O teste 360° de confusão de marcas

Autores: Filipe Fonteles Cabral – Sócio do escritório Dannemann Siemsen
Marcelo Mazzola – Sócio do escritório Dannemann Siemsen

Introdução

Em âmbito internacional, a “possibilidade de confusão” constitui um dos requisitos para a caracterização da violação de marca.

Na análise de casos concretos, os tribunais estrangeiros costumam criar “testes” de forma a parametrizar a colidência de marcas e facilitar a interpretação e a aplicação da norma legal em casos concretos.

No cenário nacional, nossos tribunais examinam não só a semelhança das marcas e o grau de especialidade do consumidor, critérios já consagrados na doutrina, mas diversas outras circunstâncias que podem induzir ou afastar por completo a confusão das marcas sob exame.

O presente trabalho propõe um estudo sobre a jurisprudência brasileira no que concerne à “possibilidade de confusão” como um requisito para a infração de marca, bem como objetiva confrontar os precedentes com o nosso tradicional exame formal de colidência.

Como instrumento para identificar e aquilatar tais circunstâncias, muito útil seria a aplicação de um “teste de confusão de marcas”, que, por seu caráter multifacetário, poderia ser denominado Teste 360°.

Cabe, então, revisitarmos o tradicional exame da “possibilidade de confusão” lapidado pela doutrina brasileira na década de 1980, agora com um olhar 360°, sob as luzes das novas técnicas de competição.

Os Testes de Confusão no Direito Comparado

A professora Paola Frassi aponta que o European Court of Justice fixou o seguinte modelo para exame da possibilidade de confusão entre marcas[1]:

  1. “The model begins with the statement that the protection of the mark is tied to the risk of confusion;
  2. it continues with the statement that the risk of confusion requires an overall evaluation, which takes into consideration all pertinent factors of the case at hand;
  3. next is the addition that this evaluation implies a certain interdependence between the factors which enter into consideration and, in particular, between the similarity of trademarks and that of designated products or services;
  4. lastly, it explains that the perception of the trademark made by the average consumer of the product in question plays a determinantal role in the overall evaluation of the risk of confusion.

Once this premise is made, it is possible to enter the evaluation of the likelihood of confusion between products, which is an abstract one referring to the registration class, and lastly to consider the appearance of the marks in question.”

Em interessante estudo sobre a jurisprudência nos tribunais andinos, Camilo Gómez[2] identifica as “regras tradicionais de confusão marcária”:

  1. Regla 1. La confusión resulta de la impresión de conjunto despertada por las marcas;
  2. Regla 2. Las marcas deben examinarse sucesiva y no simultáneamente;
  3. Regla 3. Quien aprecie el parecido debe colocarse en el lugar del comprador presunto y tener en cuenta la naturaleza de los productos;
  4. Regla 4. Deben tenerse en cuenta las semejanzas y no las diferencias que existen entre las marcas.

Nos Estados Unidos da América, os tribunais regionais fixaram seus próprios critérios para a análise da confusão. Ganhou notoriedade internacional o teste denominado “Polaroid factors”, cunhado pelos juízes do Second Circuit nos autos da contenda Polaroid Corp. v. Polaroid Elects Corp:

  1. The strength of the plaintiff’s mark;
  2. The degree of similarity between the plaintiff’s and the defendant’s marks;
  3. The proximity of the products or services covered by the marks;
  4. The likelihood that the plaintiff will bridge the gap;
  5. Evidence of actual confusion of consumers;
  6. The defendant’s good faith in adopting the mark;
  7. The quality of the defendant’s product or service; and
  8. Consumer sophistication.

Como se pode notar, existe uma boa dose de semelhança entre os testes aplicados em diversas jurisdições, sendo certo que todos buscam sopesar a existência de real confusão face às circunstâncias do caso concreto.

Muito embora o teste proposto pelo Second Circuit norte-americano pareça mais detalhado que os demais, a verdade é que o tribunal europeu preferiu usar uma linguagem mais aberta, contemplando “all pertinent factors of the case at hand”, perspectiva que se encontra em linha com as determinações genéricas da Convenção da União de Paris[3].

Sem dúvida que a sistematização da interpretação legal constitui uma valiosa ferramenta para os operadores do Direito na luta cotidiana contra as violações marcárias. Exceções provocadas por circunstâncias específicas sempre existirão, o que em nada macula a importância ou a utilidade dos testes.

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça já confirmou o entendimento de que, para a caracterização da violação de marca, não é suficiente que se demonstre a semelhança dos sinais e a sobreposição ou afinidade das atividades:

“Para impedir o registro de determinada marca é necessária a conjunção de três requisitos:

  1. imitação ou reprodução, no todo ou em parte, ou com acréscimo de marca alheia já registrada;
  2. semelhança ou afinidade entre os produtos por ela indicados;
  3. possibilidade de a coexistência das marcas acarretar confusão ou dúvida no consumidor (Lei 9.279/96 – Art. 124, XIX).

Afastando o risco de confusão, é possível a coexistência harmônica das marcas.”

(3ª Turma, REsp 949.514/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, DJU de 22.10.2007)

Os critérios para a análise da “possibilidade de confusão”, todavia, não foram esmiuçados pela corte especial.

Gama Cerqueira, o maior doutrinador nacional em matéria de propriedade industrial, lecionava que, para se determinar a possibilidade de confusão, os seguintes aspectos devem ser considerados[4]:

“Estes princípios podem resumir-se numa regra geral, que vem a ser a seguinte: a possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas, quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças, levando-se em conta não só o grau de atenção do consumidor comum e as circunstâncias em que normalmente se adquire o produto, como também a sua natureza e o meio em que o seu consumo é habitual.”

