Publicidade Comparativa – O embate entre a exclusividade da marca e o interesse do consumidor à informação à luz das decisões do CONAR nos últimos dez anos*

Autora: Larissa Korff Muller

*Apresentado originalmente para a obtenção do título de Especialista em Propriedade Intelectual, sob a orientação do Professor Wilson Pinheiro Jabur, na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

RESUMO

O artigo discorre sobre a legalidade da publicidade comparativa explícita no Brasil sob a ótica do direito do consumidor à informação. Busca-se solucionar o conflito entre o direito exclusivo do titular da marca versus o direito do consumidor à informação por meio da análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, ponderação entre princípios constitucionais e exame do entendimento jurisprudencial do CONAR a respeito desse assunto na última década.
Palavras chave: Publicidade comparativa. Marca. Função social da marca. CONAR.

ABSTRACT
This article analyzes the legality of the explicit comparative advertising in Brazil from the perspective of the consumer’s right to information. The purpose of this paper is to solve the conflict between the trademark’s owner exclusive rights versus the consumer’s right to information through the systematic analysis of the Brazilian legal system, the balance of the constitutional principles in debate as well as the exam of CONAR’s precedents regarding this subject in the last decade.
Keywords: Comparative advertising. Trademark. Social function of trademarks. CONAR.

SUMÁRIO
1. Introdução – 2. Do princípio da exclusividade das marcas – 3. Da função social da marca e a perspectiva do consumidor – 4. A publicidade comparativa, sua regulamentação e o aparente embate com a lei da propriedade industrial – 5. Análise da jurisprudência do Conar nos últimos 10 (dez) anos – 6. Proposta de alteração na legislação – 7. Considerações finais – 8. Referências

1. INTRODUÇÃO

A partir do final do século XX, o fenômeno socioeconômico denominado globalização, oriundo principalmente do grande avanço e desenvolvimento no campo tecnológico, ganhou força em todo o mundo.
Em termos gerais, tal fenômeno significa “(…) integração em caráter econômico, social, cultural e político entre diferentes países” (PENA, 2015), possibilitando que pessoas, governos e grupos econômicos dos mais diversos, mesmo separados por grandes distâncias, passem a trocar ideias e conhecimentos, a realizar transações financeiras e comerciais, bem como a dividir e misturar culturas e condutas sociais (SUAPESQUISA.COM, 2014 – 2015).
Essa realidade não traz outra consequência senão o aumento da competitividade entre mercados e empresas, fazendo com que as corporações tenham de investir, cada vez mais, em tecnologias e formas de baratear a sua produção ou sua prestação de serviço, assim como passem a buscar formas cada vez mais inovadoras para tornar o seu produto / serviço mais atrativo ao seu público consumidor, com o intuito de que seja escolhido dentre os demais.
Nesse cenário, a forma mais efetiva de individualizar concorrentes de um mesmo segmento é incluir em seus produtos / serviços sinais que chamem atenção e que sejam suficientemente distintivos, tornando-os únicos perante os demais e fazendo com que seus consumidores possam, facilmente, reconhece-los.
Dito isso, a marca, principal signo responsável por tal individualização, passa a ter cada vez maior relevância para seus titulares. Nas palavras de Marco Antonio de Oliveira:
“A marca possui fundamental relevância no modelo econômico atual, cuja disputa por fatias de mercado justifica a constante e permanente competição entre os agentes econômicos que nele atuam. Ocorre que todo o investimento e esforço para fidelizar consumidores seriam inúteis caso esses fossem desprovidos de meios de identificar aquilo que os agradam e que realmente desejam consumir.” (DE OLIVEIRA, 2015, p.41).

Por essa razão, hoje as empresas investem considerável parte de seu orçamento na busca de atrativas marcas e formas inovadoras de publicidade que chamem a atenção de seu público consumidor e, com isso, façam com que as pessoas “gravem em suas cabeças” o nome e a procedência daquele determinado produto ou serviço.
Tendo a marca se tornado um dos bens mais valiosos de uma empresa, se não o maior, há também uma crescente preocupação em se garantir sua adequada proteção pelos meios admitidos em lei em cada jurisdição de atuação, de modo a obter a exclusividade de uso do signo em determinado ramo e, assim, coibir que terceiros dele se utilizem com a finalidade de alcançar parte de sua clientela.
Além de o consumidor distinguir um determinado produto / serviço do outro por meio da marca, outro fator de enorme relevância no cenário atual é a identidade que o público consumidor tem com aquele bem ou serviço com o qual despende seu dinheiro e tempo. Para o consumidor contemporâneo, não basta simplesmente o produto / serviço estar disponível para aquisição. Este anseia encontrar uma ligação com a marca, e, assim, se identificar com aquilo que está adquirindo ou contratando, tornando uma simples compra de um bem ou a contratação de um serviço uma verdadeira experiência para si. (BESER, 2011, p. 6)
É aí que entra a publicidade, desenvolvida exatamente para criar um laço entre o consumidor e o produto / serviço disponível no mercado, instituindo um diálogo entre esses e despertando o interesse do público consumidor. Ela (…) “ocupa um lugar de destaque, por estender a imagem da marca a um sem-número de pessoas, alargando assim a clientela potencial do produto ou serviço em questão” (SCHIMDT, 2001, p. 3).
Dentre as mais diversas formas de publicidade, destaca-se a publicidade comparativa, que consiste na comparação de um produto ou serviço do anunciante – a respeito de preço, qualidade, custo benefício, ou qualquer outro quesito a sua escolha – com o(s) produto(s) ou serviço(s) de um ou mais concorrentes. A publicidade comparativa pode ser tanto explícita, quando menciona explicitamente a marca do(s) concorrente(s), quanto implícita, hipótese em que é possível identificar (o)s concorrente(s), muito embora não seja explicitamente divulgada a marca do concorrente, ou quando não se possa identificar o concorrente, sendo o produto comparado com todo o mercado (DE OLIVEIRA, p, 42).
O intuito do presente estudo é tratar especificamente da publicidade comparativa explícita, em que há clara menção a uma marca de um concorrente pelo outro. Pretende-se aqui debater sobre a legalidade dessa forma de publicidade no Brasil, haja vista as normas que protegem o direito à exclusividade da marca pelo titular que a tenha legalmente registrado perante o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), bem como aquelas que defendem o direito do consumidor, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078/90.
Afinal, o que deve prevalecer – a exclusividade sobre a marca ou o direito à informação do consumidor, que tem na publicidade comparativa uma forma de obter maior informação sobre as características de produtos / serviços que deseja adquirir?
Para que se tenha um entendimento mais aclarado a respeito desse tema, o trabalho primeiramente trata dos principais aspectos relativos ao princípio da exclusividade da marca, e, logo após, da função social da marca sob a perspectiva do consumidor.
Posteriormente, é apresentada a regulamentação pública e privada hoje existente a respeito da publicidade comparativa, notadamente aquela contida no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária (CBAP), conjunto de normas éticas que rege as atividades do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR), analisando-se também a aplicabilidade deste Código diante do ordenamento jurídico estatal brasileiro.
Em sequência, avalia-se a licitude dessa forma de publicidade na sua modalidade explícita, por meio da ponderação de princípios constitucionais colidentes, tendo em vista o seu (aparente) embate com a legislação protetiva do direito marcário no Brasil. Como base para a conclusão, utiliza-se do entendimento doutrinário majoritário e de dados obtidos por meio da análise da jurisprudência do CONAR a este respeito nos últimos 10 (dez) anos.
Por fim, é apresentada uma proposta de possíveis alterações à legislação para que esta venha, de fato, a se adequar à realidade brasileira e, por conseguinte, possibilite o maior grau possível de informação ao consumidor, sem, no entanto, infringir qualquer direito de terceiro, notadamente sobre marcas alheias.

