O sistema brasileiro de precedentes e seus reflexos na área da propriedade industrial

CONFLITOS
Nesse particular, parece-nos claro que, nos conflitos entre o titular de uma marca registrada e um suposto infrator sem registro concedido pelo INPI, a justiça estadual é competente para decidir a questão. Porém, quando o conflito envolver duas empresas com registros concedidos pelo INPI, a justiça federal será a competente para dirimir a controvérsia. Caso contrário, a justiça estadual estaria, por via oblíqua, esvaziando os efeitos de um registro marcário e usurpando a competência exclusiva da justiça federal.

Quanto ao segundo ponto a ser analisado pelo STJ, entendemos que a justiça estadual é competente para julgar as ações de concorrência desleal com base em trade dress, pois a discussão não pressupõe a análise de eventual nulidade dos signos distintivos, mas sim o exame da alegada prática desleal, materializada pela imitação ou reprodução indevida da identidade visual de determinado produto/serviço.

Muitas outras controvérsias na área da propriedade industrial também deveriam ser pacificadas, clareando o horizonte dos litigantes.

Uma delas, por exemplo, versa sobre a regra de competência para as ações de infração de marca com pedido indenizatório. A discussão reside em saber se deve ser aplicada a regra geral do foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC/73 – art. 46 do NCPC) ou se pode ser invocado o local do ato ou do fato, ou mesmo o foro de domicílio do autor (artigo 100, V, “a”, e § único do CPC/73 – art. 53, IV, “a”, e V, do NCPC).

Depois de algumas decisões conflitantes no âmbito do STJ, o tema foi equalizado no julgamento dos Embargos de Divergência nº 783.280/RS, prevalecendo a regra do foro especial. Porém, como o julgamento não ocorreu sob a sistemática dos recursos repetitivos, não há que se falar em efeito vinculante do decisum, o que ainda abre espaço para decisões contraditórias em casos análogos.

Na área das patentes, a discussão sobre o prazo de vigência das patentes pipeline foi equacionada pela Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp nº 731.101/RJ, consignando- se que “a Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora ‘pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido’, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado”.

JULGADOS
Embora o decisum possa ser uma diretriz para os magistrados, não foi proferido em sede de recurso repetitivo e, portanto, não tem efeito vinculante.

Além disso, a discussão exige maior reflexão e ampla participação plural da sociedade, não apenas em razão da mens legis do legislador da LPI, mas também por conta dos valores constitucionais em jogo, o que justifica a reabertura dos debates.

Outro tema recorrente nos tribunais que merece ser enfrentado envolve o chamado direito de precedência ao registro de marca (art. 129, § 1º, e 158 da LPI). A jurisprudência é vacilante. Existem julgados reconhecendo que o direito de precedência pode ser manifestado judicialmente, após a concessão do registro (TRF2 – AC nº 2009.51.01.813202- 0), e outros arestos defendendo que o direito de precedência deve ser necessariamente manifestado antes da concessão do registro de terceiro (TRF2 – AC nº 0029525- 38.2012.4.02.5101).

Antes de encerrar, um último comentário: consideramos que a valorização dos precedentes não fomenta o chamado imobilismo jurisprudencial. Isso porque, existem técnicas – importadas da common law – de superação dos entendimentos (overruling e overriding) e de confronto do paradigma com caso concreto (distinguishing), que podem ser invocadas pelas partes e pelos julgadores, sempre de forma fundamentada.

Fonte: Revista Jurídica