Em suma, Gama Cerqueira propõe cinco parâmetros para a análise de confusão:

  1. a) apreciação da impressão de conjunto deixada pelas marcas, examinadas sucessivamente, sem apurar suas diferenças;
  2. b) o grau de atenção do consumidor comum;
  3. c) as circunstâncias em que normalmente se adquire o produto;
  4. d) a natureza do produto; e
  5. e) o meio em que o consumo do produto é habitual;

O teste proposto por Gama Cerqueira, já na década de 1980, ainda se mostra atual no que concerne à confusão no ponto de venda, em especial, a compra de um produto por outro ou a compra de uma mercadoria sob a falsa crença de que se trata de uma fonte conhecida.

Todavia, diante de mercados globalizados e técnicas de “marketing” cada vez mais sofisticadas, esses critérios podem ser insuficientes para alcançar outras formas de confusão que são igualmente nocivas ao titular da marca original, embora ocorram longe das situações triviais de confusão nas gôndolas.

Os Tipos Especiais de Confusão

Como casos clássicos de confusão podemos citar: a confusão direta, ou seja, a compra de um produto por outro; e a confusão por associação, configurada pela compra da mercadoria sob a falsa crença de que se trata de uma fonte conhecida.

A confusão direta deve ser bloqueada de plano, pois o objetivo primário da proteção marcária é a proteção do direito de escolha do consumidor e do direito do fornecedor em colher os frutos de seus investimentos. Tanto é assim que a propriedade industrial ganhou espaço como um princípio da Política Nacional das Relações de Consumo[5].

A associação, por sua vez, possui características mais singelas. Significa dizer que o consumidor realizou uma conexão mental entre duas marcas, mesmo ciente de que são sinais distintos. Tal vinculação será ilícita se implicar o aproveitamento do prestígio alheio como mola propulsora da venda.

Aos tipos clássicos de confusão cabe acrescentar três outras modalidades já não tão raras no mercado: a confusão por interesse inicial, a confusão reversa e a confusão pós-venda.

confusão por interesse inicial entre marcas quando uma empresa usa a marca ou outros elementos da comunicação visual de terceiros para atrair a atenção do consumidor, ainda que a origem real dos seus produtos ou serviços esteja devidamente identificada no momento da compra.

Nas palavras de Gilson[6]:

“Initial interest confusion is a bait-and-switch cheat, a competitor’s foot in the door at the expense of the legitimate trademark owner. When a company uses another’s trademark to capture customer’s attention and lead customers to its goods or services, that company may be liable for trademark infringement even if the consumer realizes before purchase that the product was not made by the original trademark owner. In other words, there is simply likely confusion that is dispelled before the point of sale.”

São comuns as situações de confusão por interesse inicial em violações de trade dress de estabelecimentos comerciais e em buscas na internet (metatags ou links patrocinados). O consumidor, atraído pelo trade dress ou pela marca que lhe é familiar, decide por concluir a compra do produto ou a contratação do serviço mesmo após descobrir que a fonte é diversa, movido pela conveniência de não continuar procurando pelo fornecedor original, e pela presunção de que a qualidade será semelhante.

A confusão reversa constitui o uso de uma marca idêntica ou semelhante a de um terceiro, em ramo de atividade afim, por parte de uma empresa com maior poder econômico. O utente novato, por ser mais famoso e usar sua marca em maior escala, mesmo sem tal intenção, acaba levando os consumidores a pensarem que o utente anterior copiou sua marca.

O impacto da confusão reversa é explicado por McCarthy[7]:

“In reverse confusion situation, rather than trying to profit from the senior user’s mark, the junior user saturates the market and ‘overwhelms the senior user´. ‘The result is that the senior user loses the value of the trademark, its product identity, corporate identity, control over its goodwill and reputation, and ability to move into new markets’.”

O conceito deve ser usado com parcimônia e atenção ao caso concreto. A identidade de duas marcas nem sempre levará à confusão reversa em relação ao usuário senior.

Por vezes as circunstâncias de mercado se apresentam de tal forma que não são capazes de criar uma associação entre as empresas na mente do consumidor, como será visto mais adiante. Para a ocorrência de confusão reversa, é necessário que haja a possibilidade de confusão entre as duas fontes.

Desafiadores são os casos de confusão pós-venda, isto é, quando um terceiro confunde a origem de um produto em razão da semelhança de sua aparência com a configuração ou marca de um produto famoso. Nesse caso, a confusão não se opera perante o comprador (que adquiriu a imitação de forma consciente), mas sim perante um terceiro.

Com base em nossa experiência, os casos mais comuns de confusão pós-venda ocorrem com marcas de posição, estampas ou design de produtos, em que o impacto visual do conjunto se sobrepõe à análise do sinal distintivo no detalhe. De toda forma, nada impeça que marcas tradicionais também provoquem essa ilusão.

Engana-se quem acredita que nos casos de confusão pós-venda não há prejuízo para o titular da marca original, pois o produto da imitação teria sido adquirido de forma intencional. Ainda que os compradores típicos do produto famoso jamais troquem o original pela imitação, fato é que aquela característica distintiva deixará de ser exclusiva e, consequentemente, afastará ou diminuirá o interesse dos seus consumidores, fonômeno muito comum no mercado de luxo.

