O ardiloso Marketing de Emboscada

Por Luciana Manica – Head de Propriedade Intelectual no Carpena Advogados

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos encantam a todos, sejam apaixonados por esporte, cultura ou arte. A organização de eventos de magnitude mundial exige preparação árdua nas mais variadas searas – afora patrocínios bilionários.

As competições engatilham outra corrida: uma disputa intensa entre empresas e patrocinadores pelos holofotes. Suas marcas estarão nas telas do mundo inteiro, sendo uma excelente oportunidade de marketing.

As quotas de patrocínio, em dinheiro ou via permuta de bens e serviços, através dos contratos “value-in-kind” (sigla VIK), merecem todo o respeito diante da contribuição que trazem. Por isso, existem regras específicas que visam coibir todo e qualquer ato que possa tirar proveito da exposição sem o efetivo patrocínio, originando-se daí o conceito de marketing de emboscada (ambush marketing).

A vedação a condutas desleais advindas de oportunistas está prevista em leis específicas, internalizadas por cada país anfitrião, e não foi diferente quando sediamos a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Nestas ocasiões foram promulgadas as Leis 12.663/2012 e 13.284/2016 para regulamentar medidas relativas a tais eventos, como o combate a atos que configuram marketing de emboscada por associação ou por intrusão, prática repudiada, que prejudica diretamente as pessoas que tornam os eventos possíveis – os patrocinadores e os atletas.

O marketing de emboscada por associação proíbe a associação direta ou indireta com os jogos, por exemplo, quando uma agência de turismo vincula uma passagem com ingressos do evento em um pacote de viagem. Já a modalidade intrusão ocorre com exposição de marcas, negócios, estabelecimentos ou prática de atividade promocional, em qualquer dos casos, sem autorização das entidades organizadoras.

Tais ações, quando têm por fim obter vantagem econômica ou publicitária, configuram crime, com pena de detenção ou multa, mas também podem ser reprimidas na esfera cível, independentemente de dolo ou culpa.

E a Nike, em mais de uma edição olímpica, foi protagonista de marketing de emboscada, roubando a cena dos efetivos patrocinadores, provando sua destreza em burlar as regras e ficar para a posteridade. Já nos idos de 1992, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, seus patrocinados diretos, Michael Jordan e Charles Barkley, taparam a marca da Reebok com a bandeira dos EUA ao receber a medalha de ouro, de forma que a Nike desbancou a patrocinadora oficial do evento.

Tudo leva a crer que a empresa usou a mesma artimanha nos recentes Jogos Olímpicos de Tóquio, quando os atletas da Seleção Brasileira Masculina de Futebol subiram ao pódio, deixando de estampar o logotipo da Peak, patrocinadora do Comitê Olímpico do Brasil (COB), em detrimento do uniforme oficial da seleção aprovado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

A atitude feriu não apenas o contrato com o COB, mas direitos da empresa chinesa, que fez um investimento estimado em R$ 7,87 milhões para apoiar os atletas brasileiros. Mais uma vez, quem saiu ganhando foi a Nike, que teve sua marca exibida no momento mais nobre da premiação, nas camisas dos atletas.

Outro ataque da Nike ocorreu em 1996, nos jogos Olímpicos de Atlanta, quando expôs a marca em banners e outdoors por toda a cidade, chegando a construir um prédio especial com vista para o parque olímpico, dando a entender que era a oficial patrocinadora do evento. Novamente, a Reebok, que de fato pagou as grandes cifras, fora derrotada.

Na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, a vítima da vez foi a Adidas, que apostou seu marketing em um vídeo de temática Guerra nas Estrelas com o jogador David Beckham. A Nike “respondeu” de forma ardilosa, com outro vídeo que estampava diversos lances fantásticos com os melhores jogadores da época. Aniquilou com a patrocinadora, recebendo mais que o dobro de visualizações em plataformas digitais.

Foi diante de tamanha relevância econômica e desportiva, que o marketing de emboscada passou a integrar a Legislação brasileira nas ocasiões da Copa do Mundo e das Olimpíadas do Rio, quando foram aprovadas regulamentações específicas para tais eventos. Em que pese o ocorrido nas Olimpíadas de Tóquio não poder se valer destas leis, certamente a conduta da Nike configura, no Brasil, ato de concorrência desleal previsto na Lei 9.279/96, a qual repudia comportamentos que visam vantagens, de forma ilícita, e que usam de manobras fraudulentas e antiéticas.

As partes envolvidas no caso de Tóquio ainda avaliam as atitudes jurídicas que serão movidas. Condutas desse tipo também podem violar o Código de Autorregulamentação Publicitária do CONAR, Código de Defesa do Consumidor e até da Lei de Direitos Autorais. De qualquer modo, atos como esse merecem ser impedidos para garantir não apenas a realização das competições e efetivo apoio aos atletas, mas também para assegurar as contrapartidas aos patrocinadores e a manutenção do verdadeiro espírito olímpico.