as partes. De fato, o magistrado não pode mais ser um mero espectador do conflito e usar sua autoridade para se livrar do imbróglio. Precisa escutar com ouvidos de ouro, enxergar com olhos democráticos, pedir esclarecimentos, dirimir dúvidas, prevenir e dar orientações. Uma espécie de guia do caminho a ser trilhado.

Mais do que isso, o juiz deve tentar aproximar as partes, refletir e inserir os litigantes nessa busca da justa e efetiva solução, não surpreendendo os jurisdicionados com “decisões surpresa”. Por exemplo, não pode indeferir a produção de prova pericial em ação envolvendo patentes e depois julgar improcedente o pedido alegando instrução probatória deficiente. Ou, então, determinar a emenda da petição inicial em ação de marcas, sem esclarecer o que, na sua visão, não estaria adequado (ausência do certificado do registro de marca, por exemplo), e depois indeferir a peça inaugural.  Poder-se-ia citar várias situações análogas.

Por outro lado, antes de decidir sobre uma questão não ventilada na lide capaz de influenciar o resultado da causa, o juiz deverá intimar as partes para se manifestarem a respeito, ainda que se trate de matéria que ele  deva decidir de ofício.

Da mesma forma, deverá garantir a paridade de armas, distribuir dinamicamente o ônus da prova entre os litigantes e apontar as deficiências postulatórias das partes, permitindo que elas sejam supridas. Sua participação ativa não fere sua isonomia, pois, na cooperação, os deveres são recíprocos e todos os agentes são protagonistas da própria condução do processo.

Sob outra ótica, o dever de cooperação exige que os litigantes cooperem entre si. Porém, diferentemente do que se possa pensar, não se espera que uma parte forneça munição à outra, reconheça a procedência do direito alheio ou cometa o chamado “sincericídio”. Isso, obviamente, não faria muito sentido. Se fosse assim, um réu, vislumbrando a fragilidade de sua posição, cogitaria ficar revel ao invés de contestar a ação.

Na verdade, o espírito do NCPC é alçar a ética, a honestidade e a lealdade das partes como standards de conduta[8], facilitando a gestão do processo pelo juiz e permitindo que se chegue à solução mais justa e efetiva.

A cooperação não significa assunção de culpa. O litigante pode até omitir algum acontecimento, mas essa omissão não pode contaminar a narrativa como um todo. Exige-se, na realidade, a boa fé objetiva como comportamento e uma atuação limpa dos litigantes, reprovando-se o uso de artifícios e ardis para distorcer os fatos e retardar a entrega da prestação jurisdicional.

Com isso, o processo deixa de ser um conjunto de despachos e decisões, e passa a ser uma grande atividade cooperativa, na qual cada agente tem sua função e seus interesses próprios, mas ambos caminham com o mesmo foco, almejando um justo e efetivo desfecho para a causa.

Não há dúvidas de que a democratização do processo implica uma total remodelação do papel do juiz na condução da causa, mas a mudança vem em boa hora, pois uma das maiores aflições do jurisdicionado é não ser ouvido, enquanto a do magistrado, talvez, seja a de decidir sem justiça e efetividade.

  1. Os negócios jurídicos processuais nas ações envolvendo propriedade industrial*

Como visto, o princípio da cooperação consagra o princípio da autonomia da vontade e reflete a preocupação do legislador em estabelecer no âmbito do Poder Judiciário “um espaço não apenas de julgamento, mas de resolução de conflitos”.[9]

Nesse contexto, o artigo 190 do NCPC positiva o chamado “negócio jurídico processual”, permitindo que as partes estipulem, nos casos em que se admita autocomposição, mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

É bem verdade que, no passado, as partes já podiam pactuar algumas questões, antes ou durante o processo, como, por exemplo, o foro de eleição em caso de competência territorial (cláusula de eleição de foro), o pedido de suspensão do feito para a tentativa de composição amigável, entre outros.

Porém, a existência de uma cláusula geral no NCPC amplia o leque de possibilidade de novos negócios processuais[10].

Na área da propriedade industrial, em que a complexidade do tema e a envergadura econômica da discussão dão o tom das demandas, essa possibilidade de customização do litígio traz muitas vantagens.

A partir de agora, portanto, ganha especial importância o momento da celebração do contrato, oportunidade em que as partes podem convencionar algumas questões que terão repercussão prática em eventual demanda judicial.

Dessa forma, podem ajustar, por exemplo, o foro de eleição, o interesse em métodos alternativos de solução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem), o rateio das despesas processuais e dos honorários advocatícios, o número máximo de pareceres sobre determinado tema, a impenhorabilidade de algum bem específico e etc. Muitos outros negócios jurídicos processuais já foram elencados pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis.[11]

Além disso, o NCPC prevê algumas convenções processuais típicas, tais como a redistribuição consensual do ônus da prova, a delimitação consensual do objeto do processo e, principalmente, a escolha do perito pelas partes, o que se trata de um grande avanço.

Na área da propriedade industrial, em que os direitos em discussão são os maiores ativos das empresas, as ações são normalmente complexas e exigem conhecimento técnico especializado, demandando a atuação de um perito com conhecimento na matéria.

Muitas vezes, ainda, as perícias envolvem duas áreas de conhecimento (por exemplo, propriedade industrial e engenharia; propriedade industrial e química), o que torna ainda mais difícil para o juiz a indicação de profissionais adequados.

Dessa forma, a possibilidade de as partes escolherem consensualmente o profissional que atuará no caso traz uma dupla vantagem. De um lado, permite que os litigantes tenham a certeza de que o tema será examinado por alguém que conhece o assunto e, de outro, retira dos ombros do juiz o peso de uma indicação desconectada com a especificidade da matéria, fato recorrente nos dias de hoje.

Outra novidade do NCPC é a possibilidade de as partes ajustarem um “calendário processual” para a prática dos atos do processo (art. 191), o que também se aplica às perícias.

Nesse calendário, que pressupõe a participação do juiz, os prazos legais podem ser dilatados, permitindo que as partes e seus assistentes técnicos tenham tempo hábil para preparar suas manifestações, à luz das especificidades do caso concreto. Uma verdadeira adaptação do procedimento à realidade dos litigantes.

Além disso, com o cronograma definido, tornam-se desnecessárias as intimações via Diário Oficial, o que, de certa forma, alivia o procedimento cartorário.

Vale registrar que, na perícia consensual (art. 471), que – para todos os efeitos, substitui aquela que seria realizada por perito nomeado pelo juiz –, as partes devem indicar desde logo seus assistentes técnicos, podendo, inclusive, agendar datas para as fases da perícia e para entrega do laudo pericial, o que gera maior previsibilidade e prestigia a celeridade e a duração razoável do processo.

