Cacau de Tomé-Açu é o único produto do Pará com selo de indicação geográfica; especialistas dão dicas de como obter o reconhecimento

Selo impede que o produto típico seja reproduzido em outras regiões do Brasil.Com o reconhecimento, agricultores e município podem ser beneficiados com melhorias no comércio local.

Especialistas dão dicas de como obter o reconhecimento — Foto: Reprodução/Rede Amazônica

O Cacau de Tomé-Açu é o único produto paraense com o selo de Indicação Geográfica (IG) reconhecido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Com o reconhecimento, o produto passa a ser protegido pelas leis de propriedade e direitos industriais. O selo impede que o produto típico seja reproduzido em outras regiões do Brasil.

A Indicação Geográfica (IG), segundo o INPI, é usada para identificar a origem de um determinado produto ou serviço. Isso vale para quando o local se torna conhecido, ou quando certa característica ou qualidade desse produto esteja relacionada pela origem geográfica, como é o caso do Cacau de Tomé-Açu. Com o reconhecimento, agricultores do município podem ser beneficiados com o selo que visa reconhecer, proteger e valorizar produtos de procedência determinada.

O Cacau de Tomé-Açu recebeu o selo em janeiro de 2019. A detentora dos registros é a Associação Cultural e Fomento de Tomé Açu (ACTA), responsável por manter um conselho regulador que deve preservar, divulgar, proteger os produtos registrados.

De acordo com a advogada Melissa Paz, a Indicação Geográfica pode ser utilizada como um instrumento para o desenvolvimento, em seus aspectos social, econômico e cultural.

“A valorização do produto dentro do mercado, fortalece o negócio do produtor, que passa a ter mais capital para investir em estrutura e na geração de novos empregos, diminuindo a necessidade de migração de pessoas para as cidades em busca de trabalho. Essa maior circulação de capital faz com que outros negócios sejam beneficiados”, detalha.

Histórico da comunidade japonesa

Credito: Colônia japonesa em Tomé-Açú — Foto: Arquivo/ ACTA

Tomé-Açu é um pedacinho do Japão no meio da Amazônia. Há 90 anos, os primeiros imigrantes chegaram à cidade paraense em um projeto do governo do estado para povoar a região. Ao se fixarem na cidade, a agricultura se tornou a principal fonte de renda da população. A mais conhecida era da pimenta-do-reino.

“Desde os pioneiros, a cultura principal era a pimenta-do-reino. Chegamos a ser os maiores produtores do mundo. Após a doença que dizimou os pimentais, outra alternativa que encontramos foi o cacau, implementado pelas famílias japoneses”, contou Silvio Shibata, presidente da ACTA e morador de Tomé-Açu.

Ele conta que o Cacau de Tome-Açu é fruto de uma série de experiências realizadas por produtores locais. Segundo Silvio, um dos produtores locais começou a tratar as amêndoas do cacau com o suco do fruto e cana de açúcar. Após esse processo, o produtor chegou a uma variedade de amêndoas, que foi premiado em uma feira de chocolate na França.

“Com isso surgiu interesse de algumas empresas e nossa cooperativa começou a negociar o produto. Para dar mais visibilidade ao produto e outro preço ao mercado, nós resolvemos dar entrada para adquirir o certificado de IG”, explicou.

Além do cacau, Tomé-Açu tinha a possibilidade de solicitar IG de outros produtos, como o açaí, a pimenta-do-reino e cupuaçu. No entanto, o cacau foi escolhido, por estar ligado as raízes japonesas na região.

Produção sustentável

Produção sustentável de cacau em Tomé-Açú — Foto: Ideflor-Bio

O modo como é cultivado o produto é o grande diferencial do Cacau de Tomé-Açu. O local adota um modelo de agricultura sustentável, desenvolvido pela comunidade nipo-brasileira, que vive na região. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o sistema simula floresta nativa, para que o cacau cresça de forma sustentável.

“Uma das alternativas que se observou, foi a realização de um consórcio, para cultivo de várias espécies frutíferas, dentro de uma mesma área. Isso é o cultivo agro-florestal. A comunidade japonesa começou a realizar vários cultivos em áreas adensadas. Nesse contexto, produzimos o cacau, uma das culturas do local, trazida do baixo amazonas, que tinha um história dos povos produtores”, explicou Sílvio.

O Sebrae segue acompanhando o processo de produção. O órgão foi um dos responsáveis pela elaboração do diagnóstico base para a solicitação do Indicação Geográfica. O Sebrae também presta consultorias para acompanhamento do processo de preparo dos empresários para administração do selo o uso do selo.

