Democratas acusam Trump de violar Constituição por renovação de marcas na Rússia

O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de entrevista à imprensa na Casa Branca, em Washington
Yuri Gripas/ Reuters
  • O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de entrevista à imprensa na Casa Branca, em Washington

Em meio a uma investigação que vem se ampliando sobre contatos de associados seus com os russos e sobre seu próprio papel na tentativa de impedi-la, o presidente Donald Trump disparou mais um tuíte raivoso nesta última semana, reafirmando que ele não tem interesses empresariais na Rússia.

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Em meio a uma investigação que vem se ampliando sobre contatos de associados seus com os russos e sobre seu próprio papel na tentativa de impedi-la, o presidente Donald Trump disparou mais um tuíte raivoso nesta última semana, reafirmando que ele não tem interesses empresariais na Rússia.

Mas, embora não exista uma Trump Tower embelezando o horizonte de Moscou, as autoridades russas se certificaram recentemente de que uma outra valiosa propriedade —do tipo intelectual— contendo o mesmo nome permanecesse segura no portfólio de Trump.

No ano passado, enquanto hackeava os e-mails de democratas e se empenhava em sabotar a eleição presidencial americana, o governo russo também concedeu prorrogações para seis marcas registradas de Trump que estavam prestes a expirar. As marcas registradas de Trump, obtidas originalmente entre 1996 e 2007, para hotéis e acordos envolvendo sua marca que nunca se materializaram, tinham contratos que terminariam em 2016.

Apesar de sua inatividade, as Organizações Trump pediram prorrogações para as marcas à Rospatent, a agência governamental russa encarregada da propriedade intelectual. Em uma série de aprovações iniciadas em abril de 2016 e concluídas em dezembro, a Rospatent concedeu novos contratos de 10 anos para as marcas, como mostram registros da agência.

Quatro das aprovações foram registradas oficialmente em 8 de novembro, dia das eleições nos Estados Unidos.

Sob circunstâncias normais, renovar marcas registradas na Rússia geralmente é uma questão rotineira, e não há nada que sugira, dos poucos registros públicos disponíveis, que Trump tenha se beneficiado de favoritismo. No entanto, prorrogações não são garantidas e podem estar sujeitas a questionamentos, especialmente se as marcas registradas ficaram sem uso por anos, como foi o caso, de acordo com entrevistas com alguns advogados especializados em direito de propriedade intelectual.

E existe a variável sem precedentes do solicitante, Trump, um candidato à presidência dos Estados Unidos, em busca de aprovações de uma potência estrangeira que, como concluíram agências de inteligência americanas, havia tentado virar a campanha a seu favor. Assim como com outras agências federais na Rússia, qualquer decisão sensível da Rospatent—cujo diretor foi escolhido a dedo pelo presidente Vladimir Putin para um cargo anterior como vice-ministro da Cultura—deve supostamente se alinhar com as visões de Putin.

Para além das questões sobre as aprovações do governo da Rússia, as renovações de marcas registradas lançam dúvidas sobre a insistência de Trump de que ele não teria interesses empresariais na Rússia. Trump fez as afirmações em resposta a investigações sobre um possível conluio entre seus associados e a Rússia durante e após as eleições.

Em janeiro, ele escreveu no Twitter: “NÃO TENHO NADA A VER COM A RÚSSIA—NENHUM ACORDO, NENHUM EMPRÉSTIMO, NADA!” Ele contou à NBC News em maio que não tinha “nenhum investimento na Rússia, nada de nada”. E, na última quinta-feira, ele expressou sua frustração a respeito das investigações sobre seus “não-acordos” na Rússia.

Embora Trump não tenha conseguido abrir hotéis na Rússia, apesar de tentativas ao longo dos anos, e tenha declarado que não possui negócios ativos ali, suas holdings de propriedade intelectual são um interesse comercial valioso. A prorrogação de marcas registradas como “Trump International Hotel and Tower” protege sua marca nesse país e preserva as condições para possíveis acordos de negócios.

“Marcas registradas têm um valor inerente per se, por permitirem que você impeça os outros de usarem a marca ao proibir registros concorrentes ou usos infringentes”, disse Annsley Merelle Ward, uma especialista em direito de propriedade intelectual do escritório de advocacia Bristows, em Londres.

Além de seis marcas registradas que foram renovadas, as Organizações Trump têm duas marcas registradas russas que devem expirar no ano que vem. O fato de que Trump havia obtido marcas registradas na Rússia décadas atrás para projetos malsucedidos havia sido noticiado anteriormente; a existência das prorrogações do ano passado foi descoberta pelo “The New York Times” durante uma busca recente nos registros da Rospatent.

