Europa aprova norma que ameaça memes e internet como conhecemos

Pedro de Abreu Monteiro Campos

Há 2 meses, o JOTA já destacava que uma discussão traçada no Parlamento Europeu poderia mudar a internet para sempre.1 No dia 12 de setembro de 2018, a famigerada Diretiva Copyright foi aprovada pela União Europeia por 438 favoráveis versus 226 contrários e 39 abstenções. Agora, a Diretiva será discutida na Comissão Europeia e nos 28 países que formam o bloco.

A iniciativa não é de todo mal. Ela surgiu com o intuito de atualizar as antiquadas legislações de Direitos Autorais que não são capazes de lidar com os problemas causados pela Era da Internet. A grande preocupação, contudo, é com os artigos 11 e 13, que, ao contrário do que muitos pensam, em tese, não conferem mais direitos aos autores. Na realidade, eles apenas reforçam as possibilidades de fiscalização.

O artigo 13 é o que vem causando mais alvoroço, por um motivo que o brasileiro entende bem: ele ameaça os tão amados memes. Com a mudança legislativa, as plataformas online, como o Facebook e o Twitter, poderão ser responsabilizados e punidas por infrações cometidas por seus usuários. Com isso, o ônus de fiscalizar o conteúdo postado recai sobre as próprias plataformas.

Na prática, isso quer dizer o seguinte. Hoje, se um usuário do Facebook publica um meme que infringe direitos autorais, apenas o usuário é responsável. Com a diretiva, caso o mesmo meme seja publicado pelo mesmo usuário, não só o usuário é responsável, mas também o próprio Facebook poderá ter que indenizar o autor.

Com isso, haverá um grande incentivo para que as redes sociais desenvolvam e apliquem filtros que “censurem” os conteúdos publicados pelos seus usuários. Então, na prática, o Facebook e outras plataformas não permitirão que seus usuários compartilhem memes. Ou seja, conforme foi destacado anteriormente pelo JOTA, a grande arma da Diretiva é forçar as empresas de tecnologia a modificar a infraestrutura de seus sistemas de modo a regular mais eficientemente a Propriedade Intelectual.

É importante notar que, em tese, o artigo 13 não confere mais direitos aos autores – ele apenas permite com que eles tenham um controle mais eficaz de suas criações. Nesse sentido, as críticas voltadas à diretiva parecem o tratamento de um sintoma e não da doença.

É incontroverso que, pela legislação vigente, não se pode reproduzir imagens protegidas por Direitos Autorais sem a devida autorização. Isso inclui memes. Se nós, como sociedade, entendemos que os autores não deveriam ter esse poder, é preciso repensar todo o sistema de Direitos de Propriedade Intelectual, não apenas a Diretiva. A revolta contra a Diretiva, mas não contra o sistema em si, é lutar para não ser pego infringindo e não lutar para que uma prática socialmente aceita deixe de ser uma infração.

Na prática, contudo, é necessário fazer uma consideração. O artigo 13 não prevê tolerância às práticas de “fair use”, aquelas que permitem a produção de sátiras, o uso de pequenos trechos, entre outras práticas comuns e legalmente viáveis. Não se sabe bem como essa questão será resolvida pelas empresas de tecnologias. Considerando que elas serão financeiramente responsáveis pelas infrações de seus usuários, os incentivos são feitos para que não haja qualquer tolerância – nem mesmo para pequenos trechos. Isso, por si só, mudará uma característica essencial da internet: a livre circulação de ideias e pensamentos.

Ainda assim, há outras críticas ao artigo 13. Enquanto empresas gigantes, como o Facebook, possuem dinheiro e capacidade técnica para desenvolver sistemas capazes de filtrar automaticamente o conteúdo das postagens de seus usuários, empresas menores, que estão entrando no mercado, podem não ter a mesma capacidade. Com isso, cria-se uma nova barreira de entrada no mercado da internet e das redes sociais, prejudicando a livre concorrência. Há também quem tema a influência de governos autoritários e grandes empresas no conteúdo que passará a ser circulado na rede.2

Apesar de ter causado menos barulho, o artigo 11 da Diretiva também está sofrendo graves críticas. De acordo com o novo dispositivo, as plataformas digitais terão que pagar uma licença toda vez que um usuário postar um link direto para um canal de notícias e citar trechos dos textos originais. Em tese, essa é uma forma de balancear as relações entre os sites de notícias e as redes sociais.

Com isso, foi criada, mais uma vez, outra barreira de entrada no mercado das redes sociais. É evidente que empresas como Facebook e Twitter terão como pagar por tais licenças. Contudo, novos players poderão ter dificuldades em entrar no mercado com mais esse custo.

Há, no entanto, o outro lado da moeda. Aqueles que defendem o artigo 11 dizem que essa é uma maneira de tornar os sites de notícias menos dependentes das grandes empresas de tecnologia. Nesse sentido, é uma forma de garantir a manutenção de uma imprensa livre de interesses corporativos.

Mais uma vez, parece que a discussão recai sobre o sintoma e não sobre a doença. Sempre foi devido o pagamento de licenças por compartilhar textos inteiros protegidos por Direitos Autorais. A Diretiva não criou esse direito, apenas tornou ele mais eficaz. A questão, é que essa prática se tornou inadequada socialmente. A sociedade não reconhece esse direito como justo e, mesmo os portais de notícias, tendem a preferir o livre compartilhamento de seus conteúdos nas redes sociais, de modo que atinjam mais leitores e o atraiam para modelos Premium.

O sentimento de injustiça em relação a Direitos Autorais, ilustrado pela ascensão dos “Partidos Piratas” que vem se espalhando pelo mundo3, não é fruto desta Diretiva. A Diretiva é apenas um sintoma de uma doença muito mais grave: a falência e desatualização das leis de Direitos Autorais.

A Diretiva é apenas uma ferramenta que fortalece as proteções já asseguradas pela lei vigente. Compartilhar um meme que contém imagens protegidas por Direitos Autorais sem a devida autorização e fora das hipóteses de “fair use” sempre foi e continua sendo uma infração. Se esses direitos são incompatíveis com a opinião da sociedade, é preciso repensar o sistema em si, os direitos em si e não as formas de protegê-los.

Fonte Jota.info | Texto por Pedro de Abreu Monteiro Compus | Clipping LDSOFT