McCarthy também destaca o potencial dano à reputação do titular caso a imitação seja de baixa qualidade[8]:

“In addition, downstream confusion can damage the trademark owner’s reputation for quality if viewers, repurchasers or gift recipients attribute inferior attributes of the imitation to the trademark owner.”

Em suma, diversos são os tipos de confusão que podem assombrar a relação concorrencial e consubstanciar a infração de direitos de marca, alcançando situações muito além da tradicional compra de “gato por lebre”.

O Momento da Confusão

As cópias servis do século XX cederam lugar a técnicas sofisticadas de aproveitamento do prestígio alheio, que provocam ganhos ao copista (e prejuízo ao copiado) sem o desvio concreto do consumidor.

Os tipos especiais de confusão referidos no capítulo anterior só puderam emergir quando o examinador se desprendeu do conceito clássico de “confusão por associação” e passou a interpretá-lo de forma mais ampla.

Para se compreender os danos provocados por essas novas técnicas de associação e sua relação com os princípios que norteiam a propriedade industrial, devemos nos debruçar sobre o momento da confusão.

Como já mencionado, a confusão por associação de marcas constitui a compra de uma mercadoria sob a falsa crença de que a origem é uma fonte conhecida.

Não obstante, a jurisprudência também vem reconhecendo como formas de associação as situações de confusão por interesse inicial, confusão reversa e confusão pós-venda.

A análise jurisprudencial nos leva a crer que a evolução se deve em grande parte ao reconhecimento de que há dano ao sinal marcário mesmo quando a associação não se opera no ato da compra. Daí a importância de se analisar o momento da confusão.

Para que seja possível caracterizar a violação de marca, mormente nos casos em que ocorrem os tipos especiais de confusão, é importante que o prejudicado demonstre com clareza a forma como acredita estar sendo lesionado em seus direitos. Deverá destrinchar perante o Juízo, portanto, o momento da confusão e o tipo de dano provocado por tal ato.

Exemplificativamente, em situações triviais, implica dano ao titular da marca, na forma de lucro cessante e, eventualmente, dano moral, a confusão que resulta na compra de um produto por outro (confusão direta), bem como a confusão por interesse inicial, já que os dois casos concretizam o desvio de um consumidor com interesse real de compra. Nesses casos, a demonstração da confusão e a consequente caracterização da violação de marca não se revestem de qualquer dificuldade.

Já nos casos de confusão por associação, confusão pós-venda e confusão reversa, a infração provoca potencial dano à reputação da marca e do seu titular, sendo certo que tal dano não decorre necessariamente do desvio de clientela. São situações complexas, por vezes de difícil lastro probatório, mas que não podem fugir ao crivo do Judiciário.

Nessas hipóteses, pouco efetivo é o contorcionismo para se tentar convencer o Juízo de que há confusão direta entre duas marcas. Se a associação (confusão em sentido lato) ocorre longe das prateleiras, será mais fácil demonstrar o prejuízo ao fundo de comércio e à própria reputação do titular anterior do que o lucro cessante, embora este também possa ocorrer de forma mediata.

No caso específico da confusão pós-venda, se comprovada, parece-nos evidente que há o dano à integridade material da marca por meio da diluição de sua unicidade e distintividade. Por sua vez, nas situações de confusão reversa, se o titular anterior conseguir demonstrar que sofre com a alcunha de aproveitador da fama alheia, poderá pleitear danos morais.

Assim, o momento da confusão não está necessariamente atrelado ao momento da compra, já que, como visto, o dano à marca pode ocorrer de diferentes formas e em tempo diverso, caracterizando situações que evidenciam infrações de marca. Cabe à vítima, assim, demonstrar de forma clara as peculiaridades do caso para que o seu pleito seja compreendido e atendido pelo Judiciário.

O Teste 360o de Confusão de Marcas

Após um apanhado geral das diversas lições extraídas da jurisprudência nacional nas duas últimas décadas, podemos listar sete critérios principais na apuração das circunstâncias que permeiam a análise de confusão.

As decisões fortuitas, quando analisadas em conjunto, revelam uma trilha consistente de critérios que, não surpreendentemente, coincidem em muitos aspectos com os testes consagrados em outras jurisdições.

Para fins didáticos, convencionamos chamar esse conjunto de critérios de teste 360o para avaliação da possibilidade de confusão de marcas, ou simplesmente Teste 360o. Os critérios são:

  1. a) Grau de distintividade intrínseca das marcas;

 

  1. b) Grau de semelhança das marcas;

 

  1. c) Legitimidade e fama do suposto infrator;

 

  1. d) Tempo de convivência das marcas no mercado;

 

  1. e) Espécie dos produtos em cotejo;

 

  1. f) Especialização do público alvo;

 

  1. g) Diluição.

Os autores sugerem que os critérios sejam examinados na ordem formulada acima, o que permite uma sequência lógica na avaliação global do potencial conflito.

Frise-se: nenhum desses elementos deve necessariamente se sobrepor aos demais, sendo certo que o resultado da avaliação de um critério isoladamente não confirma nem elimina a colidência das marcas sob exame.

O grau de relevância de cada item do teste só poderá ser sopesado pelo examinador diante do caso concreto, após a análise de todas as circunstâncias, ou seja, 360o.

Vejamos cada item do teste que se propõe.

  1. a) Grau de distintividade intrínseca das marcas

Como um princípio basilar para a análise do escopo de proteção marcária, o primeiro passo na avaliação da confusão deve ser a análise do grau de distintividade intrínseca da marca.