2. DO PRINCÍPIO DA EXCLUSIVIDADE DAS MARCAS

No cenário jurídico brasileiro, os direitos de propriedade industrial, que recaem sobre determinados bens móveis e incorpóreos (marcas, invenções, desenhos industriais, etc.), são tradicionalmente conceituados como direitos de propriedade, estes constituindo direitos e valores fundamentais, expressamente garantidos pela nossa Carta Magna e, também, pela legislação infraconstitucional. (CERQUEIRA, 2012, p. 99).
Ante o acima exposto, é válido dizer que a marca, um dos bens protegidos pela propriedade intelectual e tema central do presente estudo, é também considerada como uma propriedade de seu titular. Afinal, outro entendimento não se poderia ter do artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988, que outorga à marca, assim como aos demais institutos jurídicos protegidos pela propriedade industrial no Brasil, o caráter de propriedade:

“Art. 5º – (…) XXIX – a lei assegurará (…) proteção à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.” (grifos nossos)

A marca pode ser juridicamente conceituada como “todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa.” (CERQUEIRA, 2012, p. 253).
A Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei nº 9.279/96) prevê, em seu artigo 122, que “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.” Em seguida, no artigo 123, I, da mesma Lei, define como marca de produto ou serviço: “(…): aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.”.
Ou seja, tendo em vista o que determina a legislação brasileira e conforme entendimento da doutrina tradicional, marca de produto ou serviço – que é a que nos interessa neste estudo – é todo signo inserido em determinado produto ou serviço que, sendo dotado de distintividade , o diferencie dos demais produtos ou serviços idênticos ou semelhantes.
O artigo 129 da referida Lei, abaixo transcrito, é bastante claro no sentido de que o titular de uma marca somente adquirirá direitos de propriedade sobre esta quando houver o registro válido desta perante o INPI. Sendo esta concedida, terá o titular direito de uso exclusivo daquele signo no território nacional:

“Art. 129 – A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional.” (grifos nossos)

A partir das definições acima apresentadas, depreende-se que, uma vez tendo a marca caraterísticas de uma propriedade – bem móvel intangível, o titular de um signo distintivo utilizado para discriminar um produto ou serviço, que esteja devidamente registrado perante o INPI – e, importante destacar, somente após isso , será proprietário desse bem e, consequentemente, terá o monopólio sobre este sinal, estando apto a utilizá-lo com exclusividade naquele segmento de mercado . Tal propriedade sobre a marca resultará, portanto, na restrição do seu uso livre pelos demais, colocando-se o registro de uma marca em conflito com as liberdades de uso comercial daquele sinal por terceiros.
Barbosa reconhece a possibilidade de propriedade sobre bens imateriais, muito embora seja da opinião de que mencionada apropriação não decorra de um direito natural, mas de sua criação por lei. A partir dessa premissa, o autor também descreve que o direito subjetivo absoluto sobre determinado bem de propriedade intelectual somente poderá ser considerado, de fato, uma propriedade quando houver uma restrição real de direitos ou liberdades quanto a este bem. Ou seja, apenas se poderá falar em “propriedade” de um bem imaterial, como no caso de uma marca, quando a lei criar ao seu titular uma exclusividade sobre aquele, sendo este benefício ao exclusivo responsável por instituir e garantir ao seu titular determinada vantagem econômica em relação a demais concorrentes (BARBOSA – 2003 – p. 21 – 24).
Tão grande é o interesse do legislador em garantir ao titular de uma marca registrada a sua exclusividade de uso que na própria LPI foi incluído um capítulo específico para crimes contra as marcas, que garante ao seu titular o direito de intentar ações judiciais criminais contra o infrator, não obstante as existentes ações judiciais cíveis, como a ação de abstenção de uso de marca alheia (artigos 189 e 190).
É importante mencionar que o direito de uso privativo garantido pelo registro de uma marca, assim como o direito do seu titular de reprimir terceiros dela se utilizarem, não é absoluto e tão pouco irrestrito, estando condicionado às exceções estabelecidas no artigo 132 da mencionada Lei, abaixo transcritas, assim como ao equilíbrio entre este e os demais valores constitucionais e à função social da marca (artigo 5º, inciso XXIX, CF), temas estes que terão maior atenção posteriormente:

“Art. 132. O titular da marca não poderá:
I – impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;
II – impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;
III – impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e
IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.”

Para o objetivo deste trabalho, o inciso IV deste artigo merecerá especial atenção e será novamente mencionado no capítulo referente à publicidade comparativa. Destarte, destaca-se que tal exceção se aplicará somente ao uso não comercial da marca em citações. Em contraponto, estará o seu titular apto a se opor contra qualquer uso desta por terceiros com caráter comercial, utilizando-se para tanto dos artifícios previstos na legislação. Resta saber se, ao analisar o ordenamento jurídico por completo e equilibrar os valores em discussão neste estudo, esta disposição continuará a ser integralmente válida e aplicável.
Em suma, o presente capítulo abordou o princípio da exclusividade da marca, sua natureza jurídica de propriedade, características e exceções. Este princípio é considerado o valor basilar da própria existência dos direitos de propriedade intelectual, notadamente da marca – bem imaterial que será estudado neste trabalho, sem o qual não teria razão de existir. Tendo essa máxima como pressuposto, analisar-se-á agora a função social da marca e suas peculiaridades, que, como acima já se antecipou, é uma clara restrição ao direito de propriedade aqui em tela e a sua consequente exclusividade.

3. DA FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA E A PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR

Como visto no capítulo anterior, a marca possui natureza jurídica de propriedade e, como tal, está sujeita à sua função social.
A função social primária da marca é propriamente a de designar a sua origem, ou seja, indicar a proveniência de determinado produto ou serviço, protegendo o investimento do titular dispendido na criação e publicidade deste sinal, que realiza com o intuito de obter vantagem perante os seus concorrentes. Tal proteção vem, por consequente, a estimular a própria atividade empresarial e a livre concorrência como um todo. (BARONI, 2010, p. 50 – 51).
Não obstante, ainda assiste à marca uma função secundária, de ordem pública, que é exatamente a de conceder ao consumidor informações necessárias para sua exata noção e ciência daquilo que se está adquirindo – a qualidade e origem do produto ou serviço, o auxiliando em sua escolha e o protegendo de qualquer eventual dano. (BARONI, 2010, p. 50 – 51).
Nas palavras de Marco Antonio de Oliveira:

“(…) As marcas (…) também se submetem a determinados princípios constitucionais aplicados a toda Propriedade Intelectual, como o da livre-iniciativa, livre-concorrência, liberdade de expressão, direito de acesso à informação, direito cultural, sempre visando atender o interesse social e favorecer o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. (…) Dito isso, se pode extrair que a finalidade da marca – além de distinguir as atividades quanto a sua origem, sendo um direito fundado na liberdade empresarial de livre-iniciativa e livre concorrência – é auxiliar ao consumidor nas suas escolhas, reduzindo os custos de procura.” (DE OLIVEIRA, 2015, p.42). (grifos nossos)

Denis Borges Barbosa parece ter o mesmo entendimento sobre essa dupla finalidade da função social da marca ao descrever que o interesse constitucional das marcas é o de resguardar a imagem empresarial e, além disso, o de proteger o consumidor, sendo este último o seu interesse reverso. (BARBOSA, 2010, p. 10).
Depreende-se das afirmações acima feitas que a marca detém duas finalidades distintas, sendo a primeira de cunho individual, que busca resguardar exatamente o empresário titular da marca, assim garantindo, numa visão mais ampla, a livre iniciativa e a concorrência. De outro lado, existe ainda outra distinta finalidade, secundária e de cunho público, relacionada propriamente à proteção do consumidor e à sua devida informação, sendo este considerado a parte hipossuficiente da relação.
No presente capítulo, será dada especial ênfase à função social da marca relacionada ao consumidor, tendo em vista que guarda estrita relação com o tema deste trabalho e será indispensável para a conclusão que se pretende aqui obter.
Primeiramente, é indispensável trazer aqui a definição jurídica de consumidor, prevista no artigo 2º do CDC: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”.
A Constituição Federal instituiu a defesa ao consumidor como um dos direitos e garantias fundamentais do nosso país, inserindo no artigo 5º, inciso XXXII, o que segue: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Ainda, o artigo 170 da Carta inclui a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica (BARONI, 2010, p.73), como se nota adiante:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, (…) observados os seguintes princípios: (…)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;(…).” (grifos nossos)