Um porta-voz da Rospatent concordou inicialmente em aceitar perguntas, mas depois não as respondeu. Hope Hicks, uma porta-voz da Casa Branca, encaminhou as perguntas para as Organizações Trump.

Alan Garten, o consultor jurídico-chefe das Organizações Trump, disse que as renovações haviam sido feitas “para evitar que terceiros infringissem os direitos de propriedade da empresa”. Ele acrescentou que as marcas registradas de Trump não haviam sido formalmente contestadas, apesar de sua inatividade, e que não havia planos para usá-las no futuro.

“A empresa não procurará novas oportunidades de negócios na Rússia”, disse Garten.

Usadas ou não, as marcas registradas são muito importantes, algo que Garten havia abordado anteriormente ao defender a marca Trump em outro lugar. Em um depoimento de 2015 relacionado a um litígio por infração nos Estados Unidos, ele atestou que as marcas registradas de Trump em geral eram “um de seus bens mais valiosos”.

“Nós levamos a proteção e a execução da marca de meu cliente muito a sério”, disse Garten. “Investimos muito dinheiro em sua criação. É a marca dele”.

O tema das marcas registradas de Trump no exterior foi ficando cada vez mais tenso desde que ele venceu a eleição para presidente, uma vez que sua empresa, hoje conduzida por seus dois filhos adultos, continuou fazendo negócios pelo mundo. Uma revisão de bancos de dados de propriedade intelectual feita em abril pelo “Times” revelou que as Organizações Trump tinham 157 pedidos pendentes de marcas registradas em 36 países.

Um anúncio feito pela China em fevereiro de que ela havia aprovado registros de marcas há muito tempo solicitados pelos Trumps disparou alarmes entre especialistas em ética e democratas do Congresso, embora a ação parecesse ter sido o passo final em uma decisão tomada antes que Trump se tornasse presidente. Autoridades peruanas aprovaram as marcas registradas de Trump no final de dezembro, pouco antes de o presidente do Peru se encontrar com Trump em fevereiro.

Na quarta-feira, quase 200 membros democratas do Congresso protocolaram uma ação federal afirmando que as atividades empresariais de Trump—incluindo seus direitos de propriedade intelectual no exterior—violavam a Constituição, que proíbe que presidentes aceitem presentes de potências estrangeiras.

Trump solicitou uma marca registrada na Rússia pela primeira vez para a “Trump Tower”, em 1996, durante uma de suas primeiras sondagens para um possível projeto imobiliário em Moscou. Dez anos depois, enquanto trabalhava com o Grupo Bayrock em vários hotéis nos Estados Unidos, ele obteve quatro outras marcas registradas na Rússia para serem usadas em conexão com os hotéis. O Bayrock—cujos mais altos executivos incluíam Tevfik Arif, que trabalhou no Ministério do Comércio na era soviética e é originalmente do Cazaquistão, e Felix Sater, um exilado russo e criminoso—sondava possíveis acordos na Rússia para Trump, mas nenhum deu certo.

Em 2007, enquanto vendia sua marca de vodca na Rússia e em outros lugares, Trump obteve uma marca registrada para esse fim, embora o produto tenha sido descontinuado após vários anos. Por fim, em 2008, Trump solicitou marcas registradas para um brasão e o nome “Trump Home”, a ser usado com uma extensa lista de móveis e produtos para casa.

Desde então, as marcas de Trump permaneceram registradas, mas não foram usadas. Se não houvesse contestações para um pedido de renovação, normalmente a aprovação pela Rospatent não seria um problema, disse Peter Sloane, um advogado especializado em marcas registradas juntamente com Leason Ellis em White Plains, Nova York.

“Não estou ciente de nenhuma razão pela qual uma renovação poderia ser negada caso as formalidades necessárias, tais como entrar com nova procuração, sejam cumpridas”, ele disse.

Os registros da Rospatent mostram que no ano passado as Organizações Trump arrumaram um novo representante de propriedade intelectual em Moscou para lidar com seus registros de marcas e desde então transferiu a propriedade de Trump para uma sociedade anônima, a DTTM Operations, controlada por ele. A DTTM é uma holding incorporada em Delaware.

Além das oito marcas registradas de propriedade da DTTM, existe uma outra marca registrada “Trump”, sem relação com Trump, que é reconhecida pela Rospatent, em virtude da adesão da Rússia a tratados internacionais que governam direitos de propriedade intelectual. Essa marca registrada, pedida por uma empresa na Alemanha, é uma marca de detergente.

Fonte:Jornal Floripa