Em suma, enxergamos com entusiasmo a realização de negócios jurídicos processuais na área da propriedade industrial, como forma de promover uma prestação jurisdicional cooperativa mais justa e eficiente.

  1. Mediação na Administração Pública: reflexões sobre o posicionamento da Advocacia Geral da União nas ações de propriedade industrial.**

Em recente ofício expedido pela Advocacia Geral da União (AGU) e assinado pela Procuradoria Regional Federal da 2ª Região, Dra. Lucila Carvalho Medeiros da Rocha, a AGU deixa consignado desde logo o desinteresse do INPI na realização de “audiências prévias” previstas no artigo 334 do NCPC.

Como se sabe, o referido dispositivo legal estabelece que, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

Cumpre destacar que a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição (§ 4º, I e II).

Pois bem, como base no referido ofício, alguns Magistrados Federais estão determinando diretamente a citação do INPI, deixando de designar audiência de mediação ou conciliação.

Em linhas gerais, a AGU defende que, em âmbito público, a autocomposição somente pode ser realizada quando houver norma expressa autorizando a Administração Pública a assim proceder. Além disso, sustenta que a autonomia do advogado público federal para transação é limitada pela Lei nº 9.469/1997 e por normas internas, como, por exemplo, a Portaria AGU nº 109/2007 e a Portaria PGF nº 915/2009.

Nada obstante, a AGU pondera que a realização de audiências preliminares sem resultado prático prejudica a celeridade processual e organização do trabalho, “diante da inexistência de Procuradores em número suficiente para comparecer às aludidas audiências, e os próprios autores, em sua maioria idosos e enfermos”.

Com todo o respeito, não concordamos com tal orientação e o tema exige uma maior reflexão.

Primeiramente, vale destacar que o NCPC estabelece, logo em seu capítulo inicial intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, devendo a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, §§ 2º e 3º).

Ou seja, o estímulo aos métodos alternativos de solução de conflitos é regra nuclear do NCPC, que deve ser observada por todos os agentes do processo, sem qualquer distinção. Aliás, os artigos 174 do NCPC e 32 da Lei nº 13.140/15 (Lei de Mediação) preveem expressamente a necessidade de criação de Câmaras de conciliação/mediação pelos entes públicos.

Por outro lado, nem todo interesse público é um direito indisponível, sendo certo que os direitos indisponíveis também admitem transação, exigindo-se, nesse caso, a homologação judicial, com a prévia oitiva do Ministério Público (art. 3º, § 2º, da Lei nº 13.140/15).

Enquanto, em sua concepção clássica, a ideia de Estado de Direito estava intimamente vinculada à submissão da Administração Pública à legalidade, hoje, no Estado Democrático de Direito, além do respeito à lei e à Constituição, deve a atividade administrativa pautar-se por uma legitimidade reforçada.

A necessidade de conferir maior legitimidade à atuação do Poder Público, no contexto de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, leva ao surgimento de novos mecanismos de participação popular na elaboração de normas e na tomada de decisões administrativas, assim como o incremento de meios consensuais de atuação administrativa.

A busca pelo consenso acarreta mudanças, inclusive, na mentalidade dos agentes públicos e na estrutura da Administração Pública. Nesse sentido, a própria estrutura orgânica da AGU conta, por exemplo, com a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF).

A consensualidade administrativa tem sido efetivada pelos acordos administrativos que não colidem com o princípio da indisponibilidade do interesse público. Em razão da pluralidade de interesses públicos e da necessidade de maior eficiência na ação administrativa, a legitimidade dos atos estatais não está restrita ao cumprimento da letra fria da lei, devendo respeitar o ordenamento jurídico em sua totalidade (juridicidade).

Por esta razão, a ponderação entre os interesses conflitantes justifica a celebração de acordos por parte da Administração Pública, tais como: Termo de Ajustamento de Condutas (TAC): art. 5.º, § 6.º, da Lei 7.347/1985; Termo de Compromisso: art. 11, § 5.º, da Lei 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários – CVM); Acordos terminativos de processos administrativos: art. 46 da Lei 5.427/2009 (Lei do Processo Administrativo do Estado do Rio de Janeiro); Termo do compromisso de cessação de prática e acordo de leniência: arts. 85 e 86 da Lei 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC); Acordo de leniência: art. 16 da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); Acordos e conciliação em setores regulados: art. 93, XV, da Lei nº 9.472/1997 (ANATEL), art. 43, X, da Lei nº 9.478/1997 (ANP), art. 29 da Lei 9.656/1998 (ANS), etc.[1]

Ressalte-se, inclusive, a recente revogação do § 1.º do art. 17 da Lei 8.429/1992 (LIA) pela MP 703/2015, viabilizando, agora, a celebração de transação nas ações de improbidade administrativa.

No tocante à conciliação e mediação em ações judiciais envolvendo a Administração Pública, a autorização legal é expressa no NCPC e na Lei 13.140/2015, cabendo ressaltar que, no caso específico da Administração federal, a AGU deve adotar as medidas necessárias para efetividade da autocomposição dos conflitos, na forma do art. 4º, VI, da LC 73/1993, da Lei 9.469/1997, alterada pela Lei da Mediação, e do Decreto 7.392/2010.

Especificamente em relação ao INPI, seus procuradores devem incentivar e estimular os métodos alternativos de resolução de conflitos.

Até porque, o próprio INPI, no curso de demandas judiciais, muitas vezes concorda com a própria tese autoral e postula a procedência do pedido formulado na petição inicial.

Mais do que isso, o INPI já vem celebrando acordos judiciais com os litigantes, encerrando as respectivas demandas judiciais. Como exemplo, podemos citar casos em que a Autarquia assinou acordos a) reconhecendo que as patentes de determinada ação de nulidade não eram mailbox; b) concordando com o pedido alternativo por ela formulado (para redução do prazo de vigência da patente); c) admitindo que a própria decisão administrativa havia sido equivocada, ficando, nesse caso, a patente mantida com quadro reivindicatório distinto, entre outros.

Na área de marcas, podemos destacar o Parecer Técnico do INPI/CPAPD nº 001/2012, que autoriza a Autarquia a admitir “acordos de coexistência” – ainda que como subsídios ao exame de registrabilidade do sinal requerido como marca ou para fins de eventual recurso contra indeferimento –, desde que não prejudiquem os consumidores e os titulares da marca. Uma interpretação a contrario sensu, portanto, revela que a própria Diretoria de Marcas do INPI admite a possibilidade de solução consensual do conflito.