A leitura deste artigo deixa muito clara a intenção do legislador constituinte em equilibrar a propriedade privada, a função social da propriedade e a livre concorrência junto à defesa do consumidor, externalizando que somente estará garantida a ordem econômica ao se equalizar todos esses princípios, muito embora existam situações concretas em que, ao menos num primeiro momento, se note uma aparente colidência frontal entre parte destes.
E não se esgota aí. Chamam bastante atenção os incisos III e VI do artigo 4º do CDC, que expõem como princípios da Política Nacional das Relações de Consumo:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (…)
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; (…)” (grifos nossos).

Do acima descrito, entende-se um dos motivos pelos quais a marca não é considerada um direito de propriedade absoluto, já que possui limitações claras. Uma dessas restrições não é outra se não a proteção do consumidor, que não poderá ser jamais levado ao engano devido a um direito de propriedade garantido ao titular da marca.
Afinal, para se garantir a ordem econômica, os interesses em atento – privados ou públicos – devem ser sopesados e, a partir disso, se definir qual destes deverá prevalecer em determinada situação para que não haja abalo na ordem econômica. (BARONI, 2010, p.73). Quando o direito sobre uma marca – direito de propriedade – estiver em conflito com a proteção do consumidor, haverá a necessidade de se observar qual destes deve prevalecer, sempre se levando em consideração que o direito de propriedade da marca deve atender à sua função social em sua dupla finalidade. Ou seja, quando for uma marca responsável pela incorreta informação do consumidor, a força desta, ao menos em princípio, deveria ser menor do que a força da proteção ao consumidor. Da mesma forma, caso seja necessária a citação de uma marca de terceiro para que o consumidor obtenha uma informação correta a respeito do produto ou serviço em questão, não seria esta uma exceção ao direito de exclusividade garantido àquele titular da marca?
Com o propósito de informar adequadamente e, assim, promover assistência ao consumidor, o artigo 6º do CDC enumera, dentre outros, como direitos básicos do consumidor: “III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, (…)”; e “IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.
Ainda em relação ao CDC, é indispensável ao presente estudo a citação do artigo 37, que expõe sobre a proibição de toda publicidade que seja enganosa ou abusiva, descrevendo nos parágrafos 1º e 2º a definição destas, na qual destacamos a primeira:

“§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”

Ou seja, existe clara intenção do legislador em garantir que, quando uma marca for utilizada para identificar um produto / serviço e que se utilize da publicidade para trazer a conhecimento do consumidor daquele, deverá se levar em conta sempre a veracidade das informações prestadas pelo titular daquela marca para o público. Caso contrário, estará aqui em perigo o direito do consumidor à correta informação e, portanto, será esta publicidade enganosa.
Ao tratar do princípio da veracidade nas relações consumeristas e sua relação com o direito marcário, Barbosa descreve que:

“Tal vínculo entre a marca e o produto (a “veracidade”) parece estar ainda mais claro com o Código do Consumidor (Lei 8078/90), em que a marca aparece como compromisso substantivo de qualidade que pode ser resgatado pelo usuário final dos serviços ou pelo adquirente das mercadorias ou produtos designados pela marca. A função da marca, ao afirmar a imagem reconhecível da atividade empresarial tem função relevante na apropriação dos resultados da atividade empresarial.”(BARBOSA, 2003, p. 820 – 821). (grifos nossos)

No mesmo sentido, o Código (CBAP) do CONAR, muito embora não tenha como finalidade a proteção do consumidor e muito menos seja um órgão criado para a sua defesa, possui normas específicas a respeito da necessidade de que a publicidade seja verdadeira, suficientemente clara ao consumidor e que os fatos e benefícios lá expostos referentes a determinado produto / serviço sejam passíveis de comprovação pelo anunciante, de modo a impedir que este venha a abusar da confiança prestada pelo consumidor e, por conseguinte, seja o consumidor levado ao engano. (Artigos 1º, 23 e 27 do CBAP).
Tratam-se de diretivas presentes no CBAP que o anunciante, normalmente titular da marca objeto da publicidade, deverá observar não só perante os seus demais concorrentes e ao mercado publicitário como um todo, mas também ante o seu consumidor. Caso venha a descumpri-las, poderá ser questionado a partir de representação(ões) de consumidores ou demais players de mercado, ou mesmo pelo CONAR ex officio, e ser julgada pelo Conselho do CONAR, sofrendo as sanções aplicáveis (artigo 50 do CBAP).
Inclusive, a partir de análise mais aprofundada da própria da LPI, também é possível encontrar o interesse desta Lei em garantir que a marca não venha a, de qualquer forma, enganar o consumidor ou ferir quaisquer direitos a ele garantidos. Afinal, grande parte dos incisos do artigo 124 desta Lei, que expõem as hipóteses de irregistrabilidade de uma marca pelo INPI, tem como finalidade não somente proteger o titular de determinado direito ou bem, mas o de garantir a proteção do consumidor à correta informação, evitando que este seja porventura enganado a respeito das características do bem ou serviço, seja em relação à origem, qualidade, finalidade ou mesmo que haja indevida associação com outras marcas de produtos ou serviços de terceiros. (BARONI, 2010, p. 77).
A partir da legislação aqui apresentada, conclui-se que a função social da marca impõe ao titular da marca uma obrigação de agir perante o consumidor, tendo em vista que aquele deverá utilizar de sua marca de forma tal que seja garantido ao consumidor o total e claro reconhecimento quanto à origem e qualidade do determinado produto / serviço, evitando, assim, que sejam os consumidores enganados ou que frustrem suas expectativas. Somente dessa forma é que a marca estará, de fato, cumprindo a sua função social preconizada no artigo 5º, inciso XXIX, da Carta. (BARONI, 2010, p. 78).
Uma vez entendidos o direito de exclusividade da marca, que é restrito pelo cumprimento de sua função social, como a de garantir a correta informação ao consumidor, se iniciará agora a análise do tema central da discussão – a publicidade comparativa. Esses dois aspectos – exclusividade da marca e função social da marca sob a perspectiva do consumidor – são questões principais e indispensáveis para a correta análise da publicidade comparativa explícita no Brasil, razão pela qual fizeram parte do início deste trabalho.
4. A PUBLICIDADE COMPARATIVA, SUA REGULAMENTAÇÃO E O APARENTE EMBATE COM A LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

A publicidade comparativa consiste na forma de publicidade em que o anunciante compara, direta ou indiretamente, o seu produto / serviço com outro(s) produto(s) / serviço(s) de um ou mais concorrentes, ou ainda o relaciona com todos os demais concorrentes daquele segmento de mercado, com a intenção de demonstrar ao consumidor que a sua opção é a mais vantajosa e, portanto, deve ser a escolhida.
Para tanto, utiliza-se de artifícios que beneficiam o seu produto / serviço e prejudicam o(s) comparado(s), ou, no mínimo, os coloquem em pé de igualdade, confrontando características intrínsecas ao produto / serviço, como qualidade, capacidade e quantidade, ou da oferta em si, nessa hipótese relacionando preços, formas ou mesmo condições de pagamento. (DE OLIVEIRA, 2015, p. 44)
Normalmente, essa comparação é realizada com base em concorrentes que possuem parcela maior de mercado (% em número de vendas) em relação ao anunciante, ou que, ao menos, sejam equivalentes a este, com o fim último de incrementar as vendas do anunciante e, dessa forma, adquirir este parte do market share até então destinado ao(s) seu(s) competidor(es). (DE OLIVEIRA, 2015, p. 44)
Lucia Ancona Lopes de Magalhães Dias conceitua tal tipo de publicidade como:

