Compensação por infração de patente: a pendência do pedido no INPI

OPINIÃO | Por Eduardo Riess e Rafael Salomão Romano


Embora alguns precedentes de Cortes superiores tenham sugerido, recentemente, que é possível exercer pretensão inibitória fincada em mero pedido de patente (id eest enquanto o título ainda não tiver sido concedido pelo INPI) [1], essa não é a posição da jurisprudência majoritária. De fato, os titulares gozam de maior segurança jurídica para exercer os seus direitos proprietários somente após o ato de concessão, de modo que ações cominatórias e compensatórias soem ser ajuizadas apenas depois da expedição da carta-patente.

É ainda sabido por todos que o INPI padece de crônico backlog, demorando em média um pouco mais de oito anos para o deferimento de um pedido de patente [2]. Assim, durante esse longo lapso de tempo, a atuação dos depositantes no combate à contrafação é deveras limitada, até que haja, enfim, a concessão do título. Contribuindo para suavizar um pouco essa grave situação, o artigo 44, caput, da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96 — LPI) ao menos garante aos titulares o direito de obter compensação por atos ilícitos praticados desde a data da publicação do pedido, de modo retroativo.

Por outro lado, a mesma LPI estabelece um prazo prescricional específico para o exercício do direito de ação visando tal reparação aos danos causados a direitos de propriedade industrial, a saber, cinco anos (artigo 225); quinquênio este que, por interpretação extensiva, é aplicável para fins de prescrição extintiva às referidas pretensões de perdas e danos ocasionados ao titular da invenção.

Nesse contexto, surge então uma questão, atinente à compatibilização entre os artigos 44, caput, e 225 da LPI, acerca dos impactos que a prescrição extintiva exerceria sobre a pretensão do titular de patente infringida cujos danos foram ocasionados anteriormente 1) à sua concessão e 2) ao quinquênio estabelecido pelo artigo 225.

Afinal, no caso de uma patente concedida após mais de dez anos de tramitação do pedido no INPI, por exemplo, poderia o titular reaver perdas e danos pela exploração indevida ocorrida anteriormente ao quinquênio que antecede a concessão? Se o titular não poderia agir naquele momento, pois gozava somente de expectativa de direito no entender da jurisprudência majoritária, seria razoável excluir das perdas e danos o período excedente aos cinco anos do prazo prescricional? E no tocante aos danos continuados, deveria o período compensatório restringir-se aos cinco anos antecedentes à propositura da demanda ou balizar-se nos termos do artigo 44, caput, do mesmo diploma?

Os direitos de patente conferidos pela LPI
A patente é um direito de propriedade, considerada bem móvel para efeitos legais (artigo 5º da LPI), que, uma vez concedida, assegura ao titular o direito temporário de excluir terceiros da exploração de seu objeto (artigo 42 da LPI). Adicionalmente, também é assegurado ao titular a possibilidade de reaver perdas e danos por atos de infração cometidos por terceiros, inclusive em relação à exploração indevida ocorrida entre a publicação do pedido e a respectiva concessão, nos termos do artigo 44, caput, da LPI.

No entanto, como o direito proprietário somente é plenamente adquirido a partir da expedição da carta-patente, extrai-se que, a despeito da legislação salvaguardar ao detentor do pedido de patente a prospectiva possibilidade de compensação por perdas e danos de forma retroativa, o direito jurisdicional do titular à prestação compensatória resta condicionado a evento futuro e incerto — o exame e concessão pelo INPI.

Em decorrência disso, ainda que sofra prejuízos decorrentes de atos de reprodução não autorizados de sua invenção, o detentor do pedido de patente se encontra em situação peculiar. Afinal, a jurisprudência majoritária entende que ele goza somente de expectativa de direito, de modo que são limitadas as suas chances de ver acolhido o pleito por tutelas cominatórias/compensatórias [3].