Ademais, cumpre registrar que o INPI, por intermédio da Portaria nº 84/2013, instituiu o Regulamento de Mediação do INPI, expedindo as Instruções Normativas nºs 23 e 28, ambas de 2013, que, em síntese, dispõem sobre o processamento de pedido de mediação administrados pelo Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI (Centro da OMPI), envolvendo controvérsias relativas a direitos marcários apresentadas perante aquela Autarquia.

Até onde se sabe, o projeto não foi para frente, mas não deixa de ser um indicativo de que existe o espírito de cooperação e de incentivo aos métodos alternativos (adequados) de solução de conflitos.

Para arrematar, vale pontuar que eventual déficit de mão de obra não pode ser um álibi para a violação dos princípios norteadores do NCPC, principalmente o estímulo aos métodos alternativos de solução de conflitos e a duração razoável do processo.

Se existe um problema de política pública e orçamentária, esse é um assunto a ser resolvido no campo político e administrativo.[12] O que não se pode é, de antemão, ceifar o direito de autocomposição e sacrificar o direito à razoável duração do processo (artigos 5º, LXXVIII, da Carta Magna e 4º e 6º do NCPC), de forma genérica e abstrata, prejudicando o jurisdicionado.

Aliás, vale lembrar que, se o autor manifestar, na exordial, seu desinteresse na realização de audiência de conciliação/mediação e o INPI apresentar petição no mesmo sentido até 10 (dez) dias antes da audiência (art. 334, § 5º, do NCPC), o juiz retirará a audiência de pauta e dará prosseguimento ao feito. Ou seja, num juízo de ponderação, não há que se falar em prejuízo à celeridade processual.

Nesse contexto, ao invés de manifestar, de forma irrestrita e incondicionada, o seu desinteresse pela não realização das audiências prévias, afastando de plano qualquer tentativa de conciliação ou de mediação, talvez fosse mais adequado a atualização dos regulamentos à luz do NCPC e da Lei 13.140/2015, que, como visto, incentivam a autocomposição no âmbito da Administração Pública, com a fixação de parâmetros para efetivação de acordos e soluções consensuais em litígios envolvendo propriedade industrial.

Em resumo, a posição da AGU materializado no ofício em questão, uma espécie de cartão vermelho preliminar ao consenso, está em total dissintonia com os princípios do NCPC e com o próprio comportamento do INPI ao longo do tempo. 

  1. A sustentação oral no agravo de instrumento

 Algumas novidades do NCPC repercutem diretamente na vida dos advogados (contagem dos prazos em dias úteis, férias forenses no período entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, tarifação dos honorários sucumbenciais nos casos em que a Fazenda Pública for parte, etc.).

Mas existe uma que certamente vai impactar a rotina dos advogados nos tribunais, qual seja, a possibilidade de sustentação oral no agravo de instrumento, o que, aliás, já era admitido por alguns tribunais do país. Com isso, valoriza-se a oratória e se maximiza a atuação dos advogados.

Convém esclarecer, porém, que, de acordo com o NCPC, a sustentação oral só será admitida no caso de agravo de instrumento interposto contra “decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência” (art. 937, VIII). Ou seja, uma novidade que se aplica a quase todas as ações envolvendo propriedade industrial.

Nesse ponto, cabe uma crítica: o legislador também deveria ter previsto a possibilidade de sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre o mérito do processo, como, por exemplo, o julgamento parcial do mérito (art. 356) e a improcedência liminar parcial (art. 332).

Isso porque, se foi permitida a sustentação oral em situações de cognição sumária – as tutelas provisórias –, mais razão ainda para autorizá-la quando se tratar de cognição exauriente, isto é, no julgamento parcial do mérito. A velha máxima de que quem pode mais, pode (ou deveria poder) menos.

De qualquer forma, a alteração legislativa em questão veio em boa hora. Como sabemos, muitas vezes as tutelas provisórias ganham contornos de um provimento definitivo.

É o que acontece, por exemplo, nas decisões proferidas em ações de propriedade industrial que determinam a retirada de um produto do mercado ou mesmo a alteração de sua embalagem. Diante da forte concorrência mercadológica, ordens judiciais dessa natureza podem, na prática, ser irreversíveis, pois que, mesmo sendo revogadas posteriormente, o prejudicado já terá perdido considerável fatia de sua clientela e certamente enfrentará dificuldades para se reposicionar.

Nesse sentido, a sustentação oral no agravo de instrumento certamente propiciará maiores debates sobre a controvérsia e uma análise mais cuidadosa dos riscos da concessão (ou não) da tutela provisória, assegurando o contraditório participativo, um dos princípios norteadores do NCPC.

Em uma sustentação oral, o advogado habilidoso consegue resumir, em poucos minutos, dezenas de laudas e sintetizar dias de trabalho. Os negritos e sublinhados de suas peças ganham sonoridade e as imagens colacionadas, movimento. A posição corporal e o timbre de voz traduzem as pontuações e exclamações. Um desfile estático, com sentimento e tecnicidade.

Assim, os advogados das partes não mais comparecerão às sessões de julgamento para assistir e ouvir, passivamente, o resultado proclamado pelo colegiado, ou, quando muito, pedir um “pela ordem” para pontuar alguma questão fática, mas sim para defender oralmente os fundamentos e as razões de suas teses.

Nessa toada, é fundamental que os advogados em formação ou em exercício desenvolvam cada vez mais a oratória, uma ferramenta essencial na estratégia de convencimento dos desembargadores, principalmente dos vogais, que normalmente não tiveram acesso aos autos e, quando muito, passaram rapidamente os olhos nos memoriais entregues em gabinete.

Sob outro prisma, a alteração promovida pelo NCPC pode estimular uma postura mais ativa por parte do advogado do réu. Explica-se: se o causídico estiver monitorando informalmente a demanda e detectar a interposição de agravo de instrumento, poderá optar por intervir no feito desde logo para tentar bloquear a concessão de eventual tutela provisória. E, é claro, vai levar em consideração a possibilidade de sustentação oral.

A estratégia se torna ainda mais sedutora quando se verifica que a intervenção do réu, nessa hipótese, não inaugurará automaticamente seu prazo de defesa. Isso porque, como se sabe, o prazo da contestação no NCPC só começará a fluir depois de encerrada a fase de mediação/conciliação (exceto nos casos em que ambas as partes declaram não ter interesse na composição consensual e naqueles em que não se admite autocomposição).