Afinal, como pondera Gama Cerqueira[9]:

“Se o comerciante adota marcas desse gênero, por lhe parecer útil e vantajoso indicar a qualidade essencial do produto ou a sua composição, deve suportar, como ônus correspondente a essa vantagem, a relativa semelhança de outras marcas com as suas.”

Nesse sentido, taxativa é a ementa da Apelação Cível n° 83.540/RJ, do Tribunal Federal de Recursos, na qual foi relator o Ministro Miguel Jerônymo Ferrante:

“O critério de apreciação da colidência das chamadas marcas fracas, dado ao seu caráter evocativo, é menos rígido do que o empregado nas hipóteses em que a anterioridade se reveste de suficiente cunho de originalidade, elemento fundamental das marcas. A semelhança material decorrente de modificações de palavras de que se originaram as marcas em confronto não pode ser erigido em colidência para impedir o registro de uma delas, sob pena de se conferir a outra a propriedade exclusiva de uma expressão de uso vulgar, evocativa dos produtos assinalados.”

(conforme publicação no Diário de Justiça de 24.05.84, à pág. 8.159)

A propósito, vale conferir também a ementa do Recurso Especial abaixo, envolvendo as marcas ARÁBIA e AREIBIAN:

“- O registro de termo que remete a determinada localização geográfica no nome empresarial, por se referir a lugar, não confere o direito de uso exclusivo desse termo.

– É permitido o registro de marca que utiliza nome geográfico, desde que esse nome seja utilizado como sinal evocativo e que não constitua indicação de procedência ou denominação de origem.”

(REsp 989.105-PR, STJ 3a Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08/09/2009)

Não foi outro o entendimento do TJ/RJ ao admitir a coexistência harmônica de duas empresas sob a mesma marca RIO SUMMER:

“Por outro lado, a marca RIO SUMMER designa expressões comuns, com pouca originalidade, remetendo a posição geográfica e ao clima, sendo o logotipo utilizado para a sua composição o ‘Pão de Açúcar’, símbolo da cidade do Rio de Janeiro, inapropriável como sinal inventivo. Por essas razões, a semelhança visual entre as marcas utilizadas pelas partes não impediu a sua coexistência harmônica, na realização do evento em comento.”

(Apelação Cível 0021272-33.2009.8.19.0001, TJRJ, 16a Câmara Cível, Rel. Des. Mario Robert Mannheimer, j. 30/10/2012)

Não significa dizer, porém, que marcas sugestivas não devam receber proteção contra sinais semelhantes, mormente se os outros critérios do Teste 360o apontarem para o risco de confusão.

A fama, por exemplo, pode alçar marcas sugestivas a uma proteção especial e ainda gerar associação na mente dos consumidores, como se denota da seguinte ementa:

“I – Apesar dos termos registrados pela autora (CHINA e IN BOX) serem de origem comum e evocativos do produto (comida chinesa em caixa), não se pode olvidar que, atualmente, junto ao público consumidor, os signos em comento, utilizados de forma conjunta, estão diretamente associados ao serviço de comida chinesa servida em caixa, oferecido primeiramente pela autora, o que traduz a ocorrência no fenômeno do secondary meaning (Teoria do Significado Secundário).

II – Através da prática de adotar o termo IN BOX em seu registro (ASIA IN BOX), procurou a parte ré se beneficiar da fama alcançada pela empresa autora, que atua há anos no mercado de alimentação, tentando, de certo modo, associar seus produtos àqueles oferecidos pela CHINA IN BOX.(…)”

(Embargos Infringentes 2008.51.01.523618-0, 1a Seção Especializada do TRF2, j. 24/10/2013)

Como se pode notar, o grau de distintividade intrínseca da marca, assim como a eventual distintividade adquirida, são importantes elementos na equação da colidência.

  1. b) Grau de semelhança das marcas

Seguindo uma sequência lógica, após a avaliação do grau de distintividade da marca supostamente imitada (ou reproduzida), convém realizar um exame comparativo dos sinais, a fim de se determinar seu grau de semelhança sob o aspecto gráfico, fonético e ideológico.

Aqui, novamente, recorremos às lições do Gama Cerqueira sobre o exame comparativo de marcas[10]:

“Do preceito se deduzem três princípios da maior importância no assunto:

1º. as marcas não devem ser confrontadas e comparadas, mas apreciadas sucessivamente, a fim de verificar se a impressão causada por uma recorda a impressão deixada pela outra;

2º. as marcas devem ser apreciadas, tendo-se em vista não as suas diferenças, mas as suas semelhanças;

3º. finalmente, deve-se decidir pela impressão de conjunto das marcas e não pelos seus detalhes.”

A relevância do tema é observada no voto do Min. Sidnei Beneti nos autos do Resp n° 863.975-RJ, que analisou a colidência de duas marcas com elemento nominativo idêntico (“BELA VISTA”):

“Anote-se, por oportuno, que em nenhum momento se cogitou de contrafação. Não se discute se recorrente e recorrida copiaram uma da outra a marca usada em seus produtos. A pretensão da recorrida, como visto, era obter a declaração de nulidade de uma marca sobre a qual, segundo entendia, tinha direito de uso exclusivo.

