Quanto um compositor ganha pelo seu play em streamings? Entenda o pagamento de direitos autorais

Compositores dividem entre si menos de 10% da receita de publicidade e assinaturas dos serviços de streaming no Brasil. Ecad e associações tentam aumentar valor.

O Brasil parou, e um dos setores mais afetados foi o musical. Sem shows, bares, restaurantes, eventos, festas de fim de ano e carnaval, a arrecadação de direitos autorais caiu 15% no primeiro semestre deste ano – e a queda chegou a 85% em setores específicos.

A área de streamings foi uma das poucas que apresentou aumento de faturamento em relação ao ano anterior e foi vista como uma das salvações possíveis para a indústria musical.

Mas a arrecadação de direitos autorais via streaming é justamente uma das mais complexas no mercado atualmente por conta do volume gigantesco de artistas, músicas e plays. Com tanta reprodução na jogada, o valor unitário fica pequeno demais, explicam as entidades que representam compositores e editoras de músicas.

O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão responsável pela arrecadação e distribuição desses direitos no Brasil, conversa com as plataformas para tentar aumentar o valor pago por elas neste momento crítico.

Menos de 10% para os compositores

Os valores pagos por cada empresa são únicos e confidenciais, negociados caso a caso. Mas o Ecad e a UBC (União Brasileira de Compositores) dizem que a média é de 12% das receitas das plataformas com publicidade (no caso de usuários com contas gratuitas) e assinaturas.

Desses 12%, 3% são destinados ao Ecad (e distribuído pelos profissionais da música representados pela instituição) e 9% são repassados para divisão entre compositores e editoras musicais (empresas que gerenciam e licenciam repertórios). A porcentagem exata depende do tipo de contrato entre editoras e artistas.

Portanto, sobra aos compositores menos de 10% da receita gerada com as músicas na plataforma.

A conta se complica, porém, porque esses 9% são divididos entre todos os compositores do Brasil proporcionalmente à quantidade de vezes que suas músicas foram tocadas no período.

É como uma regra de três:

  • O total de reproduções (ou plays) dados em um período equivalem ao valor geral da arrecadação;
  • Esse valor é divido pela quantidade total e chega-se ao valor de um único play;
  • O artista recebe esse valor multiplicado pela quantidade de vezes que sua música foi tocada.

Por que é complexo?

Como ouvimos milhares de músicas por dia, o valor de cada “stream” é muito baixo, “vale menos de um centavo”, segundo Peter Strauss, gerente de relações internacionais, distribuição e licenciamento da UBC. Se um compositor tem poucos plays, pode receber quase nada.

Outros dois problemas entram nessa conta: a volatilidade e o tamanho do mercado.

Como o número de assinantes e os acordos de publicidade variam mês a mês, varia também o valor que os 12% da receita representam – e, consequentemente, o valor o do play. Portanto, se um mês registra perda de assinantes e poucos contratos publicitários, o dinheiro para ser rateado fica mais baixo.

Além disso, o valor da receita em países emergentes, como o Brasil, é mais baixo que em economias mais sólidas, segundo o Spotify. A assinatura individual do serviço aqui é R$ 19. Nos Estados Unidos, é US$ 9,90 (R$49,90). Isso também contribui para o valor baixo da reprodução.

“Os valores de pagamento por stream variam de país pra país. Especificamente no que diz respeito a royalties digitais, os valores no Brasil ainda são bastante inferiores aos valores pagos no exterior por cada stream”, diz André Morrissy, diretor-geral da GR6 Music.

TVs ainda são melhor negócio

A televisão ainda é o segmento que melhor remunera autores. É da execução em trilhas sonoras de redes de televisão aberta e fechada que veio 42,43% do valor arrecadado em direitos autorais em 2020.

Em seguida, estão o rádio (18,43%), shows e eventos (13,88%), serviços digitais (12,16%), clientes gerais (9,32%) e cinema (3,77%), segundo dados do Ecad.

O pagamento de direitos com televisão também segue o modelo dos streamings: uma porcentagem acordada das receitas é dividida entre os autores de acordo com o tempo de exposição da música na programação.

“A grande diferença é que o pagamento de cada artista é maior. A Rede Globo, por exemplo, tem um contrato de x% de receita com publicidade por mês ou trimestre. A diferença é na hora de distribuir o dinheiro. A TV distribui para um universo muito menor de obras porque elas tocam na programação e não infinitamente, como nos streamings. Assim, o valor do play na TV é muito mais alto”, explica Strauss.

“Uma música tocar todo dia em uma novela é um dinheiro excelente, é uma boa remuneração. Se uma novela teve 200 capítulos e a música tocou 200 vezes, o valor é alto. Se a mesma música tocar 200 vezes no YouTube, o play vai valer uma merreca porque a porcentagem do YouTube é dividida entre todos os artistas que estão na plataforma.”

A fatia do streaming no pagamento de direitos autorais aumenta a cada ano e a tendência é que esse crescimento continue, segundo o gerente da UBC.

De acordo com diretor geral da Deezer no Brasil, Marcos Swarovsky, o país ainda tem um grande consumo de músicas por vias alternativas, por serviços ou plataformas que não pagam artistas. Justamente por isso, o mercado de streaming tem espaço para crescer.

“Para cada 1 usuário de plataformas de streaming de música, existem 2 usuários que escutam música de maneira alternativa”, explica. Ele diz que o investimento das plataformas em promoções de assinaturas e testes gratuitos durante a quarentena ajudou a popularizar as plataformas e aumentar a receita repassada aos artistas.

Mudança de modelo

O modelo que domina o mercado hoje se chama pro rata e é calculado da maneira explicada no gráfico do começo da reportagem. Mas há uma discussão entre algumas empresas para que se adote um modelo centrado no comportamento do usuário e relacione o valor pago por esse usuário ao conteúdo que ele escuta.

“Recentemente, houve uma série de manifestações em todas as sedes do Spotify no mundo com uma solicitação em comum para que as plataformas passem a focar no usuário, o chamado modelo ‘user-centered’. Segundo estudiosos do tema, tal modelo ajudaria a diminuir a enorme diferença entre artistas de altíssimo porte e menor porte”, explica Morrissy.

Na Deezer, o modelo vem sendo testado. “Nós estamos propondo para o mercado o sistema que chamamos de UCPS (User Centric Payment System), onde o cálculo de remuneração é feito na porcentagem de consumo de cada usuário. Vamos supor que em um mês você só ouviu 10 músicas de 3 artistas diferentes, a porcentagem da sua assinatura que será destinada ao pagamento de royalties irá, proporcionalmente, somente para esses três artistas, e não distribuídos entre outros artistas ouvidos”, explica Swarovsky.


Fonte: G1 | Clipping: LDSOFT
Foto: Socialismocriativo