Por fim, temos uma preocupação. Constantemente vemos situações em que o relator julga o agravo de instrumento de forma monocrática, mesmo fora das hipóteses do artigo 557 do CPC de 1973 (art. 932 do NCPC), seja para prover ou desprover o recurso. Registre-se apenas que, à luz do NCPC, para dar provimento ao recurso em tais hipóteses, o relator deverá primeiro ouvir a parte contrária (art. 932, V).

O problema é que, se não houver o devido enquadramento das hipóteses de julgamento monocrático ao caso concreto, a regra do NCPC acabará sendo esvaziada, já que não há previsão legal de sustentação oral no agravo interno – embora o que esteja em julgamento seja o próprio agravo. Nesse ponto, convém lembrar que o dispositivo do anteprojeto do NCPC que previa a sustentação oral no agravo interno da apelação foi vetado, o que evidencia que não foi a intenção do legislador franquear o uso da palavra em tal hipótese. Menos ainda, portanto, em sede agravo interno no agravo de instrumento.

Em casos assim, caberá ao advogado interpor agravo interno e tentar anular a decisão monocrática, demonstrando o distinguishing e requerendo o regular prosseguimento do recurso, a fim de que possa fazer a sustentação oral na respectiva sessão de julgamento. Apesar de viável a interposição de Recurso Especial com base no art. 932 do NCPC, na prática a irresignação terá pouca efetividade, pois, quando do desate da questão na Corte Especial, a tutela provisória já terá produzido seus efeitos no tempo.

Assim, entendemos que a alteração promovida pelo NCPC é muito bem vinda, pois, de um lado, valoriza cada vez mais a participação dos advogados e, de outro, assegura o amplo contraditório, e, ao mesmo tempo, estimula e incentiva o exercício da oratória.

  1. Intimação de advogado por advogado

Com a vigência do NCPC, já se ouve nos corredores do Fórum que o advogado será, agora, quase um oficial de justiça.

Exageros à parte, explica-se: de acordo com o novo diploma legal, caberá ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia e hora da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo (artigo 455).

A intimação deverá ser feita por carta com aviso de recebimento (AR), devendo o advogado juntar aos autos, com antecedência mínima de 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.

Da mesma forma, poderá o advogado promover a intimação do advogado da parte contrária por meio do correio, juntando aos autos a cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento (artigo 269, parágrafo 1º). O oficio de intimação deverá ser instruído com cópia do respectivo provimento jurisdicional. Nessa hipótese, o prazo começará a fluir, para o advogado intimado, a partir da data de juntada aos autos do aviso de recebimento.

Como se vê, longe de invadir a esfera de atuação dos oficiais de justiça, os advogados serão responsáveis por promover algumas intimações. No caso das testemunhas, a providência é obrigatória, a exceção das hipóteses previstas no artigo 455, parágrafo 4º, incisos I a IV. Já no caso da intimação do advogado da parte contrária, trata-se de mera faculdade e sua pertinência pode ser avaliada pelo causídico em cada caso concreto.

Examinaremos, então, algumas particularidades da intimação do advogado pelo advogado do ex adverso, o que, de certa forma, não chega a ser uma novidade nas ações de propriedade industrial, pois alguns causídicos, maliciosamente ou não, já têm o costume de enviar e-mails para os patronos da parte contrária, anexando a cópia de determinada decisão, na tentativa de acelerar a intimação do adversário.

Em linhas gerais, consideramos que a alteração legislativa é positiva. De um lado, o expediente pode desafogar o trabalho burocrático dos cartórios, pois, uma vez comprovada a intimação do advogado nos autos, não haverá necessidade, a princípio, de se expedirem novas intimações referentes ao mesmo despacho, decisão ou sentença. Por outro lado, a intimação via correios pode ser mais rápida que a própria intimação judicial, inclusive eletrônica, o que favorece a duração razoável do processo.

Basta pensar, por exemplo, na hipótese de concessão de uma tutela de urgência ou de uma tutela de evidência. Pode ser que o advogado da parte que obteve a tutela não queira aguardar o regular processamento do feito pelo cartório e as providências de praxe, decidindo acelerar desde logo a intimação do advogado da parte contrária, a fim de que o prazo recursal se inicie mais rapidamente.

Isso até pode fazer parte de uma estratégia processual, pois evita que o advogado da parte contrária desfrute daquele prazo de 10 (dez) dias do processo eletrônico para abrir a respectiva intimação (artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei 11.419/2006 c/c 231, V, do NCPC) e, com isso, tenha mais comodidade para preparar seu recurso.

A primeira dúvida que surge é a seguinte: essa intimação só pode ser feita pelos correios mediante aviso de recebimento?

Entendemos que não. A intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo (artigo 269). Embora o NCPC apenas mencione a intimação por correio nessa hipótese específica, sustentamos que, se, de algum outro modo, restar comprovada a ciência do advogado da parte contrária, a intimação terá cumprido seu desiderato.

Assim, por exemplo, se o advogado enviar um e-mail ao advogado da parte contrária anexando a decisão objeto da intimação e esse responder a mensagem tomando ciência do ato, a intimação terá sido formalizada. Nesse ponto, vale lembrar que a indicação dos endereços eletrônicos dos advogados do autor e do réu passou a ser um requisito da petição inicial (artigo 319, II), o que reforça o nosso pensamento. Afinal, a intenção do legislador ao incluir tal providência revela a sua preocupação em desburocratizar e dar celeridade ao processo, em sintonia com os princípios norteadores do NCPC (dever de cooperação, duração razoável do processo, etc.).

Ressalvamos, porém, que o mero aviso de recebimento do e-mail enviado não é suficiente para caracterizar a intimação. É que não se pode garantir que a mensagem tenha sido efetivamente aberta e lida pelo titular da conta de e-mail.

Como sabemos, muitos advogados compartilham, em períodos de viagem ou férias, o acesso à caixa de e-mails com secretárias e assistentes, o que, na prática, torna muito difícil saber se a mensagem foi efetivamente entregue ao seu destinatário naquele exato momento. Assim como o NCPC impede a prolação de “decisões surpresa”, não devem existir “intimações surpresa”.

E quanto à intimação por correio com aviso de recebimento: como comprovar o conteúdo da correspondência? É difícil acreditar que algum advogado enviaria ao seu colega uma carta sem qualquer conteúdo ou faltando páginas da decisão. Até porque, vale lembrar, todo aquele que participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (artigo 5º).

Porém, como não vivemos em um país de apenas bons samaritanos, a situação, de certa forma, preocupa, pois, ainda que o ônus de provar o conteúdo em caso de eventual controvérsia seja do remetente, muitas vezes a discussão envolverá a perda de um prazo processual, o que, por si só, causa tensão.

