Adesão à Lei do Bem representa 3% do setor empresarial

Apesar do avanço das empresas que utilizam os incentivos fiscais da Lei do Bem, é baixo o número das companhias que investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) com os incentivos fiscais da legislação, que em junho completou 10 anos de operação. É com esse argumento que o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Álvaro Prata, informou ao Jornal da Ciência sobre a proposta de ampliar a adesão à Lei, em vigor pelo Decreto no 5.798, de 07 de junho de 2006.

Para o secretário, existem outras 40 mil empresas que também poderiam utilizar os incentivos. O Relatório Anual de Incentivos Fiscais de 2014, o mais recente disponibilizado pelo MCTIC, mostra que o número de empresas que aderiram à Lei cresceu quase 12 vezes, de 130 em 2006 para 1,2 mil, o equivalente a 3,2% do potencial do parque produtivo nacional.

Já os investimentos líquidos em atividades de P&D subiram de R$ 2,19 bilhões para R$ 8,19 bilhões (o valor bruto é R$ 9,25 bilhões) entre 2006 e 2014 – o equivalente a 0,09% e 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente. Para estimular esse dinamismo, a renúncia fiscal do governo federal cresceu de R$ 23 milhões para R$ 1,71 bilhão no período analisado.

O termômetro para avaliar a relação entre universidade e empresa, o indicador de contratação de pesquisadores com dedicação exclusiva no setor produtivo, atingiu o pico de 28,9 mil contratações em 2010, mas regrediu para 20,3 mil em 2014, segundo o relatório. Tal resultado foi atribuído, indiretamente, ao baixo número de pedidos de patentes.

O Ministério possui várias frentes de estímulo à cultura da inovação e do empreendedorismo no País. A proposta, segundo Prata, é intensificar as parcerias e colaborações com todas as partes envolvidas, mediante a utilização dos instrumentos e programas do governo federal.

Setor industrial

A primeira premissa é interagir mais com o setor industrial e entender o motivo pelo qual se utiliza pouco os estímulos fiscais – seja a Lei do Bem, a Lei de Informática e o Inovar-auto (Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores).

Outra iniciativa é aproximar o setor acadêmico-científico do industrial, já que muitas vezes as instituições de ciência e tecnologia “estão fechadas nelas próprias”, conforme avalia Prata. E, também, aproximar as unidades de pesquisa, como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) – que, segundo observa, estão subaproveitados, apesar do potencial considerável de pesquisa científica e tecnológica. Prata defende a intensificação do diálogo com os tradicionais atores da CT&I, como a Anprotec, o Confap, o Consecti, e com as cooperações internacionais.

Para o secretário do MCTIC, a atividade de PD&I deve ser encarada de forma estratégica para aumentar a competitividade do setor produtivo no momento em que o País se prepara para retomar o crescimento econômico. Prata reconhece, porém, que o ambiente desfavorável aos negócios, com o Custo Brasil elevado, interfere na confiança dos empresários nos investimentos de alto risco de longo prazo.

Retorno sobre investimentos

O cientista Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, considera que a legislação representa, até agora, o principal instrumento de estímulo ao investimento na atividade de P&D do Brasil. Chamando a atenção para o retorno da renúncia fiscal sobre os investimentos, ele calculou que, para cada real de renúncia fiscal, se alavanca pelo menos cinco vezes mais em investimentos na pesquisa. “Esse indicador serve para avaliar se a aplicação da Lei é boa ou não.”

Segundo o cientista, a participação das empresas que usufruíram dos benefícios da legislação em 2014 representa pelo menos a metade do chamado núcleo duro de P&D empresarial, que reúne 2,5 mil empresas que fazem inovação tecnológica e têm atividades continuadas em P&D com equipes próprias.

O cientista disse ainda que a tendência de redução de contratação precisa ser estudada com mais profundidade.

Segurança jurídica

Instituições representantes do setor produtivo avaliam que a Lei do Bem representa hoje um marco no fortalecimento do ecossistema de inovação. Reforçam, porém, o pleito de que o ambiente de negócios requer segurança jurídica e aprimoramento da legislação para que os investimentos em P&D sejam consolidados.

