Cientistas do Brasil tentam inovar, o problema está nas empresas

Banho de realidade frequentemente dói, mas pelo menos
refresca. Levei uma chuveirada dessas ao ouvir, não faz muito
tempo, a apresentação recheada de franqueza do pró-reitor de
pesquisa da USP, o médico José Eduardo Krieger, sobre o
estado da inovação tecnológica no Brasil, em workshop na
Unesp de Araraquara (SP). Frase mais emblemática: “Nosso
desempenho no registro de patentes [ou seja, de novas
invenções] é pífio”.

Para quem não está familiarizado com as últimas duas ou três
décadas da política nacional de ciência e tecnologia, da para
resumir a situação da seguinte maneira: ao longo desse
período, os cientistas do país têm sofrido um incessante
bullying para se transformar em inventores de soluções com
impacto econômico imediato. O jeito mais comum de medir esse
tipo de produção é acompanhar os pedidos de registro de
patentes no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade
Industrial), que refletem o ritmo com que ideias vindas da
bancada dos laboratórios são consideradas maduras o
suficiente para servir de base a um produto inovador.

Se a gente quisesse olhar o copo como se ele estivesse meio
cheio (o que não é o caso, em absoluto, mas faza aí um
exercício de misericórdia), seria possível encher a boca pra
dizer “Missão cumprida!”. Hoje, entre as dez líderes
nacionais de depósitos de patentes, como se diz, estão sete
instituições acadêmicas –em geral, nossas grandes
universidades públicas, como a própria USP.

O duro é o reverso da moeda, porém. Krieger classifica a
situação que acabei de descrever como “jabuticaba” –ou seja,
mais uma daquelas coisas que só existem no Brasil– porque
nenhum país desenvolvido segue esse modelo. Ele mostra a
lista das entidades que mais depositam patentes na Coreia do
Sul: só dá empresa privada (LG, Samsung, os suspeitos de
sempre). Nos EUA? Mesma coisa. As universidades americanas
–incluindo aí Harvard, Columbia, MIT, o escambau– só produzem
3,7% das patentes do país.

Em resumo, a culpa de sermos pouco inovadores é dos
cientistas? Tudo indica que não –é das empresas mesmo,
lamento informar.

A culpa é só delas? De maneira alguma. Krieger cita,
acertadamente, a extrema burocracia e a economia fechada do
país como entraves capazes de debelar quase todo surto de boa
vontade inovadora. Mesmo levando isso em conta, porém, até as
maiores empresas tupiniquins têm uma tradição perturbadora de
pensar pequeno e de comprar pacotes tecnológicos prontos.
Raras são as que têm um departamento decente de pesquisa e
desenvolvimento, apontou outro palestrante do workshop, Jorge
Almeida Guimarães, diretor-presidente da Embrapii (Empresa
Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).

Nossos megaconglomerados de “proteína animal” (carne, para
quem fala português) temem por sua reputação empresarial? Que
tal checarem os dados que acabei de apresentar e resolverem
trabalhar um pouquinho com inovação, em vez de estimular
derrubada de floresta para jogar um boi por hectare nos
escombros? No melhor dos mundos, o primeiro bife decente
produzido inteiramente em laboratório bem que poderia ser
brasileiro.

PS –O título original do texto foi “roubartilhado” (como diz
o vulgo) de uma seção do divertido blog do colega Renato
Pincelli, o “Hypercubic”, que até já virou livro, inclusive.