Para evitar qualquer discussão nesse sentido, sugerimos, em casos mais relevantes, que a intimação do advogado seja feita por cartório de títulos e documentos, valendo-se, assim, da fé pública do tabelião. Em se tratando de correspondência enviada pelo correio, ainda há a possibilidade de lavratura de uma Ata Notarial (artigo 384) para atestar o exato conteúdo da comunicação.

Em suma, a possibilidade de intimação do advogado pelo patrono da parte contrária veio em boa hora e pode desburocratizar e acelerar o andamento do processo, mas o expediente exige cuidados especiais e, obviamente, boa fé e respeito aos princípios positivados pelo novo diploma legal.

  1. Considerações sobre a estabilização da tutela em ações de propriedade industrial

 Abordaremos, agora, uma outra novidade trazida pelo NCPC, qual seja, a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente, fazendo um paralelo com as ações de propriedade industrial.

Inspirada no direito francês, a estabilização da tutela antecipada parte de uma lógica de que, se ambas as partes estão satisfeitas com a decisão antecipatória, não há necessidade de dilação probatória e de se prosseguir em busca de uma decisão exauriente no plano vertical. Um brinde à duração razoável do processo e à efetividade da prestação jurisdicional!

De acordo com o NCPC, se o autor lançar mão do benefício da tutela antecipada em caráter antecedente (artigo 303, parágrafo 5º), não precisará preparar uma extensa petição inicial, formulando desde logo os pedidos indenizatórios e requerimentos secundários. Bastará requerer a tutela antecipada, demonstrando sucintamente a plausibilidade de seu direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, indicando, ainda, o valor da causa.

Uma vez concedida a tutela, deverá aditar a petição inicial em 15 (quinze) dias ou em prazo maior que o juiz fixar (artigo 303, parágrafo 1º). Registre-se apenas que, em nossa opinião, não faz sentido o NCPC determinar que o autor adite a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final no prazo acima, uma vez que, se o réu não interpuser o recurso, todo esse trabalho do advogado terá sido em vão. Melhor teria sido postergar esse aditamento para após a notícia da interposição do agravo de instrumento[13] ou, então, adotar a metodologia defendida adiante.

Pois bem, caso a ordem judicial seja concedida e o réu não interponha agravo de instrumento, o processo será julgado extinto e a tutela antecipada tornar-se-á estável (artigo 304, caput e parágrafo 1º). Convém esclarecer, todavia, que qualquer das partes, dentro do prazo de dois anos, pode ajuizar uma ação para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada. Ultrapassado esse prazo, a ordem judicial torna-se estável, porém sem força de coisa julgada (artigo 304, § 6º).

A sistemática é interessante e pode ajudar a desafogar o Judiciário (os processos serão encerrados precocemente), mas não devemos fazer uma interpretação literal dos dispositivos, sob pena de nos depararmos com algumas perplexidades jurídicas. Defendemos, assim, a necessidade de uma interpretação sistemática ilustrando a problemática com exemplos da área da propriedade industrial.

Em litígios dessa natureza, sobretudo nas ações de infração, o autor normalmente formula um pedido de tutela antecipada e também pleiteia indenização pelas violações perpetradas pelos infratores.

Imaginemos então a seguinte situação: se o autor formular um pedido de tutela antecipada em caráter antecedente, valendo-se do benefício de apresentar uma petição inicial simplificada (sem os pedidos indenizatórios, por exemplo), terá, em tese, que torcer para o réu interpor agravo de instrumento, evitando-se a estabilização da tutela e o consequente encerramento prematuro do processo (que, a essa altura, já terá recebimento o aditamento da petição inicial). Sim, porque de acordo com o artigo 304, parágrafo 1º, do NCPC, a inércia do réu enseja a extinção do feito.

Com a devida venia, essa “extinção” do processo não parece lógica. Obrigar o prejudicado a pagar novas custas judiciais, estender a contratação de seu advogado e propor uma nova ação judicial para buscar o ressarcimento dos valores devidos viola o sincretismo processual e os princípios norteadores do NCPC.

Do ponto de vista do réu, a questão também é inusitada: será ele obrigado a recorrer mesmo não tendo interesse recursal? Imaginemos a hipótese de uma ordem judicial proibindo o réu de utilizar a marca do autor em evento já realizado à época do prazo recursal. Por que ele precisaria pagar custas e arcar com honorários de seu advogado para elaboração de um recurso sem qualquer efeito prático? Não soa razoável. Da mesma forma, qual seria o interesse do réu de recorrer de uma ordem judicial proferida nos autos de uma ação de infração de patente, se ele percebe que no momento de interposição do agravo de instrumento a patente já caiu em domínio público?

Nesse particular, sem embargo de balizadas opiniões em contrário, filiamo-nos à corrente de processualistas que entendem que a estabilização da tutela antecipada não pode resultar simplesmente da não interposição do recurso pelo réu, mas também, necessariamente, do não oferecimento da contestação, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa[14].

Neste sentido, sustentamos a necessidade de uma interpretação teleológica, prestigiando a seguinte linha de raciocínio[15]: i) se o autor aditar a petição inicial e o réu agravar ou contestar, não haverá estabilização e o processo prosseguirá normalmente; ii) se o autor aditar a petição inicial e o réu não agravar ou contestar, o autor deverá ser intimado para dizer se pretende prosseguir e buscar uma sentença de mérito (com exame dos demais pleitos) ou desistir da demanda, caso em que a tutela ficará estabilizada e o processo será extinto sem resolução do mérito; iii) se o autor não aditar a petição inicial, o réu pode, mesmo assim, querer agravar ou contestar para impedir a estabilização da tutela, sendo que nessa hipótese o processo será julgado extinto e eventual recurso declarado prejudicado; e iv) se o autor não aditar a exordial e o réu não agravar ou contestar, ocorrerá a estabilização e o processo será extinto sem resolução de mérito, devendo o Juiz declarar estabilizada a tutela.

A compreensão dessa sistemática é fundamental para que haja estímulo ao requerimento da tutela antecipada em caráter antecedente. Caso contrário, os advogados só farão uso do expediente naquelas hipóteses em que a situação é urgentíssima a ponto de inviabilizar o desenvolvimento de uma petição inicial completa ou nos casos em que o prejudicado se satisfaça com eventual ordem de abstenção de uso (para evitar o lançamento de um produto no mercado, por exemplo).

Afinal, ninguém vai querer correr o risco de ser prejudicado pela inércia do réu, se contentando com uma tutela antecipada que, apesar de estável, sequer fará coisa julgada.

