Justiça estadual não pode determinar abstenção de uso de marca registrada no INPI

Parasitismo de marca, desvio de clientela ou concorrência desleal são questões que devem ser julgadas pela justiça comum estadual, já que não afeta o interesse do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Diversamente, se o litígio entre duas ou mais empresas se concentra na disputa de marcas já registradas, o palco das discussões será a justiça especializada federal.

O óbice processual levou a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a extinguir ação ajuizada contra empresa detentora de registro da marca Gangster no INPI, deixando de analisar se houve ou não violação da marca Gang, autora da ação – ambas atuam no segmento de vestuário. Motivo: a justiça estadual não tem competência para obrigar a abstenção de uso de marca registrada no INPI, já que essa é uma discussão que deve ser travada na justiça federal.

O relator das apelações, desembargador Luís Augusto Coelho Braga, disse que, em face do reconhecimento da distintividade de ambas as marcas neste nicho comercial, o pedido de abstenção de uso da marca Gangster depende de sua anulação prévia e, tendo em vista a necessidade de participação do INPI, obrigatório o ajuizamento na justiça federal. Afinal, a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), no artigo 175, diz que a ação de nulidade de registro marcário será ajuizada no foro da justiça federal, e o INPI, quando não for autor, intervirá no processo.

“Assim, a presente ação deve ser oposta no âmbito da Justiça Federal, em atenção às regras de competência absoluta. Desta forma, encaminho voto no sentido [de], acolhida a preliminar contrarrecursal, julgar extinto o feito sem análise de mérito, a teor do art. 485, IV, do CPC [ausência de pressupostos processuais]”, escreveu no voto o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão telepresencial de 30 de julho.

Atuou na defesa da dona da marca Gangster o advogado Fabiano de Bem da Rocha, sócio da banca Leão Propriedade Intelectual.

Ação ordinária
Gang Comércio do Vestuário (Porto Alegre) acusou de concorrência desleal a Mar Quente Confecções (São Paulo), que vendia as roupas fabricadas com a marca Gang e que passou, posteriormente, a explorar marca própria, Gangster. Na ação ordinária, sustentou que é titular, desde 1986, do radical “Gang”, como marca registrada, na classe “artigos de vestuário”. Pediu que a ré seja compelida a se abster do uso desta expressão em sua denominação marcária, além de indenização em danos morais e materiais, pelos prejuízos suportados.

Em resposta à citação judicial, a empresa paulistana arguiu, em preliminar, carência de ação por falta de interesse de agir, ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica do pedido de abstenção do uso de marca, já que a palavra “Gangster” foi devidamente registrada no Inpi. Logo, a questão deveria ser analisada no âmbito justiça federal, pois o pedido principal envolve Direito Administrativo, e não Direito Privado, que trata das demais questões correlatas na justiça estadual.

No mérito, a ré sustentou que é titular de registro da marca Gangster, utilizada em sua totalidade, no conjunto e sintagma. A sua divisão silábica, defendeu-se, atende a conceitos meramente visuais ou de fixação nas peças de vestuário, sem querer aproximar-se da marca Gang, registrada em nome autora.

Concomitantemente, num contra-ataque processual, a ré apresentou reconvenção. Alegou que a autora/reconvinda, ao ajuizar a ação principal, impõe obstáculos à livre atividade comercial, tentando privar-lhe do exercício regular de direito sobre sua marca, excedendo os limites do direito constitucional de ação. Pediu abstenção de atos impeditivos de uso da marca e reparação pelos danos morais e materiais.

Sentença improcedente
A 2ª Vara Judicial da Comarca de Gramado julgou improcedente a ação principal e a reconvenção. Em razões de decidir, observou que a controvérsia posta nos autos não repousa sobre a invalidade da marca da ré – o que exigiria a intervenção do INPI e o deslocamento do processo para a justiça federal. Ao contrário, o pedido limita-se à abstenção de uso de marca com a repartição silábica GANG e STER, pelo risco de causar confusão na clientela, além do pleito de reparação pelos danos sofridos em decorrência da alegada contrafação. Ou seja, o sinal marcário da ré estaria invadindo o território semântico da marca da autora, causando confusão e, também em tese, concorrência desleal e predatória.

Para a a juíza Aline Ecker Rissato, o “ponto nevrálgico” está em analisar se, de fato, há semelhança capaz de ofender o direito até então assegurado para a parte autora. E a resposta é negativa. “Não obstante o mesmo ramo de atividade econômica, não há demonstração de indesviável similitude entre ambas as marcas registradas, já que entre elas não há completa identidade no que pertine aos seus elementos integrativos, tampouco cabal comprovação da confusão criada entre os consumidores ou de possível configuração de concorrência desleal”, constatou.

Conforme a juíza, a marca nominativa Gangster é um sintagma, representando conjunto visual indivisível e único. Analisado como um todo, não há como se confundir com a marca Gang, mesmo que este radical integre aquela palavra. No mais, na Língua Inglesa, os significados são distintos e independentes: gang significa, bando, turma, grupo de pessoas; e gangster, facínora, criminoso, bandido.

Justaposição de afixos
Ilustrando a fundamentação, a julgadora citou o posicionamento do desembargador Ney Wiedemann Neto, da 6ª Câmara Cível do TJ-RS, especializada em assuntos da propriedade intelectual desde 2012. Este, ao julgar o agravo de instrumento 70049619018, em ação análoga ajuizada pela Gang contra a loja Ilha Bela, de Rio Grande, que revendia produtos da marca Gangster da titular do registro, entendeu que as marcas eram muito distintas. Para o redator daquele acórdão, a marca Gangster e a marca Gang são visivelmente diferenciadas e distintas, à luz dos registros no INPI. Além disso, não se admite a cisão intencional de uma marca para aferir a semelhança de um radical isolado.

“A marca Gangster é um sintagma, um conjunto visual único e indivisível. Há que se apreciar a composição marcária como um todo. As partes ou afixos de dado signo podem ser destacados e combinados com outros sinais, resultando em outro conjunto simbólico distinto”, escreveu Wiedemann no voto divergente.

Em fecho, Aline disse que a marca nominativa é a expressão textual formada por palavras, neologismos e combinações de letras e números, desde que dissociada de alguma grafia estilizada ou desenho. Assim, as partes de um sinal gráfico podem se combinar com outros sinais, resultando noutro conjunto simbólico distinto. “Trata-se do fenômeno da justaposição ou aglutinação de afixos em nomes que podem constituir outras marcas válidas perante o órgão competentes, ainda que desempenhem os seus titulares atividades no mesmo ramo empresarial”, encerrou.

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101/1.11.0000117-0 (Comarca de Gramado)


Fonte: Conjur | Clipping: LDSOFT
Foto: Google