“(…) técnica cuja função é a de colocar em relevo a supremacia ou vantagem dos produtos ou serviços próprios do anunciante em relação aos dos concorrentes através da confrontação das características dos primeiros frente aos segundos. O anunciante contrapõe a própria oferta com a oferta de um terceiro de modo a demonstrar aos consumidores que os produtos ou serviços distribuídos sob a marca do empresário anunciante são superiores aos produtos ou serviços alheios, destacando-se, por conseguinte, a maior conveniência de sua oferta.” (DIAS, 2010, p. 249). (grifos nossos)

Dentro do gênero publicidade comparativa, existem 2 (duas) distintas modalidades: a publicidade comparativa implícita e a explícita.
O autor Lélio Schmidt as diferencia descrevendo que, na publicidade comparativa implícita, o anúncio publicitário não traz a indicação ostensiva do concorrente a que se pretende comparar, muito embora contenha, na grande parte das vezes, elementos suficientes que permitem tal identificação. Já na publicidade comparativa explícita, há direta descrição do concorrente na mensagem publicitária, sendo este, portanto, prontamente identificável. (SCHMIDT, 2001, p. 10).
De modo geral, entende-se por publicidade comparativa implícita aquela em que não há menção clara e expressa do(s) produto(s) / serviço(s) concorrente(s) comparado(s), mesmo que este(s) possa(m) vir a ser identificado(s) pelo conteúdo do anúncio. Também abrange tal denominação o tipo de publicidade em que o anunciante não faz qualquer relação com marcas de concorrentes específicos, mas compara o seu produto / serviço com todos os demais players daquele ramo, sem individualizá-los.
Já na publicidade comparativa explícita, que representa o cerne deste estudo, o anunciante expressamente cita em sua comparação a(s) marca(s) do(s) concorrente(s), não restando qualquer dúvida a respeito dos produtos / serviços objetos de tal comparação.
A respeito da legislação pertinente a este tema, muito embora o legislador pátrio tenha concedido significativa importância à regulação da publicidade, o que resultou numa legislação já bastante desenvolvida, como se denota pelas previsões e restrições contidas na Carta Magna (artigo 21, inciso XXIX), no CDC (artigos 36 a 38) e em legislação esparsa (Lei nº 4.680/65, por exemplo), o mesmo não se pode dizer da sua espécie publicidade comparativa, que não foi positivada em quaisquer destes textos legais, apesar de também não ter sido, nessas oportunidades, expressamente proibida.
Conquanto sejam genéricas e abrangentes as mencionadas normas reguladoras da publicidade, e, portanto, aplicáveis a quaisquer modalidades de publicidade, desde que não vedadas por lei, a falta de qualquer previsão legal específica para a publicidade comparativa na sua forma explícita gera dúvidas a respeito de sua legalidade no país, haja vista a existência de normas específicas relativas à proteção marcária– LPI (artigo 129 e seguintes), que proíbem o uso comercial de marcas de terceiros sem prévia autorização do seu titular.
Tal situação não causa outro efeito se não o de um elevado grau de insegurança jurídica, vez que os anunciantes no Brasil ainda têm dúvidas não apenas sobre a possibilidade de utilização dessa forma de comparação, mas também dos limites e condições aplicáveis para que esta seja aqui admitida.
Nessas circunstâncias, ainda são poucos os que estão dispostos a dispender grandes quantias no lançamento de uma campanha que, por conter comparação direta entre marcas, corra altos riscos de ser, por determinação judicial, retirada de circulação antes do período previsto, ainda tendo o anunciante de arcar com eventuais indenizações e danos à imagem de sua empresa.
Com a intenção de suprir essa lacuna na legislação, eliminar questionamentos e contornar limites e pré-requisitos aplicáveis à publicidade comparativa, o CONAR incluiu no CBAP uma seção exclusiva para ela – a Seção 7:

“Artigo 32 – Tendo em vista as modernas tendências mundiais – e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites:
a. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;
b. tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor;
c. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;
d. em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;
e. não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;
f. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa;
g. não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros;
h. quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.” (grifos nossos)

Apesar de ser este dispositivo, sem sombra de dúvidas, uma grande inovação e um relevante ponto de partida na busca de um adequado tratamento da publicidade comparativa no Brasil, não se pode afirmar que o mesmo, isoladamente, legalize a publicidade comparativa explícita no país, muito menos que supra a necessidade de uma regulamentação claraa esse respeito do próprio Estado.
Isto porque o CONAR é uma entidade privada, autorregulamentadora do mercado publicitário, “que congrega anunciantes, agências e veículos de propaganda”. (SCHMIDT, 2001, p. 4). Tal entidade foi criada para “zelar pela comunicação comercial, sob todas as formas, tendo por base o (…) CBAP, bem como atuar como órgão judicante nos litígios éticos que envolvam a publicidade ou a sua indústria.” (DOS SANTOS JUNIOR, 2010, p. 29).
No mesmo sentido, o CBAP nada mais é do que a compilação de princípios publicitários básicos estabelecidos pelo CONAR, que formam o conjunto de normas éticas disciplinadoras da publicidade válidas para aqueles que desta instituição sejam membros ou associados. Sendo um documento de caráter privado, não integra e nem poderia integrar o arcabouço legislativo estatal, razão pela qual não possui força coercitiva para repressão de eventuais descumprimentos.
De todo modo, a importância CBAP não pode jamais ser olvidada ou diminuída, vez que representa a reunião dos usos e costumes do mercado publicitário brasileiro e, dessa forma, acaba por se tornar fonte subsidiária de Direito, expressando os usos e costumes do mercado publicitário (SCHMIDT, 2001, p. 4).
Portanto, como fonte de Direito acessória que é, embora não possua a força coercitiva de lei isoladamente, não podendo se sobrepor ao ordenamento jurídico, o CBAP pode e deve ser utilizado pelas autoridades e Tribunais brasileiros como referência nos casos que tenham por base discussões acerca da publicidade. O próprio conteúdo desse Código é claro nesse sentido:

“Artigo 16 – Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio.”

