Resolução da ABPI nº 90

EM 21 DE FEVEREIRO DE 2017, O COMITÊ EXECUTIVO E CONSELHO DIRETOR DA ABPI, COM A COLABORAÇÃO DAS COMISSÕES DE ESTUDO DE CULTIVARES E DE PATENTES APROVARAM A PRESENTE RESOLUÇÃO.

 

Assunto: Projeto de Lei Nº 5557/16, do Deputado Nilson Leitão (PSDB/MT), que altera a Lei Nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que dispõe sobre os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e dá outras providências.

 

  1. a) CONSIDERANDO que, nas últimas duas décadas, a base tecnológica utilizada na agricultura tem passado por grandes transformações e que uma das mais importantes inovações nesta seara é a modificação genética de plantas com DNA recombinante, que permite a obtenção de linhagens de plantas com diversas características de interesse, tais como resistência a insetos, fungos e vírus, tolerância a herbicidas e maior concentração de nutrientes;

 

  1. b) CONSIDERANDO que os custos e tempo investidos na pesquisa e desenvolvimento de variedades vegetais através da atividade de melhoramento, bem como no desenvolvimento de invenções biotecnológicas como construções gênicas, DNAs quiméricos, vetores e técnicas de transformação, incorporadas em variedades vegetais geneticamente modificadas com novos traços genéticos (traits), são demasiados altos;

 

  1. c) CONSIDERANDO que, com a adequada proteção da propriedade intelectual de variedades de plantas e das invenções da biotecnologia moderna ligadas à agricultura, garante-se a segurança jurídica indispensável para a recuperação desses elevados custos e a manutenção de um ambiente fértil para P&D na agricultura no país;

 

  1. d) CONSIDERANDO que o Brasil internalizou o TRIPs (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – Acordo Relativo aos Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) no ordenamento jurídico pela promulgação do Decreto Nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, o qual estabelece padrões mínimos para a proteção da Propriedade Intelectual a serem aplicados aos países signatários da OMC e dá a opção aos países-membros para a proteção intelectual das variedades vegetais por um sistema patentário, um modelo sui generis ou uma combinação de ambos (artigo 27.3(b)), optando o Brasil pelo modelo sui generis;

 

  1. e) CONSIDERANDO que a Lei de Proteção de Cultivares e a Lei da Propriedade Industrial regulam objetos jurídicos diferentes, quais sejam: a variedade vegetal (objeto do certificado de proteção de cultivar) e construções gênicas, DNA quimérico e processos biotecnológicos (objeto da patente), e que, portanto, a invenção biotecnológica não se confunde com a variedade vegetal, podendo coexistir;

e)

  1. f) CONSIDERANDO que os direitos de Propriedade Intelectual são previstos na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXIX, e que, portanto, todo trabalho oriundo do intelecto humano é considerado na Constituição Federal “tendo em visa o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”;

 

  1. g) CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu artigo 170, dispõe que a ordem econômica deve ter sua base na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observado, dentre eles, o princípio da livre concorrência (artigo 170, inciso IV);

g)

  1. h) CONSIDERANDO que os trabalhos legislativos conduzentes à aprovação da Lei N° 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial atualmente vigente), após amplos debates, resultaram nessa lei mundialmente reconhecida por constituir um corpo normativo equilibrado sobre Propriedade Intelectual, compatível com os tratados internacionais vigentes no Brasil e que regula as patentes de maneira moderna e estável;

h)

  1. i) CONSIDERANDO que o PL Nº 5557/16 visa introduzir alterações a pilares fundamentais das normas já existentes sobre patentes, pondo em risco o equilíbrio de todo o sistema,

A Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), após ter discutido e analisado os dispositivos do PL Nº 5557/16, no âmbito das Comissões de Estudos de Cultivares, Patentes e Biotecnologia, firma a presente Resolução para o fim de demonstrar, concluir e recomendar o quanto segue:

  1. Art. 1° do PL Nº 5557/16 – O artigo 18 da Lei Nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que dispõe sobre os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, passa a vigorar com a seguinte redação:

I.

“Artigo 18 – Não são patenteáveis:

I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;

II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e

III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

  • 1º. Para os fins desta Lei, microrganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.
  • 2º. Na agricultura, a utilização ou comercialização de cultivar portadora de microrganismos transgênicos, genes ou evento biotecnológico, ficam condicionados à prévia inscrição, com o número da patente, a descrição da biotecnologia nela introduzida e o respectivo benefício, da respectiva cultivar no Registro Nacional de Cultivares (RNC), previsto na Lei de Proteção de Cultivares.
  • 3º. Nas relações comerciais entre as empresas detentoras de eventos biotecnológicos (gene transgênico) e as empresas de melhoramento vegetal (germoplasma), o(s) gene(s) e o(s) processo(s) de transgenia patenteado(s) nos termos desta Lei não serão passíveis de constituírem reserva de mercado e nem serem objeto de monopólios ou oligopólios, de forma a permitir a terceiros interessados o amplo e oportuno acesso aos mesmos, desde que devidamente remunerado o titular da respectiva patente.” (grifos nossos).

