“Ideias inovadoras precisam de sorte”, diz CTO da Tesla

As lições de inovação da empresa de carros elétricos que está revolucionando o mercado automobilístico global

Tesla, considerada hoje a empresa mais inovadora do mundo, provavelmente não existiria se tivesse sido fundada três anos antes ou depois de 2003, data oficial de seu lançamento. Em 2000, a tecnologia para desenvolver carros elétricos ainda não existia, portanto o produto não estaria maduro. Em 2006, provavelmente, a empresa teria dificuldade para acompanhar as inovações do setor e precisaria de muito capital para ser aberta. A Tesla teve sorte – e aproveitou as oportunidades. A constatação é de JB Straubel, diretor de tecnologia (CTO) da Tesla Motors. “Hoje, dá para pensarmos estrategicamente olhando para trás e dizer: calculamos bem o momento. Mas para qualquer startup, uma ideia inovadora precisa de sorte”, disse Straubel em teleconferência no HSM Expo, em São Paulo.

Com valor de mercado de US$ 50 bilhões atuando apenas em 0,1% da indústria automotiva, a Tesla já vale mais que a centenária Ford. Seu desafio atual é tornar acessível a todo o mercado a tecnologia desenvolvida para carros elétricos, além de fornecer o produto em larga escala – e não apenas sob demanda como acontece atualmente. A luta também inclui desafios regulatórios, a segurança dos carros autônomos e até a construção de estações de recarga para os veículos. E, claro, mantendo a inovação pela qual a Tesla ficou conhecida e que atraiu “clientes-fãs” (Steven Spielberg, Leonardo Di Caprio, Tom Hanks, Mark Ruffalo, Cameron Diaz, entre tantos outros). “Eles exigem sempre mais”, diz Straubel.

Durante a teleconferência, o executivo citou o que a Tesla faz para manter a cultura de inovação e dar conta de todos os desafios que tem pela frente.

Pensar que tudo é produto. Straubel defende que é preciso utilizar a mentalidade de inovação em produtos para todos os processos da empresa. “Aqui, nossos engenheiros que projetam carros e baterias são também os mesmos que projetam a fábrica. Na prática, a fábrica foi tratada como produto. E todos nos juntamos para pensar em como fazer as coisas de uma forma mais barata”. Ou seja: nada de criar silos, centros de inovação no Vale do Silício ou unidades para  “criação em separado”. “A inovação precisa toda vir da matriz, do centro da empresa, para as outras áreas”.

Contratar gente não apenas pela experiência técnica. O executivo afirma que é difícil encontrar quem tem capacidade de inovação hoje, uma habilidade que define ser muito menos técnica e mais pessoal. “Criatividade e curiosidade são inerentes à pessoa, que tem uma paixão por solucionar problemas. É claro que formação é importante, mas a gente procura, principalmente, pessoas que tenham essa criatividade no DNA para conseguir resolver problemas”.

Enxergar o que as grandes empresas não conseguem fazer. Straubel defende que a grande força das startups está justamente em correr riscos e buscar novos mercados que as grandes empresas não dão conta. “As grandes companhias têm uma marca estabelecida e carteira de produtos famosos que lhes gera receita e lucro. Porque uma companhia dessas vai canibalizar seus próprios produtos e investir em algo que prejudique sua fonte de renda?”, diz. Para inovar, é preciso ir pelas beiradas, atacar nichos, descobrir maneiras inovadoras de atender a esse mercado. “É o que a Tesla fez no início, olhou uma área que nenhuma grande empresa prestava atenção e apostou”, diz. “E mesmo hoje, vendo o setor automobilístico, é difícil para as empresas se reinventarem. Elas lançam carros elétricos com menor autonomia, para cidades, de modo que eles próprios não concorram com suas marcas principais. Vai levar muito tempo para uma empresa como a Mercedes-Benz abrir mão de Class S ou uma BMW da série 7. Mas era preciso isso para elas inovarem de fato”.

Inovar é não conseguir fazer previsões: Straubel defende que, “toda vez que você inova de verdade, fica difícil fazer previsões no curto prazo, definir quando um produto, de fato, estará pronto, quando uma nova inovação virá”. Por esta razão, é preciso focar na estratégia no longo prazo, sem focar apenas no resultado trimestral – a despeito de alguns investidores, sim, cobrarem por isto, defende. “Do contrário, as pessoas acabam não sendo recompensadas pelo risco que precisam correr”.

É preciso inovar em várias frentes: o executivo utiliza o exemplo da Tesla para afirmar que, atualmente, a inovação da empresa exige desafios bem distintos daqueles enfrentados no começo. “Quando surgimos, precisávamos inovar para entregar um produto com bom desempenho, provando que a tecnologia elétrica pode ter um motor melhor do que um motor por combustão interna. Agora, nosso desafio é operacional: precisamos fazer esse produto com alto volume, custo baixo, menos mão de obra e menos materiais”, diz. É preciso aprender a produzir, por exemplo, peças que nunca foram feitas pela indústria automobilística em larga escala. Depois, diz Straubel, é pensar em como reciclar essas peças, construir uma infraestrutura de recarga, mostrar que os carros são mais seguros que aqueles aos quais os motoristas estão acostumados a dirigir. Todas essas frentes, segundo ele, precisam de inovação e estão sendo tocadas pela equipe da Tesla. Uma turma que constrói carros dentro de uma empresa de energia que tem muito mais engenheiros de software do que mecânicos. “Este é um dado que sempre assusta as pessoas”.

Fonte: Época