Diante do cenário apresentado, não existindo qualquer disposição no ordenamento jurídico brasileiro em contrário, as normas contidas no CBAP poderão e deverão ser utilizadas como regras basilares da publicidade, de qualquer tipo ou modalidade, obviamente que sempre em conjunto e dependentes do conjunto normativo constitucional e infraconstitucional já estabelecido para a publicidade em geral.
Ocorre que, como já antecipado, em contraponto à previsão da publicidade comparativa no CBAP e ao regramento jurídico genérico para a publicidade, existem as normas protetivas das marcas na LPI, que preveem claras restrições ao uso de marcas de terceiros sem a devida autorização. Sendo esta uma lei federal e, portanto, aplicável e coercitiva a todos, é ela exatamente a justificativa para a controvérsia atualmente existente a respeito da legalidade da publicidade comparativa explícita no Brasil, vez que, a princípio, se sobrepõe a qualquer fonte subsidiária de Direito.
Vide o descrito no primeiro capítulo do presente estudo, a LPI impõe que o registro de marca concederá ao seu titular o direito exclusivo de uso sobre aquele sinal (artigo 129), sendo tal proteção também aplicável para o uso da marca em propaganda (artigo 131). Ademais, o artigo 132, que estabelece as limitações ao princípio da exclusividade de marca, estabelece como uma de suas exceções a: “IV – (…) citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.” (grifos nossos)
Ora, inexistindo qualquer norma própria para a publicidade comparativa – notadamente da explícita, mas apenas o artigo 32 do CBAP e as normas jurídicas genéricas relativas à publicidade como um todo, e a própria LPI prevendo que a exceção para citação de marca somente se aplica às hipóteses em que inexista fim comercial, o que não é o caso em qualquer tipo de publicidade, há quem entenda que a publicidade comparativa explícita seja terminantemente proibida pelo nosso ordenamento, vez que usos e costumes – CBAP – não podem jamais prevalecer sobre a lei – LPI .
No entanto, antes de se adotar essa máxima como verdadeira, é necessária uma análise sistemática e pormenorizada do ordenamento jurídico brasileiro como um todo, na busca da verdadeira intenção do legislador ao descrever cada norma, seja ela constitucional ou infraconstitucional. Em caso de conflito, será necessário sopesá-las para que, na procura por um equilíbrio, se defina qual deve prevalecer para cada situação, garantindo-se, dessa forma, a manutenção da ordem na sociedade como um todo. Somente a partir disso será possível dirimir aparentes conflitos entre princípios fundamentais, vez que o ordenamento jurídico é uno e não admite incompatibilidades.
Com essa premissa, é importante destacar que, apesar de não existir regramento específico para a publicidade comparativa, certo é que, paralelamente à exclusividade de marca, a Constituição Federal também inseriu a proteção ao acesso à informação e à defesa do consumidor como garantias fundamentais (artigos 5º, incisos XIV e XXXII). Além disso, o artigo 170 da Carta, ao descrever os princípios a serem observados para a ordem econômica, iguala o direito de propriedade à função social da propriedade e à defesa do consumidor. Tais garantias, por si só, já são suficientes para serem colocadas na balança do lado inverso ao da exclusividade de marca para que sejam ponderadas no caso específico.
A esse respeito, interessante o posicionamento de Gustavo Leonardos, que descreve ser necessária tal ponderação entre valores constitucionais aparentemente em conflito para a definição do que deverá prevalecer em cada situação:

“Há quem defenda que a propaganda comparativa tenha ficado proibida através de uma aplicação a contrário senso do item IV do artigo 132. De qualquer forma, ficou mais limitada pois o titular e o depositante da marca tiveram assegurado o direito de zelar pela sua integridade ou reputação (artigo 130, III) e a proteção de que trata a Lei 9.279/96 abrangeu expressamente o uso da marca na propaganda (artigo 131).
A publicidade comparativa que obtenha sucesso, não vai forçosamente prejudicar a reputação ou integridade da marca comparada? Mesmo a despeito da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária (artigo 38 do Código do Consumidor)? Ou nesta última hipótese poderíamos considerar que há uma inversão do equilíbrio entre as garantias constitucionais previstas nos incisos IX (“é livre a expressão da atividade…de comunicação”) e XXIX (“a lei assegurará…proteção… à propriedade das marcas”) do artigo 5º da Constituição Federal? Se afirmativa a resposta à última pergunta, podemos afirmar que para se dar esta inversão favorável ao anunciante deverá ser observada a prevalência do conteúdo informativo do reclame sobre as demais mensagens, inclusive implícitas, de caráter emotivo ou deceptivo. Caso contrário, haverá a validação da concorrência desleal, do uso indevido de marca alheia, através da propaganda comparativa.”(LEONARDOS¸1997) (grifos nossos).

Para auxiliar em tal análise, recorda-se também que o próprio direto exclusivo à marca não é absoluto, estando submetido à sua função social, que tem como finalidade secundária exatamente a correta informação do consumidor. Ou seja, conforme extensivamente abordado no segundo capítulo deste estudo, uma das funções sociais da marca é, primordialmente, propiciar maior informação ao consumidor, não podendo jamais prejudicar o seu correto entendimento a respeito do produto / serviço denominado com aquele signo distintivo.
Da mesma forma, como também mencionado no capítulo anterior, o CDC – lei federal – possui normas bastante claras protetivas do consumidor, notadamente sobre sua correta e maior informação possível a respeito dos bens / serviços que pretende adquirir / contratar.
Ora, diante do exposto, quando se tratar de uma publicidade comparativa explícita, na qual sejam expostos dados verdadeiros, objetivos e comprováveis, sem que haja dano infundado à imagem da marca e/ou da empresa comparada, não deveria prevalecer o objetivo final de informar o consumidor sobre os produtos / serviços que pretende adquirir / contratar, ao invés da exclusividade sobre um final distintivo do seu titular?
Na presente questão, caso a exclusividade da marca prevalecesse sobre o direito à informação do consumidor, entende-se que a função social da marca não seria cumprida e, portanto, não estaria condizente com os próprios preceitos constitucionais que regulamentam o direito marcário. Seria, portanto, não só um desserviço ao consumidor, como deliberação contrária à própria finalidade da marca, que é justamente a de atender os interesses sociais e favorecer o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Além do mais, ao fazer uso da publicidade comparativa, não pretende o anunciante, em qualquer momento, usurpar a marca de terceiro para si como se dela fosse titular ou confundir o consumidor a respeito da origem das marcas comparadas, mas muito pelo contrário. O que ele anseia é exatamente identificar o concorrente como titular da marca comparada e demonstrar que o seu próprio produto / serviço é melhor do que aquele ou, no mínimo, de igual valor, seja qual for o critério adotado para compará-los.
Ante o exposto, apesar de ainda existirem posicionamentos contrários à sua licitude, atualmente já são muitos os doutrinadores que defendem pela legalidade e possibilidade de utilização da publicidade comparativa explícita no cenário jurídico nacional, estes assumindo seremos direitos à informação do consumidor e à livre iniciativa prevalecentes ao direito marcário, ao menos nessa hipótese específica.
Fabio Ulhôa Coelho é um destes, que se posiciona da seguinte maneira:

“No Brasil, a rigor, a irregularidade na publicidade comparativa, frente ao direito industrial, somente existe em duas hipóteses: 1ª) se, ao mencionar a marca ou marcas da concorrência, o empresário anunciante as imita em seus produtos ou serviços ou, de qualquer forma, induz em confusão os destinatários da mensagem (esta é, inclusive, a conduta tipificada como ‘crime contra a marca’: LPI, artigo 189, I; 2ª) se a publicidade comparativa pode contribuir para a degenerescência da marca (LPI, artigos 130, III e 131; cap. 6, item 7.3.). Se não ocorrem tais circunstâncias, porém, a comparação não ofende direito de propriedade industrial;” (COELHO, 2014, p. 438). (grifos nossos)

Similar entendimento possui Lucia Magalhães, como se depreende dos trechos extraídos de sua obra abaixo transcritos:

“Do ponto de vista do consumidor, esta publicidade também apresentaria vantagens, na medida em que seria um meio legítimo – sempre que correta, verdadeira e não enganosa – de informar os consumidores, em seu próprio interesse, a respeito dos diferentes produtos e serviços existentes no mercado. Vale dizer, a publicidade comparativa apresentaria uma maior contribuição informativa, pois, quando corretamente utilizada, forneceria maiores elementos sobre os quais orientar a decisão de compra e, de qualquer modo, a tornar o público melhor informado da realidade do mercado.” (DIAS, 2010, p. 252 – 253). (grifos nossos)

“Haveria, por assim dizer, uma certa flexibilização do direito de exclusividade sobre a marca em favor da livre concorrência e do direito à informação, quando verificada uma publicidade comparativa lícita de atividades, bem ou serviços.” (DIAS, 2010, p. 255) (grifos nossos)
“(…) com o reconhecimento da publicidade comparativa enquanto comunicação de mercado, não mais se pode atribuir àquele anunciante que faz referência ao produto ou marca alheia para possibilitar uma comparação de suas diferentes vantagens (inclusive de preço), uma violação per se ao direito de exclusividade do titular da marca.” (DIAS, 2010, p. 264) (grifos nossos)