  1. O sistema brasileiro de precedentes e seus reflexos na área da propriedade industrial ***

 O NCPC consagrou um sistema de precedentes inspirado na common law e adaptado para o civil law[16].

Contudo, essa perspectiva de valorização dos precedentes no NCPC não é inédita e tampouco pode ser considerada uma novidade contemporânea.

Em nosso ordenamento jurídico, o primeiro marco relevante foi a criação da Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal em 1963[17]. Embora não tivesse qualquer efeito vinculante, passou a exercer grande influência nos julgamentos.

Em 1990, foi editada a Lei nº 8.038, que autorizava o desprovimento de recursos perante o STJ e STF quando “contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal” (art. 38).

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 03/1993 passou a conferir efeito vinculante à decisão proferida pelo STF em Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, §2º, da Carta Magna).

Em 2004, a Emenda Constitucional n º 45 incluiu os artigos 102, III, § 3º[18], e 103-A[19] na Constituição Federal, instituindo a repercussão geral para o recurso extraordinário e a chamada súmula vinculante.

Em 2008, a Lei nº 11.672 acrescentou o artigo 543-C ao CPC/73 e estabeleceu o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Ao longo do tempo, outras reformas legislativas modificaram o CPC/73, incentivando a valorização dos precedentes, com reflexos, por exemplo, na improcedência liminar do pedido (art. 285-A) e no julgamento monocrático (provimento/desprovimento) de recursos que envolvessem matéria sumulada ou objeto de jurisprudência dominante dos tribunais (art. 557).

Nessa toada, o legislador do NCPC, dentro da ótica de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, positivou consagrados princípios constitucionais, tais como a isonomia, a duração razoável do processo, a segurança jurídica, a efetividade, que são verdadeiros cânones do sistema de precedentes.

A ideia é racionalizar a entrega da prestação jurisdicional e impedir que casos semelhantes sejam julgados de forma distinta, evitando a odiosa “justiça lotérica”.

Nesse sentido, o artigo 926 do NCPC dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, observando a) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; b) os enunciados de súmula vinculante; c) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; d) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e e) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (art. 927)

Na área da propriedade industrial, em que normalmente as discussões são técnicas, complexas e envolvem valores expressivos, a sistemática é interessante, pois a ausência de homogeneidade de entendimento causa flagrante insegurança segurança jurídica.

A propósito, vale registrar que, passados mais de 20 (vinte) anos da Lei nº 9.279/96, a única súmula (não vinculante) sobre a matéria versa sobre o prazo prescricional para a propositura de ação de perdas e danos decorrente de uso de marca.[20] Não existe qualquer súmula vinculante ou julgamento de recursos repetitivos.

Aliás, somente alguns meses atrás o STJ afetou o primeiro caso à sistemática dos recursos repetitivos. No REsp 1.527.232/SP, a Corte decidirá se “é possível à justiça estadual impor abstenção de uso de marca registrada pelo INPI”, bem como determinar a abstenção de uso de elementos não registrados no INPI (trade dress) em ações de concorrência desleal.

Nesse particular, parece-nos claro que, nos conflitos entre o titular de uma marca registrada e um suposto infrator sem registro concedido pelo INPI, a justiça estadual é competente para decidir a questão. Porém, quando o conflito envolver duas empresas com registros concedidos pelo INPI, a justiça federal será a competente para dirimir a controvérsia. Caso contrário, a justiça estadual estaria, por via oblíqua, esvaziando os efeitos de um registro marcário e usurpando a competência exclusiva da justiça federal.

Quanto ao segundo ponto a ser analisado pelo STJ, entendemos que a justiça estadual é competente para julgar as ações de concorrência desleal com base em trade dress, pois a discussão não pressupõe a análise de eventual nulidade dos signos distintivos, mas sim o exame da alegada prática desleal, materializada pela imitação ou reprodução indevida da identidade visual de determinado produto/serviço.

Muitas outras controvérsias na área da propriedade industrial também deveriam ser pacificadas, clareando o horizonte dos litigantes.

Uma delas, por exemplo, versa sobre a regra de competência para as ações de infração de marca com pedido indenizatório. A discussão reside em saber se deve ser aplicada a regra geral do foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC/73 – art. 46 do NCPC) ou se pode ser invocado o local do ato ou do fato, ou mesmo o foro de domicílio do autor (artigo 100, V, “a”, e § único do CPC/73 – art. 53, IV, “a”, e V, do NCPC).

Depois de algumas decisões conflitantes no âmbito do STJ, o tema foi equalizado no julgamento dos Embargos de Divergência nº 783.280/RS[21], prevalecendo a regra do foro especial. Porém, como o julgamento não ocorreu sob a sistemática dos recursos repetitivos, não há que se falar em efeito vinculante do decisum, o que ainda abre espaço para decisões contraditórias em casos análogos.

Na área das patentes, a discussão sobre o prazo de vigência das patentes pipeline foi equacionada pela Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp nº 731.101/RJ, consignando-se que “a Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora ‘pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido’, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado“.

Embora o decisum possa ser uma diretriz para os magistrados, não foi proferido em sede de recurso repetitivo e, portanto, não tem efeito vinculante. Além disso, a discussão exige maior reflexão e ampla participação plural da sociedade, não apenas em razão da mens legis do legislador da LPI, mas também por conta dos valores constitucionais em jogo, o que justifica a reabertura dos debates.

Outro tema recorrente nos tribunais que merece ser enfrentado envolve o chamado direito de precedência ao registro de marca (art. 129, § 1º, e 158 da LPI). A jurisprudência é vacilante. Existem julgados reconhecendo que o direito de precedência pode ser manifestado judicialmente, após a concessão do registro (TRF2 – AC nº 2009.51.01.813202-0), e outros arestos defendendo que o direito de precedência deve ser necessariamente manifestado antes da concessão do registro de terceiro (TRF2 – AC nº 0029525-38.2012.4.02.5101).

Antes de encerrar, um último comentário: consideramos que a valorização dos precedentes não fomenta o chamado imobilismo jurisprudencial. Isso porque, existem técnicas – importadas da common law – de superação dos entendimentos (overruling e overriding) e de confronto do paradigma com caso concreto (distinguishing), que podem ser invocadas pelas partes e pelos julgadores, sempre de forma fundamentada.

Ou seja, nessa escalada histórica dos precedentes, o NCPC cria uma parametrização que pode racionalizar a entrega da prestação jurisdicional, garantindo a isonomia, a efetividade e a duração razoável do processo.