E, para piorar, se por um lado, os danos ocasionados aos direitos patentários prescrevem em cinco anos, por interpretação extensiva ao artigo 225 da LPI, por outro, o INPI ainda leva atualmente quase uma década para conceder uma patente, a despeito de todos os recentes esforços envidados pela autarquia para combater o já mencionado backlog [4]. Ou seja, trata-se de período superior ao quinquênio prescricional.

Dessa forma, a depender 1) do início da conduta violadora e 2) da mora administrativa para a concessão do título, uma hermenêutica descuidada, adstrita ao enunciado do artigo 225, poderia levar ao entendimento de que o proprietário da patente — recém-concedida e preteritamente infringida — estaria impossibilitado, mesmo ao ajuizar sua demanda compensatória nos cinco primeiros anos contados da data de concessão, de alcançar danos anteriores ao quinquênio que antecede o respectivo ajuizamento, o que, a bem dizer, representaria uma limitação à faculdade de “obter indenização (…) inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente”, tal como previsto no artigo 44, caput, da mesma LPI.

Porém, conforme será tratado a seguir, existem formas de compatibilizar ambos os dispositivos, na medida em que se adote uma hermenêutica que leve em consideração não apenas as causas que influem sobre o prazo prescricional, mas também a realidade concreta do caso em tela.

Uma proposta
A prescrição está relacionada ao poder de exigibilidade de um direito subjetivo, que, vinculada “aos efeitos do transcurso do tempo sobre determinadas situações jurídicas” [5], possui por objetivo precípuo alcançar a paz social, por meio da supressão da pretensão daquele que se quedar inerte. No dizer do Código Civil que acaba de completar 20 anos, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (artigo 189).

A pretensão não deve ser confundida, portanto, com o direito do titular de acionar a jurisdição [6]: havendo lesão ou ameaça de lesão a direito, é possível socorrer-se junto ao Judiciário. No caso da Propriedade Industrial, o prazo é de cinco anos para o ajuizamento da ação compensatória (artigo 225 da LPI). Porém, estaria a pretensão do titular de patente — de ver compensados os danos — limitada à prescrição quinquenal se a demora do INPI em conceder a patente exceder esse tempo? Para tal resposta, propõe-se a seguir uma breve reflexão acerca do instituto da prescrição e, em especial, suas causas obstativas.

Isto, pois, não obstante o surgimento da pretensão por ocasião do ato ilícito, existem certas situações fáticas objetivas que obstaculizam seu exercício por parte do titular, configurando-se, a depender do momento de sua ocorrência, como causas obstativas no tocante ao início (causas impeditivas) ou prosseguimento (causas suspensivas) do prazo prescricional. Dentre essas causas, o artigo 199, incisos I e II, do Código Civil destaca que não corre a prescrição “pendendo condição suspensiva” ou “não estando vencido o prazo”.

Observa-se que essas duas hipóteses tratam de situações em que o direito atingido não se encontra exigível, tal como seria o caso particular de pedido de patente ainda não concedido. Embora o artigo 44, caput, da LPI assegure certa guarida jurídica ao pedido, via de regra somente é possível ao titular prejudicado exercer sua pretensão à tutela compensatória após a expedição da carta-patente por parte do INPI.

Logo, pode-se dizer que a pendência de concessão do título patentário afigura-se como espécie de causa impeditiva sobre o exercício dos direitos do titular, de modo que não há que se falar em início de prazo prescricional enquanto durar o trâmite administrativo do respectivo pedido junto à autarquia. 

Nesse sentido, tal como destacado por Ivan B. Ahlert e Eduardo G. Camara Junior, se por um lado, é quinquenal o prazo para reivindicar perdas e danos causados a direitos de propriedade industrial (cuja abrangência englobará os cinco anos anteriores ao ajuizamento da demanda), por outro, nos casos em que a ação compensatória for ajuizada dentro do período de cinco anos contados da data de sua concessão, o lapso temporal retroativo para fins de cálculo poderá ultrapassar o quinquênio previsto no artigo 225 da LPI, alcançando o período desde a data de publicação do pedido — em observância ao que dispõe o artigo 44, caput, da dita lei [7].