Da mesma forma, Alberto Camelier crê ser a propaganda comparativa “aceitável, podendo a um só tempo ilustrar, orientar e divertir o consumidor.” Para esse autor, será lícita a publicidade comparativa sempre que observe os princípios éticos e da lealdade comercial (CAMELIER, – 2000, p. 48 – 49).
Luiz Guilherme Veiga Valente, ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, se posiciona também favorável à licitude da publicidade comparativa explícita, esclarecendo que apenas será possível vislumbrar uma ilegalidade nesse tipo de publicidade diante da situação concreta, no caso de tal comparação ocasionar danos ao titular da marca utilizada, seja pela inveracidade das informações passadas, seja pelo denegrimento do concorrente:

“(…) não há, dentro da lógica do nosso sistema jurídico, razão para se entender como regra geral a proibição da menção à marca do concorrente, para a comparação de produtos em anúncio comercial, quando tal referência traga benefícios ao consumidor e à concorrência, pela disseminação de informações e pela possibilidade de auxiliar a entrada de novos agentes (…). Dessa forma, eventuais proibições verificar-se-iam apenas no caso concreto, na hipótese de a comparação e a menção direta ao concorrente, do modo como construídas, tiverem alta probabilidade de causar prejuízos à livre concorrência e ao público consumidor, seja pela falta de veracidade nas informações, seja pela sugestão negativa ao produto concorrente (…).” (VALENTE, 2015, p. 33). (grifos nossos)

No mesmo sentido, Marco Antonio de Oliveira, em seu estudo “A Publicidade Comparativa Sob o Prisma Marcário, Concorrencial e Consumerista”, entende como lícita a publicidade comparativa que se utilizar de fatos verídicos e que for benéfica ao consumidor, ajudando-o a escolher o melhor para si, desde que não cause riscos de danos injustificados à marca comparada. Ainda, conclui que:

“(…) as normas legais normalmente apontadas na Lei da Propriedade Industrial para tentar justificar uma possível proibição da publicidade comparativa, em verdade, quando analisadas juntamente com todo o ordenamento jurídico e tendo em vista a finalidade da marca, não vedam toda e qualquer publicidade comparativa, mas sim aquelas que estão em desacordo com os princípios gerais do direito.” (DE OLIVEIRA, 2015, p. 49). (grifos nossos)

Com o mesmo raciocínio, Fernanda Beser conclui seu trabalho de Pós Graduação “A publicidade comparativa e o direito do consumidor à informação” entendendo ser essa modalidade amplamente aceita e até incentivada no Brasil, não constituindo a mera menção ou citação da marca do concorrente uma infração aos seus direitos de propriedade industrial. Nesse sentido, descreve que, “(…) muito embora não exista previsão legal específica que discipline a matéria, a publicidade comparativa não encontra, a priori, nenhum óbice na legislação pátria (…)” e, consequentemente,“(…) não deve ser considerada, per se, abusiva ou enganosa, devendo ser aplicados a esta os mesmos filtros e parâmetros cabíveis a quaisquer outras técnicas publicitárias.”(BESER, 2011, p. 45).
Pelo todo exposto no presente capítulo, a partir da ponderação dos interesses em conflito e da análise dos benefícios trazidos por cada um destes ao particular e/ou à sociedade, bem como do melhor entendimento da função social da marca sob a perspectiva do consumidor, entende-se pela legalidade da publicidade comparativa explícita no Brasil, devendo a garantia fundamental do direito do consumidor à informação prevalecer sobre a exclusividade da marca do titular, sob pena de infração aos ditames constitucionais e de prejuízo da própria sociedade.
Todavia, para que assim seja considerada, esta deverá também sempre obedecer a pré-requisitos, condições e limitações gerais existentes para todo o tipo de publicidade, que estão previstas na Constituição Federal, no CDC, em toda e qualquer legislação esparsa a esse respeito, bem como no CBAP, que, como já ficou entendido, é fonte subsidiária de Direito e deve ser assim observado.
Ou seja, para que seja admitida da forma acima descrita, a publicidade comparativa explícita deverá cumprir com os requisitos de licitude regulamentados para a publicidade em geral, bem como com aqueles previstos especificamente para essa modalidade no CBAP (artigo 32), dos quais se destacam: (i) veracidade nas informações e na comparação, vez que o consumidor não poderá jamais ser levado a erro; (ii) objetividade, utilizando-se de características objetivas do produto / serviço ou de sua oferta, vez que dados subjetivos não são uma base válida de comparação perante o consumidor; (iii) não denegrimento da imagem da marca e/ou da empresa concorrente sem justificativa fática; (iv) suficiente clareza na comparação, não induzindo e impossibilitando qualquer tipo de confusão entre produtos e marcas concorrentes.
Caso a publicidade não cumpra quaisquer desses requisitos no caso concreto, sendo considerada antiética, subjetiva, inverídica, enganosa ou mesmo não comprovável, causando prejuízos ao próprio consumidor e/ou danos infundados e injustificáveis ao titular da marca concorrente, será a publicidade comparativa explícita, considerada ilícita, constituindo flagrante infração à marca de terceiros (artigos 129, 132, IV, e 189 da Lei nº 9.279/96) ou mesmo concorrência desleal (artigo 195, da Lei nº 9.279/96), estando o anunciante suscetível às sanções determinadas pela legislação marcária, concorrencial e, inclusive, consumerista (artigo 37, CDC). (COELHO, 2014, p. 439).
5. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO CONAR DOS ÚLTIMOS 10 (DEZ) ANOS

Com o intuito de garantir maior credibilidade e fundamentação às conclusões obtidas neste estudo, realizou-se também uma análise pormenorizada das decisões relacionadas à publicidade comparativa proferidas pelo CONAR nos últimos 10 (dez) anos.
Isto porque, tendo em vista que se entendeu ser o CONAR uma entidade privada, que utiliza de usos e costumes próprios do mercado publicitário, estipulados no CBAP, para proferir suas decisões nos casos concretos que chegam à sua análise, o acesso ao conteúdo dessas lides auxilia e é de extrema relevância para um melhor entendimento do tema objeto desse estudo, uma vez que demonstra exatamente a visão atual do mercado e, porque não dizer, da sociedade como um todo a respeito da aplicabilidade da publicidade comparativa no cenário socioeconômico atual, bem como possibilita o melhor entendimento de quais são as delimitações atualmente impostas e estipuladas costumeiramente pelos próprios players do mercado.
O próprio CONAR disponibiliza, em seu website (www.conar.org.br/), gráficos que demonstram a quantidade de questionamentos existentes por ano, segmentando-os em porcentagem por tipo de questionamento. A análise dos mencionados gráficos do último decênio permite o entendimento de que não mais do que 12% de todas as representações por ano protocoladas perante esta entidade se referem à publicidade comparativa. Ou seja, dentre uma média de 350 de questionamentos/ano apresentados ao CONAR, somente cerca de 10% destes tem relação com a publicidade comparativa, este número já abarcando ambas as modalidades – a publicidade implícita e a explícita.
Aqui, chama a atenção uma ressalva incluída pelo próprio CONAR a respeito da possibilidade de ser um mesmo questionamento enquadrado em distintas definições, podendo, por exemplo, um mesmo caso estar contido tanto em apresentação verdadeira, como em respeitabilidade e em publicidade comparativa. Assim, existe a possibilidade de que os dados e números obtidos por estas tabelas gerem falsas intepretações.
Para evitar qualquer entendimento equivocado, optou-se também pelo exame de todos os casos relativos à publicidade comparativa que tenham sido julgados pelo CONAR no período compreendido entre fevereiro de 2006 e junho de 2015 e estejam publicados no website. Abaixo, encontra-se tabela simplificada dos resultados obtidos com a pesquisa:

