A propriedade intelectual na pandemia

Por: Newton Silveira

Uma importante exceção são as invenções no caso de emergência nacional ou interesse público (cf. Art. 5º, inc. XXIX in fine, da Carta Magna e art. 71 da Lei de Propriedade Industrial que estabelece licença compulsória para a exploração de patente).

O que tem a ver o plágio com a vacina?

Neste domingo ambos os temas vicejaram nos noticiários.

Quanto ao primeiro tema, o plágio, sempre presente nas questões de direitos autorais, é bom lembrar o teor do parágrafo 3º do art. 7º da Lei de Direitos autorais, que estabelece que “no domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. “Assim, se os textos ditos “copiados” não possuem valor literário, mas constituem informação técnica, podem ser livremente citados. A parte citada deve ter sua fonte identificada, em respeito ao direito moral, assegurado no nº II do art. 24 da mesma lei, que garante ao autor ter seu nome indicado na utilização de sua “obra”.

Se o conteúdo for de natureza técnica, pode ser objeto de patente de produto ou de processo, que confere o direito exclusivo também ao produto resultante, com as exceções estabelecidas pela Lei de Propriedade Industrial.

Uma importante exceção são as invenções no caso de emergência nacional ou interesse público (cf. Art. 5º, inc. XXIX in fine, da Carta Magna e art. 71 da Lei de Propriedade Industrial que estabelece licença compulsória para a exploração de patente).

Esse tipo de licença já foi concedida no caso da epidemia da AIDS.

Isso acontece com os direitos de exclusividade assegurados por uma eventual patente da vacina.

Com exclusividade ou não, autores da invenção têm direito à menção de seu nome, como no caso da AIDS, em que cientistas da Universidade de Nairobi reclamaram que seu nome não estava sendo incluído em pedidos de patente.

Já a médica chefe do centro de pesquisa médica na Universidade de Oxford afirmou que os cientistas quenianos não tinham direitos intelectuais em relação à vacina, já que não foram eles que desenvolveram o gene. “Os cientistas que desenvolveram o conceito e desenharam o gene são desta Universidade”, afirmou.

Evidentemente, pode não ser concedida uma patente para vacina, como no caso da “TRUVADA”, indeferida pelo INPI por falta de atividade inventiva. Caso contrário, poderá ser concedida uma patente, como a FIOCRUZ, que obteve patente para método inédito de desenvolvimento de vacinas (tecnologia recentemente patenteada nos EUA). E o Instituto Butantã também recebeu importante patente nos EUA.

Alguns laboratórios abriram mão de patentes no caso, como a GILEAD, fabricante do Remdesivir utilizado no tratamento da COVID-19. O caso mais conhecido é a KALETRA, um antiviral da farmacêutica americana AbbVie que renunciou ao seu direito de patente. Também se utilizou o Remdesivir junto com a Cloroquina para tratar a COVID-19. A pesquisa não foi realizada pela GILEAD, mas por cientistas de WUHAN e de PEQUIM, já que a legislação chinesa permite patentes de 2º uso.

No caso da AIDS o governo brasileiro decretou licença compulsória  do medicamento EFAVIRENZ do laboratório MERCK.

Já na atual pandemia, há três projetos de lei este ano, cuidando de licença compulsória relativa a patentes referentes à COVID-19, objeto, é claro, da contrariedade da INTERFARMA – Associação da Industria Farmacêutica de Pesquisa, mas com o apoio dos Médicos Sem Fronteiras.

Os 194 estados membros da OMS, Organização Mundial da Saúde, aprovaram uma resolução que apoia a licença compulsória de patentes de vacinas e tratamentos para a COVID-19, com um comunicado dos EUA rejeitando o texto no que diz respeito à propriedade intelectual, acesso a serviços de saúde reprodutiva e sexual durante a pandemia.

A China e a França, por sua vez, se posicionaram ao lado das nações emergentes, afirmando que qualquer vacina que venha a ser descoberta deve ser tratada como um bem público. A União Europeia, China e Rússia apoiaram a OMS diante do ultimato da Casa Branca. Depois de Israel ter uma licença compulsória do KALETRA, a AbbVie abriu mão dos direitos de propriedade intelectual do medicamento.

Jamil Chade, em 19/05, publicou texto com o título “Trump bombardeou resolução proposta por Brasil por acesso à vacina”, onde afirma: “No fundo, o posicionamento americano é o de preservar a patente, mesmo diante de uma pandemia. Mas, uma aliança entre Japão, Reino Unido, Alemanha e alguns países emergentes isolou Washington durante as negociações…No fundo, o que os países discutem é a questão da propriedade intelectual sobre os futuros remédios, algo que permeou todo o histórico da luta contra o HIV…Nos últimos dias, líderes e nomes populares de 140 países publicaram uma carta aberta pressionando para que a vacina seja de acesso universal”.


O Professor Doutor Newton Silveira é Diretor Geral do IBPI (Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual) e foi autor de pareceres para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre Propriedade Intelectual das urnas eletrônicas e acerca da Transferência de Tecnologia do submarino atômico para o Governo brasileiro. 


Fonte: Migalhas | Clipping: LDSOFT
Foto: Migalhas