No entanto, faz-se aqui referência ao fato porque as marcas em disputa, apesar de utilizarem em sua composição elementos verbais idênticos (“BELA VISTA”), têm outros elementos (desenho, cor) que as distinguem muito bem. Nesse contexto, a par de não estar caracterizada contrafação (que, repita-se, não se discute), não se evidencia probabilidade de que se venha a induzir o consumidor a erro quanto à origem dos produtos. Os elementos distintivos da marca, bem como o fato de se tratar de produtos de classes diferentes, são suficientes para que o consumidor exerça adequadamente seu direito de compra, sem se confundir. A mera circunstância de se tratar de gêneros alimentícios não é suficiente para se presumir a confusão.”

(Voto do Ministro Relator SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, STJ)

Sobre o tema, cabe transcrever trecho de ementa de precedente da TRF/2 na comparação de dois logotipos formados pelo mesmo elemento nominativo “UNC”:

“II – No mérito, os exames – gráfico, visual e fonético – dos signos atestam que as marcas em litígio possuem suficiente distintividade, sem possibilidade de confusão ou aderência entre si, apesar de inscritas na mesma classe.”

(Apelação Cível 516597, 2003.51.01.512697-2, Rel. Des. Fed. Messod Azulay, j. 26/07/2011, TRF2)

Ultrapassada a segunda etapa do Teste, deve-se partir para a análise dos demais critérios circunstanciais, já que, como visto, nem mesmo a identidade total das marcas leva necessariamente à conclusão de que há possibilidade de confusão.

  1. c) Legitimidade e fama do suposto infrator

Ao arrepio da doutrina mais purista, segundo a qual o exame da colidência de marcas deve ser técnico e desconectado da análise de boa-fé, o histórico do suposto infrator tem sido amplamente considerado pelo Judiciário como um fator relevante na balança da confusão.

A origem da marca e, principalmente, a fama adquirida pelo suposto infrator podem ser determinantes para justificar a coexistência de suas marcas.

Diante de marcas muito famosas, o consumidor tende a conhecer a fundo o fabricante, suas linhas de produtos, canais de distribuição e até mesmo a linguagem da sua comunicação, o que, em geral, afasta a possibilidade de confusão com terceiros, mesmo em casos de marcas idênticas.

Nessa esteira, cabe citar o caso em que foi examinado o potencial conflito entre MILLER (cerveja) e MULLER FRANCO (aguardente):

“Também não vislumbro impedimento de uso da marca pela recorrida, até porque não me parece que o signo MILLER, notoriamente conhecido, possa se aproveitar das marcas da empresa recorrente, desprestigiando o seu sinal. Ao contrário, creio que a marca da recorrida pode até favorecer a recorrente com sua boa imagem no mercado.”

(REsp 1.079.344-RJ, STJ 4a Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallottij. 21/06/2012)

Em outro julgado que merece destaque, o TRF2 reformou a sentença de primeiro grau e rejeitou os pedidos da empresa brasileira LG INFORMÁTICA para que fossem declarados nulos os registros da marca LG, de titularidade da empresa coreana LG ELETRONICS:

“De outro lado, a inarredável notoriedade das empresas rés e de sua logomarca, constituída de uma carinha com a expressão ‘LG’, mundialmente conhecida, desconstroem, ao meu sentir, o receio do Magistrado de que os consumidores dos produtos das rés possam incorrer em erro de origem, associando tais produtos à empresa brasileira, sediada em Goiás, e que como visto na sentença só se tornou conhecida em 1999 no ramo de gerenciamento de recursos humanos.”

(Apelação Cível 2006.51.01.520589-7, 2a Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto, j. 25/05.2010)

Na mesma linha decidiu a 6a Câmara Cível do TJ/RJ ao analisar a possível colidência entre as marcas de vestuário RICHARD’S e RICHA’S:

“Com efeito, a autora é empresa com grande extensão de lojas no mercado – inclusive no exterior – e explora o ramo de moda e vestuário destinado a consumidor masculino e feminino com grande poder aquisitivo.

A ré é sociedade empresária de porte nitidamente menor, porquanto possui apenas uma loja e explora o ramo de bolsas e sapatos destinados apenas ao público feminino, circunstância que é corroborada pela certidão do meirinho de fls. 157. (…)

Por isso, não é verdadeira a assertiva de que a aproximação gráfica e fonética entre as marcas teria o condão de causar confusão e dúvidas no consumidor.”

(Apelação Cível nº 2009.001.48222, Rel Des. Gabriel Zefiro, j. 14.10.2009. O caso continua em trâmite no STJ – Recurso Especial nº 1.265.680/RJ).

Como se pode notar, quanto maior a fama do suposto infrator, em tese, menor a possibilidade de confusão no caso concreto, sem prejuízo, evidentemente, da análise das demais circunstâncias do caso.

  1. d) Tempo de convivência das marcas no mercado

 

Trata-se de um comando direto da Convenção da União de Paris, no já citado artigo 6 quinquies, C, 1[11].

A regra unionista nada mais é do que o reconhecimento fático de que inexiste possibilidade de confusão entre os sinais. Se houvesse, os anos de convivência já teriam propiciado provas concretas de confusão real entre os sinais.

Esse fator foi pesado no já citado REsp n° 863.975-RJ (“BELA VISTA”), cuja ementa foi lavrada da seguinte forma:

“DIREITO COMERCIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO DE MARCA COMELEMENTOS IDÊNTICOS EM PRODUTOS DE CLASSES DIFERENTES.POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. IMPROVÁVEL CONFUSÃO POR PARTEDOS CONSUMIDORES.

I – Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, nãojustifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência (Súmula STJ/106). No caso, a comprovação de fatos que evidenciariam a desídia da recorrida, que teria deixado escoar o prazo para exercer a pretensão, é inviável, segundo disposição da Súmula STJ/7.

II – O direito de exclusividade do uso da marca não deve ser exercido de modo a impedir o uso de marca semelhante deferido para produto de classe diferente, excetuados os casos de marca notória ou de alto renome, bem como os casos de evidente má-fé.

III – A simples circunstância de os produtos nos quais utilizada a marca disputada serem gêneros alimentícios não faz presumir que o consumidor venha a confundi-los e considerá-los como de mesma origem. Tratando-se de alimentos listados em itens de classes diversas, podem ser identificados com marcas semelhantes pelas diferentes pessoas jurídicas que os produzem, salvo má-fé, que não se verifica no caso.

IV – A utilização, como elemento da marca, de nome existente há muitos anos, nome aliás da fazenda onde produzida a matéria-prima empregada nos produtos que ostentam a marca, indica a boa-fé da produtora.

V – Recurso Especial provido.”

(STJ, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 – TERCEIRA TURMA)

O tempo de convivência também contribuiu para que o STJ convalidasse a continuidade de uso da marca “GLÓRIA” para biscoitos, não obstante o registro para a marca idêntica “GLÓRIA” na classe de laticínios (leite em pó):

“PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DIREITO DE MARCA. PRETENSÃO A EXCLUSIVIDADE. ARTS. 59 E 65.17, DA LEI 5772, DE 21.12.71.

O direito à exclusividade ao uso de marca, em decorrência de seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual foi deferido, não abrangendo pois produtos outros, não similares, enquadrados em outras classes, excetuadas as hipóteses de marcas “notórias”.

O registro da marca “GLÓRIA”, para laticínios, em geral, classe 31.10, não impede que outra firma continue utilizando idêntica marca, aliás desde muitos e longos anos, para biscoitos e massas alimentícias, classe 32.10.

Recurso especial não conhecido.”

(STJ – REsp: 14367 PR 1991/0018253-2, Relator: Ministro ATHOS CARNEIRO, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 21.09.1992)

Há, ainda, reflexos processuais em relação ao tempo de uso da marca. Comprovada a convivência dos sinais no mercado local por mais de 10 anos, cabe a análise judicial de eventual prescrição do direito de ação do titular anterior.

  1. e) Espécie dos produtos

Pouco importa se os produtos e serviços em questão se encontram na mesma classe ou em classes diferentes. Como sabemos, há classes que abrigam produtos que não possuem qualquer afinidade, assim como há inúmeras relações diretas e indiretas entre artigos de classes distintas.

Da mesma forma, não basta que o gênero seja o mesmo. A forte concorrência aliada ao perfil exigente dos consumidores levaram ao aumento exponencial do grau de especialização dos fornecedores e da personalização dos canais de distribuição.

Não são poucos os casos em que o Judiciário declarou lícita a convivência de marcas semelhantes ou até idênticas que identificam produtos do mesmo gênero.

Cabe citar, novamente, o precedente do STJ relativo à marca “BELA VISTA”, detacando o trecho da ementa que examina a suposta afinidade de produtos:

“A simples circunstância de os produtos nos quais utilizada a marca disputada serem gêneros alimentícios não faz presumir que o consumidor venha a confundi-los e considerá-los como de mesma origem. Tratando-se de alimentos listados em itens de classes diversas, podem ser identificados com marcas semelhantes pelas diferentes pessoas jurídicas que os produzem, salvo má-fé, que não se verifica no caso.”

(REsp 863.975/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidney Beneti, j. 19/08/2010)

Não é diferente o entendimento do TJ/RJ que emergiu do conflito BIOMETRIX vs. BIOMETRIX:

Embora as empresas atuem no comércio de gêneros médicos, as classes são distintas, sendo certo  que a ‘proteção limita-se às mercadorias para as quais é registrada e realmente utilizada’, não havendo que se falar em colidência, até porque não se trata de marca notória ou de alto renome, não se tendo apresentado indícios de má-fé.

(…)

A alegação de prejuízo, anemicamente comprovada apenas por um pedido de orçamento à autora, referente a produtos da ré, não consegue induzir confusão com respeito aos distintivos e sua finalidade, valendo ressaltar que a experiência técnica dos consumidores, neste caso, adquirentes de produtos especialíssimos, torna quase impossível equívocos significativos.

Impõe destacar que as empresas coexistem há alguns anos, só tomando conhecimento uma da outra após o fato citado – pedido de orçamento equivocado -, sendo que, em algum momento, estiveram próximas de um acordo.”

(Apelação Cível 0221546-08.2012.8.19.0001, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo de Azevedo Paiva, j. 26.11.2013)

Em outro julgado, o judiciário carioca confirmou o posicionamento ao apreciar o caso “AMAZONAS” VS “AMAZONLIFE”:

“Ademais, frise-se que, embora pertencentes à mesma classe (25), não há identidade em relação ao ramo de atividade que atuam, haja vista que a apelante tem seu comércio voltado à venda de solados para calçados para indústrias do ramo, enquanto a apelada comercializa peças de vestuário e acessórios de moda para consumidores finais, como bem salientado pela sentença.”

(Apelação Cível 0148047-93.2009.8.19.0001, TJ/RJ, 18a Câmara Cível, Rel. Des. Célia Maria Vidal Meliga Pessoa, j. 19/11/2010)

Na mesma linha, o TJ/SP não vislumbrou possibilidade de confusão entre a atividade de importação de peças automotivas pela C4 Auto Importadora e a identificação de um automóvel com a marca idêntica C4:

“O produto que as rés designam por meio da marca em discussão são veículos automotores, cujas espécies ou modelos são claramente designados por outras marcas associadas à expressão C4 (Citroen C4; C4 Pallas e C4, Lignage). (…)

A marca não diz respeito a produtos da mesma natureza, idênticos ou semelhantes a outros envolvidos na atividade da autora, mas por ela é utilizada fundamentalmente em seu nome comercial (ainda que em momento mais recente seja utilizada também para designar serviços e produtos, que não veículos automotores, vinculados à atividade social da autora) sendo evidente, por isso, a impossibilidade de qualquer confusão ou associação entre os significados que o emprego da marca C4, por cada uma das partes, produz.”

(Apelação Cível 0105293-69.2008.8.26.0004, TJ/SP, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 17.12.2013)

Complementando a análise da possibilidade de confusão em relação à espécie dos produtos, deve-se levar em conta o eventual nível de sofisticação ou especialização dos consumidores, o que será comentado na sequência.

  1. f) Grau de atenção do público alvo

Regra há muito consagrada na doutrina, o grau de atenção do consumidor no momento da compra é critério indispensável no exame da possibilidade de confusão.

Produtos voltados a consumidores técnicos ou adquiridos por meio de processos de compra complexos (como, por exemplo, em relações “B2B”) são menos suscetíveis à confusão. Igualmente, produtos com valores de venda elevados costumam demandar ampla pesquisa e muita atenção por parte do consumidor, afastando a colidência.

Em caso emblemático envolvendo consumidores com conhecimento técnico, o TRF assim se posicionou ao analisar o conflito entre as marcas “PROFAX” e “PRO-FAX”:

“Assim, a prudência recomenda que se estude acuradamente cada caso e não se generalize e muito menos se estabeleçam critérios uniformes.

No caso em tela, os produtos em questão se destinam a consumidores específicos, dotados de conhecimento técnico, afastando a possibilidade de ser o público alvo induzido em erro.”

(Apelação Cível 40677, TRF/2, 2a Turma Especializada, Rel. Des. Fed. André Fontes, voto vencedor da lavra da Des. Fed. Liliane Roriz, j. 31/01/2006)

Para os produtos de baixo custo ou destinados ao público em geral, o entendimento sobre a possibilidade de confusão caminha em sentido oposto, isto é, aumentam as chances de confusão, sem prejuízo do exame de outros elementos circunstanciais.

  1. g) Diluição

O Teste deve ser concluído com uma das análises mais difíceis, e até mesmo polêmica, em relação à colidência de marcas.

De plano, cabe repisar que a lei não rechaça apenas a confusão direta do consumidor (compra de um produto por outro), mas também veda os atos capazes de provocar a associação entre dois signos.

Mas todo e qualquer tipo de associação entre dois sinais leva à colidência marcaria? Entendemos que não, com base em análise sistêmica da legislação nacional e dos princípios que norteiam a propriedade industrial.

Para que a associação de marcas seja considerada um ato ilícito, ao menos um dos seguintes fatores deve estar presente: a) o enriquecimento sem causa do infrator; ou b) a diluição do poder distintivo da marca por ataque à unicidade ou à reputação[12].

A figura jurídica do enriquecimento sem causa está prevista no artigo 884 do Código Civil, que dispõe:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários

O conceito geral firmado pelo Código Civil pode ser transportado com segurança para a esfera da propriedade industrial, cuja lei foi construída sobre o pilar da repressão à concorrência desleal.

Esses dispositivos em nada afrontam os conceitos da “livre iniciativa” ou “livre concorrência” insculpidos na Constituição Federal[13]. Ao contrário, a própria Lei Maior prestigia igualmente a proteção à propriedade industrial (art. 5o, XXIX).

Objetivamente, não constitui uma conduta de “livre iniciativa” o aproveitamento da fama de terceiros para alavancar negócio próprio, salvo se autorizado. O aproveitamento da criação alheia, ato vulgarmente referido como “parasitismo”, constitui “enriquecimento sem causa” na forma da Lei Civil.

Sobre a diluição do poder distintivo de uma marca em razão da associação mental, leia-se o trecho final da já citada ementa no caso CHINA IN BOX:

“III – Ao se permitir que a marca da autora (CHINA IN BOX) conviva com a marca da ré (ASIA IN BOX), se utilizando de conceito criado pela autora de “comida chinesa em caixa”, tal permissão acaba gerando redução da distintividade do signo copiado.

IV – A proximidade dos signos CHINA IN BOX e ASIA IN BOX pode ensejar confusão mercadológica, eis que o consumidor pode imaginar que a marca ASIA IN BOX seja uma ramificação da CHINA IN BOX, com o propósito de oferecer itens diferenciados de alimentação, levando o consumidor a crer que está adquirindo aquele produto/serviço já conhecido.”

(Embargos Infringentes 2008.51.01.523618-0, 1a Seção Especializada do TRF2, j. 24/10/2013)

Em relação à diluição do prestígio alheio e os efeitos da confusão pós-venda, vale conferir o preciso comentário da Magistrada da 6a Vara Empresarial/RJ ao conceder liminar para suspender a comercialização do veículo chinês Lifan 320, considerado uma imitação do design original do BMW Mini:

“E, além dos danos que venham a ser suportados pelas autoras, tem-se, ainda, a flagrante lesão ocorrida no mercado de consumo.

