Direito autoral é direito humano

Depois de quase quatro anos de angustiantes tratativas e mor expectativa, ainda estamos sob o impacto emocional dessa conquista histórica: os criadores fomos autorizados pelo Ministério da Cultura a cobrar, distribuir e pagar direitos autorais a cineastas, roteiristas e intérpretes pelas suas obras que tenham comunicação pública em qualquer plataforma digital ou não. Recursos que vão robustecer a formidável cadeia produtiva e exibidora da arte e do entretenimento do país. Um todo virtuoso que passa a se irrigar holisticamente a partir de agora!

Assim, o Brasil se ombreia ao patamar civilizatório que vige sobretudo na Grã-Bretanha/Europa/Leste, América Latina, Canadá, Oriente e Ásia/Pacífico, onde direito autoral é tanto prevalência moral e financeira do criador quanto mercado no seu mais lídimo sentido, pois se trata de dinheiro privado.

Somos mais de três mil e viemos para dar alento inédito ao audiovisual brasileiro, que jamais conviveu com uma conjugação moral e pecuniária tão alvissareira, o que nos remete em simetria aos músicos, inestimáveis parceiros no audiovisual. A destacar que os músicos navegam nessa conquista há décadas, e hoje são mais de 250 mil autores remunerados, pois o direito adquirido de cobrar por suas criações já pertence ao inconsciente coletivo nacional.

Direito autoral — cuja origem remonta aos iluministas, consagrado na Convenção de Berna (1886), da qual o Brasil é signatário, e consta da Declaração dos Direitos do Homem da ONU (1948) — pertence ao criador, é parte do seu DNA intelectual. Como se fora uma segunda pele, daí ser irrenunciável por definição. Ou como diz o jurista chileno Santiago Schuster: direitos autorais são direitos humanos!

Por isso, a Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual (DBCA), a Gestão de Direitos de Autores Roteiristas (Gedar) e a Associação de Gestão Coletiva de Artistas e Intérpretes do Audiovisual do Brasil (Inter Artis Brasil) — associações nucleadas em torno da Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (Cisac), ente privado francês, criado em 1926 congregando quatro milhões de autores de 121 países dos cinco continentes — não só defendem como blindam essa prevalência humanitária com unhas e dentes. Direito autoral é o salário do criador, dele depende sua dignidade pessoal e profissional!

Em termos de arrecadação, o Brasil é o maior mercado na América Latina e Caribe, segundo relatório da Cisac deste ano. Com aumento de 38,9% em 2017, é o segundo país com mais rápido crescimento na região. Devido à falta de sociedades autorizadas a funcionar nesse setor, diretores e roteiristas nunca receberam seus respectivos direitos.

Agora habilitados a cobrar e distribuí-los no Brasil e no exterior, há informações de que uma fortuna em euros, dólares e pesos aguarda resgate. Será monumental o impacto financeiro desse montante, ora represado em quase 200 países, que veiculam nossa soberba produção de filmes, telenovelas, documentários e animação. E respeitam o direito autoral!

Algo só comparável ao que aconteceu em nações da Comunidade Europeia e América Latina, onde essa modernidade institucional incrementou a indústria cinematográfica e televisiva em até 70%, como na Itália. O repatriamento (chamemos assim) desses recursos pertencentes aos titulares brasileiros agora já é realidade. Um inaudito capital privado fruto da atividade audiovisual, cuja capilaridade financeira será usufruída por todo o parque industrial e comercial da arte e do entretenimento nacionais. É show!

Sylvio Back é cineasta e presidente da Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual