Ex-aluna de Harvard, professora transforma escola pública em centro de inovação

Ex-aluna de Harvard, professora transforma escola pública em centro de inovação

Por Iara Biderman

SÃO PAULO – Uma escola pública do ensino médio no interior do estado de São Paulo já entrou para a história da inovação brasileira.

Em 14 anos, as pesquisas da Etec Professor Carmelino Corrêa Jr., em Franca, renderam 15 patentes internacionais, de pele humana e gengiva artificiais a cimento ósseo.

A responsável por transformar turmas de adolescentes em pesquisadores ávidos é a química e professora Joana D’Arc Félix de Souza, 48.

Filha de mãe empregada doméstica e pai curtumeiro (profissional que trabalha no tratamento do couro), Joana percorreu um longo caminho até a universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde deu início a um pós-doutorado nos anos 1990.

Antes de chegar lá, sofreu discriminação social (as salas no ensino médio eram divididas por renda; na A ficavam os mais ricos, ela ficou na F) e racial (era chamada de “a negrinha do curtume”) e passou fome para conseguir se formar em química na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

O esforço foi recompensado com um convite para continuar seus estudos em solo americano, onde acreditava que iria construir sua carreira de pesquisadora.

Mas uma tragédia familiar a obrigou a voltar à terra natal —irmã e pai morreram de parada cardíaca num intervalo de dois meses.

Prestou concurso para professora do curso técnico em curtimento do colégio agrícola depois de tentar, sem sucesso, um emprego nas empresas de curtume da região.

Desapontada com o rumo da carreira, ligou para o seu orientador em Harvard para chorar as mágoas. “Fiquei uns 15 minutos me lamentando, achei que ele ia ficar do meu lado, me chamar de coitadinha.”

Não esperava a resposta recebida: “Joana, tira a bunda da cadeira, para de chorar e vai trabalhar. Constrói um laboratório, pega esses alunos e faça como se estivesse em Harvard, sem baixar o nível da pesquisa”, lembra.

Feito. Joana conseguiu verba na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), montou um laboratório para reaproveitamento de resíduos do setor coureiro calçadista e pediu as primeiras bolsas de iniciação científica para os estudantes.

Selecionou sete bolsistas entre os alunos que viviam em situação de maior vulnerabilidade social.

As pesquisas surgem de problemas trazidos pelos estudantes. A ideia da gengiva artificial veio quando um parente de uma aluna perdeu parte da boca em um acidente de trânsito.

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A pele humana artificial foi criada após professora e alunos verem um funcionário do curtume de Franca, onde são realizadas as aulas práticas do curso, derrubar um balde de ácido sulfúrico e sofrer queimaduras em 95% do corpo.

“Existem tecnologias nos Estados Unidos e na Europa para criar a pele artificial, mas são muito caras. Desenvolvi uma pele a partir do couro do porco”, diz.

Todos os produtos criados no laboratório têm como base resíduos industriais, a maior parte do setor calçadista, principal atividade de Franca. “A cidade gera, por dia, 218 toneladas de lixo industrial”, diz.

Foi a partir desses resíduos que Joana desenvolveu também, junto dos seus alunos, um colágeno para o tratamento de osteoporose e osteoartrite, um cimento especial feito com o lodo descartado pelos curtumes e até um sistema de filtragem de água usando escamas de peixes.

Tudo devidamente patenteado. “Como a aprovação de uma patente, no Brasil, demora quase uma década, a gente parte para a internacional, que sai em dois anos e meio, no máximo”, afirma.

Além das patentes, seus trabalhos já lhe renderam mais de 50 premiações e convites para palestras em instituições como as universidades de Ohio (EUA) e do Porto (Portugal).

Em dezembro, Joana vai participar de um congresso da Organização Mundial da Propriedade Intelectual na sede da ONU, em Genebra.

Fonte Folha de São Paulo | Texto por Iara Biderman | Clipping por LDSOFT