  1. O impacto do IRDR nas ações de propriedade industrial

 Uma das maiores novidades do NCPC é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, previsto no artigo 976 e seguintes. Inspirado no Musterverfahren alemão, no Pilot Judgement da Corte Europeia de Direitos Humanos e no Group Litigation Order da Inglaterra, o IRDR surge para dar concretude ao sonho dos juristas de garantir uma decisão de mérito, em tempo razoável.

De fato, a preocupação com o tempo e a duração razoável do processo é uma tônica do novo código, o que, aliás, está evidenciado logo no capítulo inicial intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, especialmente nos artigos 4º e 6º.

Em linhas gerais, o IRDR tem como objetivo garantir a isonomia das decisões judiciais e a segurança jurídica, toda vez que existir uma multiplicidade de causas versando sobre a mesma questão de direito.

O incidente pode ser instaurado de ofício pelo juiz ou pelo relator, ou por meio de petição, pelas partes, assim como pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.

Funcionará assim: o pedido ou o ofício será endereçado ao tribunal com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos legais. Em seguida, o presidente do tribunal encaminhará o pleito ao órgão competente. Sorteado o relator, será feito o juízo de admissibilidade. Uma vez admitido o incidente, todos os processos que versam sobre a mesma questão de direito serão suspensos. Após ouvidas as partes e o Ministério Público, além de eventuais interessados (artigo 983), o relator levará o feito a julgamento. Definida a questão de direito no prazo máximo de um ano (artigo 980), a tese será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou região, bem como aos casos futuros que envolvam idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal.

Contra a referida decisão é possível a interposição dos recursos especial e extraordinário, que, excepcionalmente, são dotados de efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral da questão constitucional debatida. Esse pronunciamento das cortes superiores, embora não obrigatório, é importante para permitir a uniformização do tema em nível nacional, com efeitos erga omnes.

Na área da propriedade industrial, assim como em outros ramos do direito, existem temas que se repetem em múltiplas demandas. São matérias de densidade infraconstitucional e constitucional que ainda não foram pacificadas e causam grande insegurança jurídica à comunidade empresarial.

Como já salientado, nenhuma dessas teses foi apreciada em sede de recurso repetitivo pelo STJ ou teve a repercussão geral reconhecida pelo STF. Tampouco é objeto de súmula vinculante, o que demonstra a inexistência de efeito vinculativo dos precedentes.

A consequência disso são decisões discrepantes, inclusive dentro do mesmo tribunal, causando instabilidade e insegurança jurídica.

Em boa hora então surge o IRDR, que será fundamental para o processo de consolidação da jurisprudência na área da propriedade industrial.

O espaço é limitado para maiores aprofundamentos, mas citaremos alguns exemplos práticos de possível instauração do IRDR.

Na área de marcas, por exemplo, persiste a discussão se a indenização por dano material depende da comprovação dos prejuízos ou se é mera consequência do ato ilícito (REsp 1174098/MG x AgRg no AREsp 111842/SP). A questão ainda não está pacificada.

No seguimento das patentes, merece registro a distribuição de centenas de ações de nulidade pelo INPI em relação às chamadas patentes mailbox, que visam a proteger produtos farmacêuticos e produtos agroquímicos, cuja discussão gira em torno do respectivo prazo de validade dessas patentes.

Esses breves exemplos demonstram que relevantes questões de direito na área da propriedade industrial podem ser objeto do IRDR, acelerando a formação de precedentes e garantindo a isonomia das decisões e a segurança jurídica, e ainda contribuindo — torcemos — para a duração razoável do processo.

  1. A possibilidade de julgamento parcial do mérito de ações repetitivas suspensas pelo IRDR

 Como visto, o IRDR poderá ser instaurado sempre que existir uma repetição de processos versando sobre a mesma questão de direito e houver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Tais requisitos são cumulativos e devem estar demonstrados no pedido de instauração do incidente.

Nesse momento de sedimentação do incidente, surgem muitas dúvidas e o NCPC não traz uma resposta precisa para todas elas. Por exemplo, quantos processos versando sobre a mesma questão de direito são suficientes para caracterizar a “efetiva repetição de processos”? A matéria de direito pode compreender questões de direito processual ou apenas de cunho material? Para que esteja configurado o “risco à isonomia e à segurança jurídica”, é necessário que várias demandas já tenham sido julgadas em sentido conflitante ou basta a possibilidade de decisões contraditórias? É preciso que já exista um recurso pendente no tribunal para que seja admitido o IRDR? É recorrível a decisão do órgão colegiado que rejeitar a instauração do IRDR? Pode o juiz solicitar a instauração do IRDR em processo ainda não decidido ou somente quando da remessa do respectivo feito ao tribunal por força de recurso ou reexame necessário? Apenas os legitimados do art. 977, II e III (partes, MP e Defensoria) podem requerer ao STJ ou STF a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos repetitivos (art. 982, § 3º) ou também os demais interessados, inclusive o amicus curiae?

Algumas dessas questões e outras controvérsias estão sendo debatidas pelos processualistas e posicionamentos já foram assentados[22].

Poderíamos enfrentar cada um dos questionamentos acima, mas, diante da reduzida dimensão deste artigo, iremos examinar uma situação muito relevante que diz respeito aos efeitos da suspensão das ações repetitivas por força da decisão de admissão do IRDR.

De acordo com NCPC, os processos ficam suspensos pelo prazo de 1 (um) ano e, após esse prazo, voltam a correr normalmente, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário (art. 980 e seu parágrafo único).

Surgem então novas indagações. O processo fica totalmente paralisado nesse prazo de 1 (um) ano? O que pode ser apreciado pelo juiz da causa suspensa? Ele pode julgar um dos pedidos não relacionados ou que não sejam prejudiciais à matéria objeto do IRDR?

Pois bem, inicialmente vale registrar que o próprio NCPC ressalva que, durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência será dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso (art. 982, § 2º). Claro, não seria razoável permitir que uma situação de urgência capaz de causar dano ou lesão a direito não fosse tutelada pelo Estado (art. 5º, XXXV, da CF).

Entendemos que a decisão do relator que determina a suspensão das ações repetitivas não é um sopro górgono[23] capaz de petrificar o processo. Este não fica congelado e adormecido (Enunciado nº 205 do FPPC).

Na verdade, além das tutelas de urgência, o juiz pode, por exemplo, homologar o pedido de desistência da ação, o que, porém, não impedirá o exame de mérito do incidente (art. 976, § 1º).

Nada obstante, o juiz pode dar andamento ao feito, determinando providências necessárias e avançando na instrução probatória em relação às demais matérias de direito e de fato que não tenham relação ou subordinação com o tema do IRDR.

