Ainda em fase de euforia, NFTs podem ser uma bolha prestes a estourar

Apesar do sucesso que esses tokens têm tido, fica a dúvida: o cenário é sustentável? E quais seriam os impactos se ele chegar num limite?

Você é dono de um Honda Fit 2005 e seu melhor amigo também tem o mesmo carro, com as mesmas características. Se você trocar o seu veículo pelo dele, isso significa que vocês têm o mesmo automóvel, certo? Errado. 

Isso porque um carro é um bem não fungível. Apesar de ambos os veículos serem parecidos na teoria, a prática é outra. Talvez o seu pneu esteja careca, ou o porta-luva esteja quebrado, ou o carro do seu amigo tenha um aparelho de DVD — não importa. Mesmo tendo a mesma marca, e sendo do mesmo ano, o valor dos dois não é intercambiável. Na hora de ir ao mercado, cada carro será vendido por um preço.

A explicação serve para mostrar o que são os NFTs, que mais parecem uma daquelas linguagens moderninhas difíceis de acompanhar no mercado financeiro — ou até uma invenção da geração Z que não é cringe (expressão que significa algo como vergonha alheia).

Brincadeiras à parte, os tokens não fungíveis (NFTs) são produtos que não podem ser trocados, e são considerados únicos e insubstituíveis. Pense em um quadro de Leonardo da Vinci: uma obra do pintor jamais poderá ser trocada por outra de outro artista pelo mesmo valor da que foi adquirida, pois não serão compatíveis. Se você imprimir a Monalisa em alta qualidade, ela não será a Monalisa verdadeira. É esse o conceito de um token não fungível que vem ganhado a internet nos últimos meses (e anos). 

Apesar do sucesso que esses tokens têm tido, fica a dúvida: é uma bolha? E quais seriam os impactos caso ela estourasse?

Vamos voltar um pouco no tempo. Os NFTs não são uma novidade da nova década e começaram em 2017, com o lançamento do token de gatinhos, no qual os usuários podem cruzar um gato com o outro, e tudo de forma exclusiva.

Chamado de CryptoKitties, o jogo permite comprar, vender e criar diferentes tipos de pets, tudo com base no blockchain Ethereum e na criptomoeda Ether. Todo gato criado no game é único e não pode ser replicado ou destruído. Cada gato tem um valor, que varia dependendo de suas características — por exemplo, gatos com genes raros ou idades avançadas são mais caros. 

NTFs
Jogo CryptoKitties tem criptomoedas como foco

Em 2021, o foco são os memes e publicações variadas na internet. O meme do cachorro desconfiado, por exemplo, foi vendido por 1.696,9 ethereum, ou R$ 20 mil — o mais caro já leiloado. Até mesmo o primeiro tuíte do fundador do Twitter, Jack Dorsey, foi vendido como NFT. A frase: “configurando o meu twttr” valeu US$ 2,9 milhões. 

Segundo um estudo feito pelo DappRadar, a indústria de NFT reportou uma alta de 350% em carteiras ativas com foco no ativo no terceiro trimestre de 2020. À época, as transações em NFT aumentaram 57%. 

Bolha ou mudança de comportamento?

Para André Franco, analista de criptomoedas da Empiricus, a bolha nos NTFs pode ser estourada em breve — mas com efeitos mais brandos do que quando a bolha das criptomoedas foi esvaziada em 2018, fazendo com que o mercado cripto fosse de US$ 2,2 trilhões para US$ 1,9 trilhão, segundo o CoinMarketCap.

“Se a bolha estourar, não será como em 2018 com os criptoativos. Falando em NFT, vai acontecer um desaquecimento, mas, como as principais coisas que tiveram preços altíssimos não tiveram liquidez de fato, o cara não vai vender os ativos mais baratos”, afirma. “É uma bolha, claro, mas tem características diferentes do que o que aconteceu em 2018. Em 2017, tivemos um cenário maravilhoso para os criptoativos, em 2018 esperávamos mais aquecimento ainda, e não foi o que aconteceu. Projetos ligados a isso foram bastante penalizados. Quando a bolha do NFT estourar, veremos apenas um desaquecimento. O que pode acontecer é que os tokens vão sofrer, mas a arte em si que foi vendida por esse preço não serão afetadas, é uma unidade da arte”, explica. 

Robert Lloyd Norton, CEO e cofundador da Verisart, empresa de blockchain, afirma desde março que os NFTs são sim uma bolha, além de ser “uma forma simples para as pessoas trocarem seus títulos para ativos intercambiáveis”.