No entanto, de forma ousada, é possível ir ainda além para os casos de dano continuado, nos quais a infração se renova a cada dia, propondo-se uma aplicação irrestrita do artigo 44. Assim se diz, pois, se pelo princípio da actio nata o prazo prescricional se inicia somente quando o titular toma ciência da conduta infratora, a retroação compensatória poderá albergar todo o período de infração, ainda que tal ciência ocorra, por exemplo, no último dia de vigência da patente.

Desse modo, se o artigo 44, caput, da LPI teria um efeito inibidor sobre atos ilícitos durante a pendência de pedidos de patente, como foi recentemente defendido pelas cortes superiores, a forma de se assegurar esse efeito inibidor seria justamente não constranger o exercício de recuperação de perdas e danos pelo titular ao prazo quinquenal do artigo 225 da LPI, que deveria ficar restrito à decadência de seu direito de ajuizar a respectiva ação compensatória.


[1] “O autor do invento possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo referente ao requerimento depositado, além de indenização por exploração indevida de seu objeto, a partir da data de publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida)” (STJ, REsp nº 1.721.711/RJ, Terceira Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, j. em 17.04.2018); “o §1º do artigo 44 reforça proteção fixada no caput, estabelecendo que ela deve ser contabilizada a partir da data em que se iniciou a exploração (…) Desse modo, reconhecem-se direitos de propriedade industrial desde a publicação do pedido” (STF, ADI nº 5.529/DF, Plenário, relatora ministra Dias Toffoli, j. em 12.05.2021. Excerto do voto-relator, p. 59).

[2] Dados mais recentes do anuário de 2021 do INPI apontam que o tempo médio de decisão da autarquia, contado a partir da data de depósito do pedido de patente, gira em torno de 8.1 anos.

[3] AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO EMPRESARIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA NA ORIGEM. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 300, CPC. REQUISITOS PREENCHIDOS. Requeridos, ora agravantes, que enviaram notificações extrajudiciais aos parceiros, clientes e revendedores da autora, com o fim de obstar o uso e comercialização de “Totem com dispensador mecânico para álcool em gel”, ao fundamento de que fariam jus à proteção conferida pela Lei 9.279/96, ante o pedido de registro de patente perante o INPI. Impossibilidade. MERO PEDIDO DE REGISTRO QUE NÃO GARANTE O DIREITO DE PROPRIEDADE AO INTERESSADO, nem legitima a interferência na atuação comercial da autora. (…). Agravo desprovido. (TJSP AI nº 2160312-18.2020.8.26.0000 — Relator: desembargador Pereira Calças, 1ª Câmara reservada de Direito Empresarial, j. 15.09.2020).

[4] Em agosto de 2019, a Diretoria de Patentes do INPI (Dirpa) iniciou o Projeto de Combate ao Backlog visando à redução substantiva do número de pedidos de patente de invenção com exame requerido e pendentes de decisão, em um período de dois anos. Disponível em: <https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/plano-de-combate-ao-backlog-1>. Acesso em 20.01.2022.

[5] TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito civil, vol. 1. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2020. p. 375.

[6] “Descumprido um dever jurídico, duas consequências se produzem: a) o nascimento da responsabilidade; e b) o surgimento de um poder de exigir a prestação. A essa segunda consequência, a literatura alemã designou por ‘pretensão’ (‘Anspruch’). Ela não se confunde com o direito à prestação (direito subjetivo), tampouco com o direito à jurisdição (ação) (…) é de se considerar que, em princípio, as pretensões não estão sujeitas à condição, salvo quando a própria lei a tutela de modo específico, ou mesmo pela natureza do ato, como ocorre com as pretensões regressivas condicionadas” (FONTES, André R. Cruz. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2002. p. 09-30).

[7] AHLERT, Ivan B.; JUNIOR, Eduardo G. C. Patentes: proteção na lei de propriedade industrial. São Paulo: Ed. Atlas, 2019. p. 81.


Fonte: ConJur