Nº casos publicidade comparativa (PC) apurados: 293 Nº casos PC julgados por ano
(julgamento final, sem repetição)
Ano Quantidade
Nº casos PC explícita: 35 2006 34
2007 32
Decisão CONAR: Nº 2008 27
Alteração 16 2009 30
Arquivamento 04 2010 32
Sustação 14 2011 33
Divulgação pública 01 2012 33
2013 33
2014 23
2015 (até junho) 16

Verificou-se que, dentre todos os processos instaurados nesses 10 (dez) últimos anos perante o CONAR, totalizando mais de 3.000 casos, somente 293 das decisões proferidas tiveram relação com o gênero publicidade comparativa, aqui considerando tanto a publicidade explícita, como a implícita, estando ainda abarcado no conceito desta última modalidade aquele anúncio que se utiliza de superlativos para informar que o produto / serviço do anunciante é o melhor ou que possui a melhor oferta em relação a todo aquele segmento mercadológico, sem qualquer comparação específica.
Os dados acima descritos deixam claro o ainda baixíssimo uso pelos anunciantes dessa forma de publicidade e, consequentemente, o baixo índice de reclamações perante essa entidade a seu respeito. Afinal, como se pode perceber, os números relativos à publicidade comparativa são menores do que praticamente todos os outros institutos avaliados pelo CONAR, ficando diversas vezes abaixo de queixas relacionadas a direitos autorais, por exemplo.
Ao tratar especificamente da publicidade comparativa explícita, no qual há clara menção à marca de terceiros, a quantidade de casos é ainda muito menor: da totalidade de 293 casos relativos ao gênero publicidade comparativa, foram encontrados somente 35 casos da sua modalidade explícita, o que representa somente 12% (doze por cento) de toda a publicidade comparativa analisada por este Órgão durante esses 10 (dez) últimos anos.
Desse já baixo número de casos, o CONAR ainda decidiu pela alteração de 16 (dezesseis), sustação de 14 (quatorze) e 1 (uma) divulgação pública de determinado esclarecimento ao público. Ou seja, de todas as representações julgadas pelo CONAR relacionadas à publicidade comparativa explícita, aproximadamente 90% (noventa por cento) tiveram algum problema e precisaram ser revistas e/ou retiradas do ar.
Diante de todas as informações obtidas, torna-se claro que as dúvidas e incertezas a respeito da licitude da publicidade comparativa, notadamente em sua forma explícita, ainda não foram superadas. Tal análise demonstrou claramente que o anunciante ainda é tímido e receia fazer uso desse artifício em seus anúncios, chegando-se à conclusão de que ainda existe muito a se evoluir sobre o tema.
Além disso, outro ponto que chamou bastante atenção é que a grande maioria dos casos de publicidade comparativa instaurados no CONAR está relacionada a apenas 3 (três) distintos ramos de negócio: automóveis, produtos de limpeza e empresas de telefonia / internet. Isso demonstra que a publicidade comparativa ainda está muito concentrada em poucos players, corroborando com o entendimento de que ainda há um alto grau de incertezas a esse respeito por grande parte do mercado publicitário.
Ademais, notou-se que grande parte dos anunciantes que já fez uso da publicidade comparativa explícita ainda não possui – queira se acreditar, serem empresas de boa-fé – o conhecimento relativo aos limites éticos e, inclusive, legais para que a publicidade comparativa seja admitida. Por esta razão, muitos desses casos foram julgados como inadequados, tendo sido requerida a sua alteração ou, ainda, sua sustação.
Portanto, a conclusão do exame jurisprudencial leva ao mesmo entendimento já obtido anteriormente: muito embora o artigo 32 do CBAP seja bastante avançado e traga preceitos que devem ser adotados para uma publicidade comparativa ética, ainda é necessário propiciar maiores garantias e informações ao anunciante a respeito das comparações explícitas, de modo que este tenha plena ciência dos preceitos e limites aplicáveis ao uso desta forma de publicidade e, a partir disso, tenha maior interesse em fazer uso dela.
De todo modo, a conclusão de maior importância e positiva obtida nessa avaliação é a de que o CONAR já possui entendimento pacífico a respeito da viabilidade de uso da publicidade comparativa explícita no mercado publicitário brasileiro. Em todas as decisões analisadas, o fundamento utilizado para a alteração ou sustação de um anúncio nunca foi o uso indevido de marca individualizado, mas sim o descumprimento a um ou mais critérios éticos estabelecidos no artigo 32 do CBAP, como a subjetividade da comparação, a falta de dados que a comprovem ou mesmo afirmações inverídicas. Ou seja, isso significa que o CONAR é a favor da possibilidade de uso da publicidade comparativa explícita.
Para ilustrar essa afirmação, utiliza-se como exemplo uma decisão proferida em 2010, no qual decidiu o CONAR pela alteração do anúncio não por conta do uso indevido de marca, mas pelo uso de subjetividade, fatos inverídicos ou não comprováveis, os classificando como “meias verdades”:

Anúncio: HYUNDAI I NOVO I 30 2011
Mês / Ano Julgamento: Dezembro/2010
Representação nº: 330/10
Autor(a): Conar, a partir de queixa de consumidor
Anunciante: Hyundai Caoa e Z+ Comunicação
Relator(a): Conselheiro Ricardo Ramos Quirino
Câmara: Primeira Câmara
Decisão: Alteração
Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 27, parágrafos 1º, 2º e 3º, 32 e 50, letra “b” do Código
Resumo: Consumidor de São Paulo queixou-se ao Conar de comparação contida em anúncio para a TV da Hyundai Caoa, para promover o modelo i30. Do filme, consta a afirmação que “superou o Jaguar e foi eleito o melhor carro pelos ingleses”. Para o consumidor, faltou informar as fontes que baseiam as afirmações e explicitar com qual modelo do Jaguar o i30 foi comparado.
Em sua defesa o anunciante e sua agência, a Z+ Comunicação, explicam que as afirmações originaram-se na imprensa inglesa e que isso é dito no filme. Como o i30 foi posicionado em primeiro lugar na preferência dos consumidores daquele país, anunciante e agência consideram justificável a afirmação de que o Jaguar foi superado.
O relator iniciou seu voto lembrando a elevada frequência com que casos dessa natureza são associadas à Hyundai Caoa e Z+ Comunicação. Ele aponta o que chamou de meias verdades e distorções na tradução dos termos das pesquisas que serviram de base para as afirmações. O relator propôs a alteração do anúncio, de forma a que ele corresponda às afirmações exatas contidas nas pesquisas. Recomendou também a exposição mais adequada das fontes. Da forma como aparecem no filme, o relator considerou que é impossível apreendê-la. (grifos nossos).

Ou seja, será admitida a publicidade comparativa explícita pelo CONAR, desde que se cumpram os padrões éticos e legais previstos no CBAP e na legislação a respeito da publicidade. Isto significa que, nos 90% (noventa por cento) casos que foram sustados, alterados ou mesmo em foi necessária uma divulgação pública, os anunciantes não foram “condenados” por conta do uso indevido de marca alheia, mas por não seguirem os padrões, princípios e limitações éticos previstos neste artigo, faltando com a verdade, apresentando fatos não passíveis de comprovação ou sendo subjetivos, gerando prejuízo injustificado à imagem do concorrente.
Em suma, pela análise aqui realizada, tornou-se claro já ser entendimento do CONAR de que a publicidade comparativa explícita é válida e que deve ser aplicável no Brasil. No entanto, para que assim ela seja considerada, é necessário que o anunciante siga com os princípios e limites éticos estabelecidos não só pelo artigo 32 do CBAP, mas com os demais do mesmo Código, que são desdobramentos daqueles previstos na própria Constituição Federal e no CDC relativos à relação consumerista e ao direito à informação do consumidor.
Falta, portanto, somente uma regulamentação do Estado mais clara a respeito da possibilidade de uso dessa modalidade de publicidade, que mencione expressamente a possibilidade de uso de marca de concorrentes em comparações, desde que de forma leal, ética e objetiva. Somente assim a publicidade comparativa explícita passará a ser, realmente, utilizada pelos mais diversos segmentos de mercado, o que só trará benefícios ao mercado, ao consumidor e à sociedade como um todo.

6. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NA LEGISLAÇÃO

Muito embora tenha sido comprovado nesse estudo que o direito do consumidor à informação deva prevalecer sobre o da exclusividade da marca, sendo, portanto, lícita a publicidade comparativa explícita, a verdade é que o cenário atual ainda traz dúvidas e incertezas sobre o uso pacífico desta modalidade.
Resta-se, portanto, inquestionável a necessidade de alteração da atual legislação brasileira, de modo a eliminar, definitivamente, a controvérsia hoje existente a respeito desse tema. Afinal, somente dessa forma terão os anunciantes maiores garantias e se sentirão seguros o suficiente para publicarem anúncios contendo essa modalidade de publicidade, desde que, obviamente, sigam os ditames legais e éticos já estabelecidos para qualquer forma de publicidade.
A partir dessa conclusão, é necessário buscar a melhor forma de incluir essa possibilidade de uso em nossa legislação, alterando o mínimo possível o ordenamento jurídico já existente.
A respeito desse tema, relata-se, novamente, já existirem normas gerais acerca da publicidade genérica no ordenamento jurídico constitucional e extraconstitucional, sendo estas válidas para qualquer tipo de publicidade, desde que não esteja expressamente proibida em lei. Ou seja, não havendo disposição em lei em contrário, essas se aplicarão também à publicidade comparativa explícita.
Portanto, a controvérsia em tela se refere estritamente às disposições acerca da exclusividade de marca presentes na LPI. Por essa razão, a proposta de alteração aqui apresentada foi realizada exatamente no conteúdo do artigo 132 da LPI, que estabelece as exceções à exclusividade de marca.
Como se pode observar, propõe-se a abaixo inclusão de um pequeno texto ao final do inciso IV – “(…), ressalvado o disposto no inciso V”, assim como a inclusão do inciso V, totalmente novo, que se referiria exclusivamente à exceção do uso de marca em propagandas comparativas:

“Art. 132. O titular da marca não poderá:

(…)

IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo,” ressalvado o disposto no inciso V;

V – impedir a citação da marca por terceiros em publicidades comparativas, desde que observada a veracidade, a objetividade e demais preceitos relativos à publicidade, e que os dados e resultados comparados sejam passíveis de comprovação pelo anunciante.”

Entende-se que essas simples modificações e inclusões no artigo 132 da LPI já seriam suficientes para eliminar, em definitivo, quaisquer questionamentos a respeito da legalidade da publicidade comparativa explícita no Brasil, tornando-a, dessa forma, inquestionavelmente lícita.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresentou a controvérsia atualmente existente relativa à legalidade da publicidade comparativa explícita no Brasil, tendo em vista o aparente embate entre a exclusividade de marca e o interesse do consumidor à informação no cenário jurídico nacional.
Para tanto, foram apresentados os principais pontos relevantes para esta discussão, notadamente sob a ótica do direito do consumidor, tendo-se chegado à conclusão de que esta modalidade de publicidade comparativa é lícita e aplicável no Brasil, mas que precisa ser mais bem especificada e definida na legislação, de modo a garantir maior segurança para os anunciantes que dela pretendam fazer uso.
Em suma, foi primeiramente descrito o motivo pelo qual esse tema ganhou maior importância nos últimos tempos, qual seja, o aumento da competitividade entre os concorrentes, que precisam buscar por novas formas de conquistar sua clientela e, assim, evitar que sejam “engolidos” pelos demais concorrentes.
A partir disso, apresentou-se o princípio da exclusividade da marca, que prevê o uso exclusivo de determinado sinal, dentro do território nacional, por aquele titular que tenha obtido registro de marca perante o INPI. Além disso, esclareceu-se aqui que as exceções a este princípio estão taxativamente expostas nos incisos I a IV do artigo 132 da LPI, sendo que qualquer uso distinto deste pode ser considerado uso indevido de marca alheia e, portanto, infração ao direito de marca, assim como um ato de concorrência desleal.
Em seguida, analisou-se a função social da marca e a perspectiva desta perante o consumidor. Restou claro que a finalidade secundária da marca é a de informar o consumidor a respeito da origem e qualidade de determinado produto ou serviço, de forma a evitar o entendimento incorreto ou confusão por parte deste. Caso a marca não traga esse benefício ao consumidor ou, ao contrário, venha a prejudicar o consumidor, não estará cumprida a função social da marca e, portanto, não deverá o seu direito de propriedade prevalecer, nos termos da própria Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXIX).
Posteriormente, uma vez entendidos tanto o princípio da exclusividade de marca, quanto a função social da marca, sendo este um limitador àquele, passou-se à conceituação da publicidade comparativa e de suas 2 (duas) modalidades – a implícita e a explícita, dando especial enfoque à última, que é o tema principal em discussão.
Logo após, analisou-se a legislação a respeito da publicidade em sua forma genérica e, em seguida, passou-se ao exame da aplicabilidade do artigo 32 do CBAP perante o arcabouço legislativo estatal, tendo em vista ser este um conjunto de normas éticas criadas por entidade privada – CONAR, não se sobrepondo jamais à Lei. Concluiu-se que este será admitido como fonte subsidiária de Direito, sempre em conjunto com as demais normas relativas à publicidade genérica (Constituição Federal, CDC e legislação esparsa), desde que não haja nenhuma lei em contrário.
Uma vez a LPI vedando o uso comercial de marca de terceiro sem autorização para tanto, para a admissão da legalidade da publicidade comparativa explícita, foi necessário sopesar os princípios constitucionais em conflito – a exclusividade da marca versus o direito do consumidor à informação. Ficou entendido que, nesse caso em específico, deverá a informação ao consumidor prevalecer sobre o exclusivo sobre a marca, desde que sejam observados os demais preceitos legais e éticos válidos para a publicidade como um todo.
Para auxiliar tal entendimento, analisou-se a jurisprudência do CONAR dos últimos 10 (dez) anos, verificando-se que o CONAR já entende pela validade de uso da publicidade comparativa explícita, desde que observados os padrões éticos no CBAP já estabelecidos (veracidade, objetividade, uso de fatos comprováveis e com fonte, clareza na comparação, não denegrimento injustificado da imagem do concorrente). Concluiu-se também que ainda são poucos os anunciantes que fazem uso desta técnica, posto ainda terem insegurança a respeito de sua legalidade. Ademais, a grande parte dos anunciantes que faz uso da publicidade comparativa explícita em seus anúncios ainda comete erros em relação aos limites e pré-requisitos necessários para que seja a sua publicidade considerada lícita, correta e ética.
Tendo em vista as conclusões aqui obtidas, o trabalho é finalizado com uma proposta de alteração no texto do artigo 132 da LPI, entendendo ser esta suficiente para que a licitude da publicidade comparativa explícita deixe de ser controversa no Brasil e, por conseguinte, passe esta a ser mais utilizada pelo mercado, trazendo benefícios tanto aos anunciantes, como aos consumidores nacionais.

8. REFERÊNCIAS

ADIERS, Claudia Marins. Importações Paralelas e Seus Reflexos no Direito Contratual e Concorrencial. Revista da ABPI – nº 64 – Mai/Jun 2003.

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