Para Norton, além do pensamento na bolha, é preciso pensar também na mudança de comportamento das gerações — que podem controlar os efeitos negativos quando ela eventualmente estourar. “Você pode olhar os hypes dos NFTs e pode discutir se isso é ou não uma coisa boa, o que é e o que não é sustentável. Mas, o que é sustentável, é que as gerações puramente digitais (como millennials e a geração Z) se encaixam nessa categoria de coleção. Esse é o começo do colecionamento digital”, diz.

Comprar arte, músicas e tênis digitais exclusivos, então, parece ter mais apelo para as gerações mais jovens.

Como o lançamento recente de um tênis da grife Gucci que foi vendido por US$ 12 dólares em sua versão quase-NFT (uma vez que produziram vários do mesmo modelo, retirando a noção de exclusividade dos tokens não fungíveis).

Parece maluquice comprar um calçado que não poderá ser utilizado na vida real, mas, para quem adquiriu, fez bastante sentido. “As pessoas colecionam NFTs por uma série de razões. Às vezes por investimentos, às vezes para apoiar artistas. É basicamente a mesma premissa de colecionar os produtos fisicamente. Você tem uma geração digital que já está colecionando produtos digitais, e estão confortáveis com produtos digitais — e esse é o próximo passo para eles”, diz Norton.

Dos especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, apenas Samir Kerbage, da Hashdex, não enxerga uma bolha nos NFTs. Para ele, “a tecnologia tem muito potencial” e “estamos na fase de exploração”. “Imagino que no futuro vamos ver muitos mais ativos tokenizados. Por si só o NFT é só uma tecnologia”, explica.  

Já Marcos Viriato, CEO da Parfin, entende que existem duas visões de bolha: enquanto a tecnologia adotada no NFT não pode ser considerada uma bolha, certos produtos comercializados, sim. “Quando falamos da tecnologia em si, não é uma bolha porque temos as aplicações do ponto de vista prático, para uma representação no mundo digital de algo imutável ou físico. É a criação de um ativo digital único”, diz. “Mas, é claro, o hype das tecnologias se adaptam à criatividade humana. Quando você tokeniza o primeiro tuite do fundador do Twitter, isso tem um valor — teve gente que pagou por isso. Mas existem outros ativos que foram inflados, si,  e podem gerar uma bolha pelo excesso de tokenização de mercado. Ao criar um NFT de um meme da dogecoin, por exemplo, isso pode gerar uma bolha”, explica. 

NTFs não são investimentos

Kerbage faz um alerta antes de a entrevista em uma terça-feira nublada acabar. Por telefone, o especialista afirma: “os NFTs não são investimentos”, e dá um exemplo. Pense que você coleciona um álbum da capa, as figurinhas originais, com o famoso “selinho”, representava um certificado de autenticidade. “Quando estamos falando de colecionáveis e de memes, estamos falando de algo puramente sentimental, não recomendamos que isso seja observado como investimento”, diz.

Para Kerbage, “é como se fosse um mercado de arte físico”. O problema acontece quando a febre começar e todo mundo ir atrás de um NFT achando que, mais tarde, o mesmo poderá ser vendido por um preço mais alto — o que nem sempre é verdade.  “Isso pode ter um potencial de as pessoas perderem dinheiro — o que pode ser perigoso para quem não conhece, e compra algo porque acha que tem valor, e depois vai ficar preso com isso. A figurinha que eu tinha na copa de 1994 mudou de valor. Eu posso oferecer um preço, e um fanático por futebol, outro. O valor de um colecionável depende do consumidor”, diz. 

Viriato, da Parfin, entende que, por enquanto, os NFTs não são investimentos — mas nada impede que eles se tornem no futuro. “Os NFTs não são investimentos, são uma representação de alguma coisa. O que faz o valor de algo não fungível? A raridade. Ou ser único, de certa forma, isso pode gerar uma reserva de valor no tempo, mas não é um ativo de investimento. É uma aposta”, diz. 

Comprar um carro por NFT?

Viriato e Kerbage acreditam que, no futuro, a tecnologia do NFT poderá permitir a compra de carros e imóveis sem a necessidade de visitar cartórios, deixando tudo registrado no blochain. É claro que, até agora, o que tem bobado são as aplicações artísticas, mas, ao longo do tempo, outras aplicações podem ser adotadas. 

“A tecnologia é robusta e segura e pode ser utilizada para esse tipo de ativo”, diz Viriato. 

Kerbage completa: “ainda estamos na fase de exploração”. “Mas a tecnologia tem muito potencial. Imagino que no futuro vamos ver muitos mais ativos tokenizados”, diz.

No futuro, talvez vamos substituir a frase “aceita PIX?” para “aceita NFT” — e quem sabe comprar um imóvel real com os tokens não fungíveis.


Fonte: CNNBrasil | Clipping: LDSOFT
Imagem: CNNBrasil