Mais do que isso: sustentamos que o juiz pode julgar parcialmente o mérito (art. 356), providência que tem cabimento quando um ou mais dos pedidos formulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento (desnecessidade de novas provas ou o réu for revel e não houver protestado pela produção de prova).

Imaginemos a hipótese de o autor, que ainda não tem uma marca registrada no INPI, ajuizar uma demanda com base em dois fundamentos distintos: infração de marca e violação de direito autoral, formulando os respectivos pedidos indenizatórios. Pode ser que o tema marcário não possa ser julgado desde logo (por força de eventual IRDR em que se decidirá se o depositante de um pedido de registro de marca pode compelir alguém a se abster de usar o sinal depositado, ou, ainda, se a indenização por dano material decorre da infração em si ou se os prejuízos precisam ser efetivamente demonstrados).

Nesse exemplo ilustrativo, nada obsta que o juiz, verificando que o processo não demanda a produção de outras provas e se encontra em condições de imediato julgamento, enfrente e decida a alegada violação de direito autoral e o respectivo pedido indenizatório. Caberá agravo contra tal decisão (art. 356, § 5º).

Sem dúvida que a flexibilização da regra de suspensão das ações repetitivas será um grande avanço[24], prestigiando a celeridade e a duração razoável do processo (parte da causa será decidida desde logo), a economia processual (o autor optou por cumular os pedidos ao invés de propor duas demandas), efetividade (permitir a realização dos direitos em menor tempo) e a segurança jurídica (eliminação de incertezas), todos princípios norteadores do NCPC.

Nesse contexto, propõe-se uma interpretação sistemática, a fim de que os efeitos da mencionada suspensão dos processos repetitivos se restrinjam às matérias relacionadas ou prejudiciais ao tema de direito objeto do IRDR, não impedindo, porém, o julgamento parcial do mérito em relação às questões não vinculadas ou afetadas pelo incidente.

  1. Conclusão

 O NCPC trouxe importantes alterações que podem impactar diretamente os litígios na área da propriedade industrial.

Ainda não sabemos como os tribunais irão se posicionar em muitas das questões aqui levantadas, mas as novidades são bem vindas e podem contribuir para um processo mais ético e célere, com respeito à isonomia e à segurança jurídica.

Esperamos que a bússola interpretativa de nossos tribunais esteja calibrada para equacionar as controvérsias à luz dos princípios norteadores do novo processo civil, e consolidar, com brevidade, entendimentos jurisprudenciais, especialmente na área da propriedade industrial.

 Em suma, temos um novo código de processo civil e devemos respeitá-lo. As críticas e os questionamentos sempre vão existir e fazem parte do processo de amadurecimento do direito, o que, aliás, é fundamental em qualquer sociedade e para o progresso das relações jurídicas.

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[1] Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

[2] CAMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Atlas, 2015, p. 274.

[3] http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/Manual_de_Marcas.

[4] “A possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas, quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças, levando-se em conta não só o grau de atenção do consumidor comum e as circunstâncias em que normalmente se adquire o produto, como também a sua natureza e o meio em que o seu consumo é habitual”, in Tratado da Propriedade Industrial, 2ªEd., São Paulo: Revista dos Tribunais, v.2, p.919.

[5] Polaroid Corp. v. Polarad Electronics Corp, 287 F. 2d 492 (2nd Cir.).

[6] Revista da EMERJ, nº 69, junho/julho/agosto de 2015, págs. 129/155.

[7] STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. “Um debate com (e sobre) o formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, ou ‘colaboração no processo civil’ é um princípio?”.  InRevista de Processo, v. 213, 2012, p. 13.

[8] MITIDIERO, Daniel. “Bases para construção de um Processo Civil cooperativo” – Tese de Doutorado na UFRGS, Porto Alegre, 2007, p. 12, 70 e 74. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A cooperação e a principiologia no processo civil brasileiro. Uma proposta de sistematização. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XII. Rio de Janeiro: Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ, 2013, p. 291, 293, 297 e 305.

 [9] DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no novo processo civil brasileiro. Disponível em http://www.academia.edu/10270224/Neg%C3%B3cios_jur%C3%ADdicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro.

[10] TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: notas sobre negócios jurídicos processuais. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI228734,61044Um+processo+pra+chamar+de+seu+nota+sobre+os+negocios+juridicos.

11 Vide Enunciados nº 19, 20, 21,135, 262, 403, 490, 580. Transcreve-se, a título ilustrativo, o Enunciado nº 19: São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba).

* Artigo escrito em coautoria com a Dra. Paula Salles Fonseca de Mello Franco, advogada de Dannemann Siemsen Advogados e pós-graduanda em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC-RIO.

[12] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 4. Ed., São Paulo: Método, 2016, p. 50/54 e 528/529.

** Artigo escrito com coautoria com o Dr. Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Procurador do Município do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público da União. Doutor em Direito pela UVA/RJ. Professor de Direito Administrativo do IBMEC, da EMERJ e do Curso Forum. Professor dos cursos de Pós-Graduação FGV e da UCAM. Advogado e consultor Jurídico.

[13] SICA, Heitor Vitor Mendonça, “Doze problemas e onze soluções quanto à chamada ‘estabilização da tutela antecipada’”. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. ed. 55, 2015, p. 92, nota de rodapé 13, disponível em  http://publicacao.mprj.mp.br/rmprj/rmprj_55/files/assets/basic-html/page88.html.

[14] GRECO, Leonardo – A Tutela da urgência e da tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XIV.

[15] CAMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 166.

[16] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 427.

[17] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma escalada e seus riscos. Rev. Dialética de Dir. Proc., nº 27. 2005.

[18] Art. 102, III, § 3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

[19] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

[20] Súmula 143 do STJ: “Prescreve em cinco anos a ação de perdas e danos pelo uso de marca comercial”.

[21] Embargos de Divergência nº 783.280/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/02/2011, DJe 19/04/2012.

*** Artigo escrito em coautoria com Nathalia Ribeiro, advogada da Dannemann Siemsen Advogados, pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

[22] Vide os Enunciados nºs 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 206, 342, 343, 345, 347, 349, 473, 481, 556, 605 e 606 do FPPC.

[23] Górgona é uma criatura da mitologia grega que tinha o poder de transformar todos que olhassem para ela em pedra. Conta-se que existiam três górgonas: as três filhas de Fórcis e Ceto. Seus nomes eram Medusa, “a impetuosa”, Esteno, “a que oprime” e Euríale, “a que está ao largo”.

[24] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. TEMER, Sofia. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, vol. 243/2015, p.283-331, mai 2015 DTR\2015/7913.