Busca pelo certificado

Produtores avaliam qualidade do cacau orgânico em fazenda na Bahia — Foto: Morgann Jezequel/AFP

Segundo Sílvio, a busca pelo certificado passa por uma série de estudos que buscam identificar a originalidade do produto e entender os métodos de cultivo. Após a concessão do registro pelo INPI, o órgão restringe o uso da indicação geográfica aos titulares (produtores), impedindo que terceiros utilizem de forma indevida.

“Tivemos que cumprir com as exigências que o processo em si requer. Isso demanda indas e vindas, defesas, pesquisas. Hoje eu faço parte do fórum paraense de marcas coletivas e IG. Estamos somando esforços para colaborar com outras entidades que queiram conseguir IG no Pará”, conta Sílvio.

Em relação ao ponto de vista jurídico para a obtenção do selo, são necessárias algumas etapas. Inicialmente o registro deve ser requerido pelas entidades representativas, como: sindicatos, institutos e associações. Em seguida, é preciso apresentar a Guia de Recolhimento da União (GRU), indicar e comprovar o tipo de IG solicitado, apresentar o nome geográfico e a delimitação da área que desejar proteger.

Depois, o proprietário deve reunir documentos específicos solicitados pelo órgão.Após a reunião dos documentos e o depósito no INPI, será iniciado o processo do registro do pedido.

De acordo com a bacharel em direito Kamilly Kzam, a lei vem como forma de assegurar que esses produtos ou serviços que tem um diferencial sejam protegidos e reconhecidos. “Percebemos que essa obtenção do selo de IG traz notoriedade e reconhecimento para a região, portanto, uma forma de resguardar os direitos e incentivar o turismo e consequentemente o desenvolvimento regional”, afirma.

Além disso, ela ressalta que valorização dos produtos e do próprio território fortalece o mercado local, gerando empregos e visibilidade. “Além disso, os produtores precisam pensar que o consumidor está mais exigente, buscando cada vez mais informações sobre os produtos e a IG vem justamente com essa ideia de reconhecer a procedência do produto, criando para o consumidor confiança no produto”, conta.

Queda nas vendas pela pandemia

Cacau sustentável melhora qualidade e produto disputa mercado gourmet — Foto: Divulgação/ADLIS

Apesar da obtenção do selo, a comercialização do Cacau de Tomé-Açu tem enfrentado problemas com a pandemia da Covid-19. De acordo com Silvio, o Japão, um dos principais centros da doença no oriente, é o maior comprador do produto. Por conta disso, a cooperativa vem enfrentando queda nos lucros.

“Nós já temos uma grande demanda do Japão. É algo em torno de 400 toneladas por ano. Mas o mercado de cacau foi afetado por conta do coronavírus. Até uns meses atrás, o preço estava alto. Estamos de mãos atadas pela pandemia”, lamenta.

No entanto, apesar da dificuldade no mercado, especialistas afirmam que a busca pela IG deve ser prioridade para produtores rurais que tenham produtos que se enquadrem nas exigências do INPI. “A indicação geográfica deve ser pensada muito seriamente pelos produtores brasileiros, sobretudo para aqueles que querem exportar”, afirmou o Antônio Bernardes Filho, mestre em Direito Comercial Internacional pela Universidade da Califórnia e que possui aperfeiçoamento em Harvard.

Indústria de Chocolates — Foto: Divulgação

Segundo o especialista, a Indicação Geográfica traz uma diferenciação, agrega uma ideia de qualidade superior e uma proteção jurídica, além de proporcionar uma vantagem competitiva, em relação a negociações internacionais

“A pandemia da COVID-19 tem como efeito a restrição ao comércio internacional, assim como a recessão nos mercados internacionais importadores. Nesse contexto, os produtos com Indicação Geográfica passam a ser mais valorizados neste mercado, não só por terem maior apelo, mas também porque o controle de qualidade é maior, o que resulta numa barreira a menos”, explica.

Ainda de acordo com o Bernardes, o plano de exportação, sobretudo na região amazônica, tem muito a ganhar com a Indicação Geográfica.

Especialista indica a necessidade da indicação geográfica para o açaí — Foto: Arquivo Pessoal

“O Açaí é um exemplo da necessidade de ter a indicação geográfica. O nosso açaí tem uma qualidade excelente e precisa estar atrelado regionalmente ao Estado do Pará, não só para se diferenciar dos que forem produzidos fora daqui. Penso que os produtores devem buscar consultorias jurídicas que norteiem esse assunto, com relação à legislação nacional e a estrangeira, inclusive de maneira a estruturar o processo de indicação geográfica de maneira a não ter problemas no âmbito nacional ou internacional”, concluiu.


Fonte e fotos: G1 | Clipping: LDSOFT