 

A ABPI opõe-se veementemente à inclusão dos parágrafos 2º e 3º ao artigo 18 da LPI, uma vez que a proteção por patentes sobre genes e processos biotecnológicos não deve ser confundida com o objeto da Lei de Proteção de Cultivares, a Lei Nº 9.456, de 25 de abril de 1997, a qual dispõe sobre a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a variedades vegetais.

Cabe ressaltar que o direito de patentes constitui um privilégio temporário conferido ao seu titular para impedir que terceiros sem o seu consentimento utilizem o seu objeto, conforme garantia fundamental prevista no artigo 5º, XXIX da Constituição Federal, bem como a obrigação internacionalmente assumida pelo país através do artigo 28.1 do acordo TRIPS (internalizado através do Decreto Nº 1355/1994).

Portanto, o direito de autorizar ou não a exploração comercial de um gene patenteado é direito intrínseco do titular da patente e não pode ser violado, a despeito de se prever pagamento de remuneração, conforme sugere o parágrafo 3º proposto pelo PL.

Desta forma, a redação do referido parágrafo 3º é preocupante, pois pode levar ao entendimento errôneo de que terceiros não precisarão de autorização do titular da patente em toda e qualquer situação, ato que levará a que o titular da patente na área de biotecnologia tenha seu direito restringido ou limitado.

Limitar o direito de autorizar e para quem autorizar o uso do objeto de uma patente prejudica de forma não razoável os interesses legítimos de seu titular, em violação ao artigo 30 do TRIPS. Assim, impedir o titular da patente sobre gene transgênicos/eventos biotecnológicos de exercer seu direito de exclusividade intrínseco – qual seja, autorizar ou não terceiros a utilizarem o objeto de sua patente – viola a Constituição Federal e o TRIPS, expondo o país a um confronto com os demais membros da OMC pelo descumprimento deste tratado internacional, e cria um marco legislativo de grave desincentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional.

Adicionalmente, o autor do projeto relata que, considerando que os OGM e eventos biotecnológicos dependem de cultivar(es) nos casos de uso agrícola, é indispensável regulamentar as relações entre empresas de biotecnologia e melhoramento genético, de forma a coibir práticas anti-concorrenciais e falhas de mercado.

Sobre as alegações anteriores, esta Associação ressalta que o sistema legal vigente estabelecido pela Lei Nº 12.529/2011 já prevê mecanismos para coibição e penalização de práticas anti-concorrenciais e a Lei de Propriedade Industrial não deve tratar da matéria. A inserção em lei específica de condições estabelecidas como práticas anti-concorrenciais pode levar a uma distorção indevida dos preceitos já estabelecidos pela lei geral, qual seja a Lei Nº 12.529/2011, podendo levar a situações de insegurança jurídica e, consequente, desincentivo ao investimento em novas tecnologias nesta área.

Finalmente, a ABPI reitera o seu entendimento de que não sejam impostas quaisquer limitações ou exceções à aplicação da legislação sobre patentes às invenções biotecnológicas existentes em variedades vegetais geneticamente modificadas, discriminando expressamente o campo da biotecnologia, o que é proibido pelo artigo 27(1) do TRIPs.

 

  1. Art. 2° do PL Nº 5557/16 – O § 1º do art. 16 da Lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso V:

 

“V – O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento deverá exigir da cultivar portadora de organismos geneticamente modificados – OGM o número da patente, a descrição da biotecnologia introduzida e o respectivo benefício, por ocasião do Registro Nacional de Cultivares (RNC), previsto na Lei de Proteção de Cultivares”.

A ABPI opõe-se veementemente à inclusão do inciso V ao artigo 16 da Lei Nº 11.105/2005, uma vez que a inscrição de uma cultivar para sua utilização e comercialização diz respeito a exigências regulatórias totalmente independentes do número de uma patente. Exigir esta como condicionante de uso ou comercialização fragiliza o sistema regulatório, impondo ao MAPA obrigações que não fazem parte de seu poder de polícia já definidos e implementados pelo órgão na legislação regulatória. O MAPA, que já registra e fiscaliza a devida liberação comercial de OGMs, passaria a ter que controlar patentes, título que traduz um direito essencialmente econômico cujo exercício é e deve ser controlado por seu titular.

Conclusão:

Neste cenário, conclui-se que as modificações propostas pelo PL nº 5557/16 são extremamente preocupantes, e firma-se a recomendação de rejeitá-lo por representar retrocessos no curto, médio e longo prazo, que poderão trazer sérios prejuízos ao sistema brasileiro de proteção de patentes e cultivares, bem como ao setor agrícola do país.

 

Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2017.

 

Maria Carmen de Souza Brito

Presidente

 

Benny Spiewak

Diretor Relator

 

 

 

Marisa Moura Momoli

Co-coordenadora do Rio de Janeiro

da Comissão de Estudo de Cultivares

 

 

 

 

 

 

Priscila Mayumi Kashiwabara

Co-coordenadora de São Paulo

da Comissão de Estudo de Cultivares

 

 

Ana Cristina Almeida Muller

Co-coordenadora do Rio de Janeiro

da Comissão de Estudo de Patentes

 

Ana Cláudia Mamede Carneiro

Co-coordenadora de São Paulo

da Comissão de Estudo de Patentes

 

 

A Resolução está disponível para acesso em nosso site www.abpi.org.br.

Fonte: ABPI