Os especialistas da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) defenderam a necessidade de mais segurança jurídica para a maturação dos negócios e recordaram os impactos negativos gerados pela ameaça de suspensão dos incentivos fiscais da Lei do Bem no ano passado, pela medida provisória (MP) nº 694. Editada em setembro de 2015 pelo Palácio do Planalto, a MP teve como objetivo equilibrar as contas públicas. A medida, porém, caducou porque a tramitação perdeu validade no Congresso Nacional, diante de pressões pela sua derrubada.

Para Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI, tal decisão gerou desconfiança sobre o ambiente de negócios, prejudicando ainda mais a competitividade interna em um país historicamente marcado pelo custo produtivo elevado. Para ela, a MP surgiu na contramão do resto do mundo, que é cada vez mais inovador.

Sagazio disse que houve um aumento considerável na procura do setor produtivo pelos estímulos fiscais da Lei do Bem – seja para o desenvolvimento de atividades de PD&I para criar novos produtos ou processos, seja para o aprimoramento dos que já existem. Ela disse, porém, que a utilização dos estímulos fiscais ainda não atingiu “o máximo potencial” do setor.

Uma das principais limitações, segundo observa, é o fato de a Lei disponibilizar os incentivos fiscais somente às empresas que declaram o imposto de renda (IR) pelo lucro real e que registram resultado positivo no ano fiscal. Ou seja, se a empresa registrar prejuízo, não poderá acessar os benefícios no ano seguinte. Essa restrição implica vedar o acesso ao incentivo à maioria das empresas, avalia Sagazio.

Reforçando tal posicionamento, o coordenador do Comitê de Fomento à Inovação da Anpei, Luís Frade, disse que esse é um problema sério, principalmente neste momento de recessão econômica e de queda da produção industrial.

Recessão econômica

Como reflexo dos impactos da crise econômica, Frade observa que as empresas têm registrado queda na produção de forma generalizada, com efeitos negativos sobre o faturamento anual do setor. Dessa forma, Frade prevê a redução dos investimentos em P&D, por intermédio da Lei do Bem, no período de recessão.

A Vale, uma das maiores empresas de mineração do mundo e usuária da Lei do Bem, também fez um balanço sobre os estímulos fiscais da legislação. Geraldo Barbosa, engenheiro e responsável pela gestão do benefício na mineradora, observa que a Lei ainda é aberta a algum tipo de melhoria para estimular mais as empresas. Nesse caso, reforçou as críticas sobre a empresa poder utilizar os estímulos fiscais somente quando apresentar lucro real no ano fiscal, mesmo realizando investimentos em P&D.

“O governo quer que se invista em P&D, mas não dá a garantia de que os estímulos ao investimento serão recuperados no ano subsequente”, criticou.

O engenheiro informou que a Vale trabalha com inovação aberta e criticou ainda o fato de a legislação restringir convênios com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), interlocutoras com as universidades nos Estados. Embora a intenção das empresas seja de fazer convênios com instituições como Fapesp, Faperj e Fapemig, por exemplo, os incentivos da Lei do Bem não permitem esse tipo de operação, lamentou.

Mesmo assim, Barbosa, sem revelar dados de investimentos por razões estratégicas, disse que a Vale detém um portfólio anual de 300 a 400 projetos em P&D e investiu bilhões de dólares nos últimos 10 anos, pela Lei do Bem. Um dos projetos concebidos pelos incentivos da Lei é a proposta robusta que cria uma mina autônoma, sem interferência humana na operação.

“Estamos desenvolvendo um caminhão que não vai ser operado pelo homem. A operação autônoma vai trazer benefícios para empresa, com custos reduzidos e segurança para o funcionário”, disse.

15 centros de P&D

A diretora da CNI citou dados da Anpei, que revelam que nos últimos quatro anos os incentivos fiscais viabilizaram a implementação de 15 novos centros de P&D de grande porte no Brasil, incluindo os das IBM, GE (General Electric) e da L’Oréal.

Segundo Sagazio, até agora, a Lei permitiu criar, no mínimo, 20 mil novos produtos ou aperfeiçoamento de processos tecnológicos, atendendo à demanda da sociedade e trazendo impactos positivos sobre a economia. Para ela, a indústria começou a mudar a cultura e vem investindo cada vez mais em P&D no País.

Fonte: Jornal da Ciência