Cigarros lideram contrabando em SP

 Eletroeletrônicos, remédios e óculos de sol. Ao entrar no camelódromo de Campinas, localizado na região do Terminal Central, a impressão é que é possível encontrar qualquer tipo de produto, com vendedores te abordando e oferecendo as mais diversas mercadorias. Nenhuma delas, entretanto, é tão ofertada quanto o cigarro, que é o produto mais contrabandeado não só de Campinas, mas também do Estado de São Paulo e do Brasil.
De todo o contrabando no Estado, 47% é de cigarros. No município, entre as marcas mais comercializadas, a grande campeã de vendas é ilegal e vem diretamente do Paraguai. Se trata da Eight, que é produzida pela tabacalera del Este e possui percentual de mercado em Campinas de 40,5%. Do mesmo país, a San Marino também aparece bem ranqueada, na sétima posição dos mais vendidos, com percentual de 5,1%.
No Estado, a Eight é a principal marca de cigarro contrabandeado, com 5,36 bilhões de vendas, seguida pela Vila Rica, com 280 milhões de unidades e a San Marino, com 278 milhões.
Mesmo que venha contrabandeado através das fronteiras, principalmente pela divisa do Paraná com o Paraguai, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, o cigarro, assim como todos os outros produtos contrabandeados, entram com grande facilidade no Brasil, por meio da ligação com o crime organizado. Uma vez aqui, os produtos são distribuídos para os comércios das cidades, entre elas, Campinas.
O contrabando ganhou forças através da ligação entre facções criminosas e o Hezbollah, organização paramilitar libanesa, com sede em Beirute, a mais de 10.000 km do Brasil. A relação entre eles faz com que chegue ao País, além do tráfico de armas, o contrabando de produtos como eletrônicos, cigarros, roupas e combustível. Todas as mercadorias são negociadas através das fronteiras. Desta maneira, o contrabando traz a criminalidade para perto das famílias brasileiras.
O problema não é novidade e possui total conhecimento do prefeito Jonas Donizette (PSB). Como maneira de tentar batalhar contra isso, a cidade entrou no Movimento Legalidade, que é coordenado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) e possui o apoio da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), unindo desta maneira, forças com São Paulo e Recife contra o mercado ilegal.
Apesar de outros produtos entrarem de maneira ilícita no Brasil, como remédios, cosméticos e até armas, o cigarro é disparado a mercadoria mais contrabandeada para o País. Isso acontece por conta da disparidade de preço entre os cigarros legais e ilegais, que torna o mercado mais atraente para o contrabando, conforme conta o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Barros.
“Nada aconteceria se não existisse uma diferença tão grande de preço entre os produtos. Isso se resolveria com uma readequação da carga tributária. O custo com tributos representa cerca de 80% do preço do cigarro formal, e isso deixa o setor extremamente atrativo para o mercado ilegal. O Paraguai produz praticamente mais que a indústria nacional brasileira e tem um consumo interno de apenas 5% dessa produção”, disse Barros, que explicou que os outros 95% são destinados a outros países, entre eles, o Brasil.
Vício e falta de dinheiro
Ao comprar um cigarro oriundo do contrabando, boa parte da população não pensa em sua origem e, muitos menos que está colaborando com o crime organizado. Contudo, para chegar até o ato de contrabandear o cigarro, as quadrilhas precisam praticar outros crimes, como o roubo dos veículos que serão usados para carregar as mercadorias. De acordo com com estudo do Idesf de 2015, 71,51% dos veículos carregados com cigarros são provenientes de furtos e roubos.
Um cigarro ilegal tem valor entre R$ 3,00 e R$ 3,50, enquanto um cigarro regularizado nacional, custa cerca de R$ 5,00. A diferença de preço foi apontada por um consumidor, que não quis se identificar, como um dos motivos para fazer a compra. O homem revelou saber que faz uso de produtos contrabandeados, mas afirmou que por conta da sua condição financeira, não compra de marcas legalizadas.
“Sei que é ilegal, mas compro por conta da minha condição financeira. O produto é pior, mas é o que eu tenho dinheiro para comprar. Na medida do possível, melhorando a situação, é claro que vou fugir disso”, afirmou. Segundo ele, o vício fala mais alto para que haja o consumo. “O cigarro perde a qualidade, porque o do Paraguai tem várias outras químicas, então se o legalizado já faz mal para a saúde, imagina esse outro?”.
“Sei que estou prejudicando e colaborando com o crime, mas a dependência, nos leva a isso, infelizmente. Se eu tivesse a oportunidade de comprar um não contrabandeado, com valor mais acessível, eu compraria, mas falta dinheiro e o acesso para essas mercadorias ilegais é muito fácil, ainda mais quando você compra mais de uma vez no mesmo lugar, e acaba se tornando um cliente fiel, paga mais barato do que os outros”, concluiu.
Segundo pesquisa feita na Universidade Federal de Ponta Grossa sobre a qualidade dos cigarros contrabandeados, o produto de 65% dessas marcas possuem elevadas concentrações de elementos tóxicos, com valores até onze vezes superiores para cromo (Cr), níquel (Ni), cádmio (Cd) e chumbo (Pb), se comparados aos cigarros legalizados no Brasil. Foi observado também que 46,6% das marcas apresentam o dobro da concentração média de arsênio (As).
Nos testes de sujidades, 81,2% das marcas mostraram algum tipo de contaminante dos tipos fungos, fragmentos de insetos, gramíneas ou ácaros, acima do indicado como boas práticas de higiene pela Anvisa. Essas características são fundamentais para apontar contaminação por elementos tóxicos, através de práticas inadequadas de higiene. Os estudos mostraram que consumir esse tipo de cigarro, que entra sem nenhum controle de qualidade, pode potencializar os riscos de saúde para quem consome.
Fonte: Correio