Neste particular, deve ser examinado e registrado que o consumidor também se vê lesado pela conduta das rés. Isto porque, induvidoso que o consumidor que adquiri o veículo MINI das autoras e pagou o valor correspondente a um automóvel da marca BMW, com o lançamento, divulgação e comercialização de automóvel praticamente idêntico pelas rés, constata que o bem de consumo adquirido sofreu a diluição da marca e as consequências resultantes de tal fato.”

(Processo 0152267-32.2012.8.19.0001, 6a VE/TJRJ, j. 18/05/2012.)

Tal decisão foi reformada pela 7a Câmara Cível do TJRJ com base em questões processuais (em especial, o perigo de dano reverso). Porém, a questão da confusão pós-venda gerou votos divergentes no tribunal, o que evidencia a necessidade de se incluir tal na análise no debate sobre a confusão:

 

“Em regra, a aquisição de um veículo automotor não ocorre por impulso, sendo precedida de ampla pesquisa de mercado, incluindo negociação de preço e acessórios, valor do seguro, valor do IPVA e etc. Ou seja, ninguém comprará um pelo outro. Isso neutraliza o risco de confusão por parte do consumidor no momento da compra. Assim, é irrelevante o fato de as pessoas confundirem os carros nas ruas, o que, aliás, acontece com tantos outros modelos em circulação, de outros fabricantes. Em maior ou menor grau, os automóveis seguem a tendência mais bem aceita pelo mercado”.

(Agravo de Instrumento 0038588-57.2012.8.19.0000, Des. Rel. Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, j. 24/10/2012)

“Acompanhei o relator por entender não presente o perigo de dano irreversível para a antecipação, frisando que o tema deve ser visto não apenas pelo prisma da proteção do design, como uma proteção industrial em si, mas, também, com vistas à preservação do mercado conquistado no âmbito de uma clientela com maior exigência, trazendo um maior potencial de consumo. Ou seja, com vistas a se proteger o design de uma possível vulgarização.

Logo, ao ver deste julgador, os olhos devem estar voltados não apenas para a ideia de concorrência parasitária, mas de igual forma para a perspectiva de se evitar a retirada do interesse do grupamento mercadológico a que se destina o produto, pela vulgarização deste.”

(Declaração de voto do Des. Ricardo Couto de Castro)

Em suma, ao depurar o impacto que será gerado pela utilização de sinais idênticos ou semelhantes, o examinador deve estar atento a eventuais danos ao titular anterior ou aproveitamento injustificado por parte do utente posterior, sendo certo que tais situações também configuram violação ao direito de marca.

Conclusão

Como visto, a jurisprudência nacional demonstra a tendência do Judiciário em dissecar as circunstâncias do caso a fim de detectar qualquer tipo de prejuízo potencial em razão da convivência dos sinais.

Merecem destaque as decisões que, não obstante a ausência de desvio direto de consumidor, reconheceram que a convivência dos sinais provocaria prejuízo para a reputação da marca sênior ou para seu titular, motivo suficiente para se bloquear a cópia.

Não menos importantes foram os precedentes que permitiram a coexistência de marcas idênticas em situações que não havia possibilidade de confusão ou associação, mesmo dentro de um mesmo gênero de produtos.

O Teste 360o tem por objetivo captar todos os elementos que compõem o caso, oferecendo ao examinador uma visão panorâmica para formar seu juízo de convicção, incluindo situações especiais como confusão por interesse inicial, confusão reversa e confusão pós-venda.

Ademais, o Teste prestigia a evolução da jurisprudência nacional, que, com o advento da Lei 9.279/96, passou a tutelar expressamente o direito do titular e do depositante de zelar pela reputação e integridade material de sua marca (artigo 130, III).

Por fim, vale lembrar que o dinamismo das relações humanas transforma a economia e até mesmo o modus operandi do comércio de forma contínua. Novos fatores relevantes para o exame de colidência hão de surgir. O Teste 360º é um ponto de partida, de valor empírico, para fins acadêmicos.

[1] In “The European Court of Justice Rules on the Likelihood of Confusion Concerning Composite Trademarks: Moving Towards an Analytical Approach”, International Review of Intellectual Property and Competition Law, publicado por Max Planck Institute for Intellectual Property, Competition and Tax Law, Munich, volume 37, no. 4/2006, p. 439.

[2] In “Marcas: Evaluación de La Confusión, Nuevas Reglas”, Derechos Intelectuales no. 14, publicado pela ASIPI, Editorial Astrea, 2008, p. 200 a 2011.

[3] A CUP, internalizada pelo Decreto no. 1.263/94, dispõe no artigo 6, quinquies, C, 1: Para determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca.

[4] In Tratato da Propriedade Industrial, 2ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982, volume 2, p. 919.

[6] Jerome Gilson, in Gilson on Trademarks, Ed. LexisNexis, 2013, Volume 2, Capítulo 5, pág. 175.

[7] J. Thomas McCarthy, in McCarthy on Trademarks and Unfair Competition, 4a Edição, Ed. Thomson Reuters, Volume 4, Capítulo 23, pág. 71.

[8] ob. cit., pág. 60.

[9] Tratado da Propriedade Industrial, vol. II, Ed. Forense, pág. 819.

[10] Tratado da Propriedade Industrial, vol. II, Ed. Forense, pág. 919.

[11] Para determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca.

[12] Sobre o tema: Cabral, Filipe Fonteles, “Diluição de Marcas: uma teoria defensiva ou ofensiva?”, artigo publicado na Revista da ABPI no. 58, de maio de 2002.

[13] Artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170, IV e seu respectivo parágrafo único.