Conselheira do Conar defende que Brasil adote modelo europeu na regulação de IA

Para a conselheira, a regulamentação deve caminhar no sentido de que conteúdo produzido pela IA seja considerado de domínio público.

A evolução exponencial dos sistemas de inteligência artificial (IA) nos últimos anos tem impulsionado o debate sobre a regulamentação da tecnologia. Um dos modelos defendidos para ser adotado no Brasil é o europeu, com foco na liberação para uso de IA para fins de pesquisas. De acordo com a conselheira do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Andressa Bizutti, esse modelo entrou na proposta brasileira também com objetivo de impor regras à inteligência artificial generativa, que cria um dado a partir de um treinamento de dados por um determinado sistema.

De acordo com ela, os países têm divergido a respeito dessa questão. “A gente tem segurança jurídica sobre esse tema. Tanto é que o projeto de lei que está sendo discutido no Senado traz uma exceção para esse tipo de treinamento, mas a gente se aproximou um pouco mais da Europa, colocamos na nossa proposta brasileira que não será constituída ofensa a direitos autorais nas atividades feitas por institutos de pesquisa, jornalismo, entre outras”, disse. “Estamos mais focados em autorizar isso para fins de pesquisa e não de uma forma ampla, como aconteceu no Japão ou como pode acontecer nos Estados Unidos”, completou Bizutti.

A Europa está sendo pioneira na regulamentação da IA, com a implementação de um modelo de mensuração de riscos e imposição de limites às ferramentas e proteção aos direitos autorais. Em audiência do Conselho Nacional de Comunicação Social do Senado Federal sobre regulamentação da IA na segunda-feira (2/10), a conselheira defendeu ainda que a IA seja tratada como uma área de conhecimento, e não como uma tecnologia.

Na visão dela, a regulamentação brasileira do direito autoral no Brasil deve caminhar no sentido de que conteúdo produzido pela IA é, a partir de sua criação, automaticamente de domínio público, pois a legislação estabelece que obras intelectuais são “protegidas às criações do espírito”. “O artigo 14 da nossa Lei de Direitos Autorais já fala que é titular de direitos do autor quem adapta, traduz, arranja, orquestra a obra caída no domínio público, não podendo impor se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução salvo se for cópia da sua”, disse.

Bizutti citou dois casos que repercutiram nos Estados Unidos acerca da propriedade intelectual de obras produzidas por sistemas de IA. A história em quadrinhos “Zarya of the Dawn”, da autora Kristina Kashtanova, teve o seu registro aceito, e parcialmente negado em seguida, pelo U.S. Copyright Offices, pois a autora não havia informado ao órgão que as imagens da obra foram criadas pela ferramenta generativa de imagens Midjourney. O entendimento do órgão norte-americano foi de que a obra é de domínio público, pois ela não foi produzida por um humano.

Em outro caso, o Sindicato de Autores dos EUA processou a OpenAI, alegando que a empresa teria utilizado trechos de livros, protegidos pelo direito autoral e sem a permissão dos autores, para treinamento do ChatGPT. Tanto o ChatGPT quando o Midjourney são sistemas citados por parlamentares europeus que requerem altos padrões de transparência, respeito aos direitos humanos e exigem informes sobre direitos autorais.

Impacto da IA em postos de trabalho

Também na audiência no Senado, o presidente da O2 Filmes, Paulo Barcellos, ressaltou que o nível de produção de conteúdo por sistemas de IA no audiovisual evoluiu em velocidade “espantosa” nos últimos dois anos e ameaça postos de trabalho. “Todas essas tecnologias, em pós-produção, levavam anos para maturar”, disse. “Foram 450 dias entre as versões 1.0 e a 5.1 [de ferramenta de geração de imagens por IA], entre não servir para nada, e ser uma piada, a tirar um fotógrafo do mercado. E um modelo, e um iluminador, e um maquiador, e mais umas 10 pessoas”, completou.

No entanto, Barcellos defendeu o uso de IA como ferramenta adicional de trabalho e afirmou que os sistemas elevam a produtividade dos profissionais, mas não os substitui. “Eu ainda acredito que o toque humano permanece no cerne da produção de filmes, com a conexão emocional, o entendimento das necessidades do cliente da publicidade e o espírito colaborativo que dá vida às histórias.”

Representante da indústria audiovisual, a conselheira Sonia Santana alertou para uma possível onda de desemprego no setor, causada pela expansão da IA. “Nos preocupa muito a eliminação de uma série de cargos. Como essas pessoas serão requalificadas? Como será a preparação dos novos profissionais?”, questionou. O conselheiro José Antônio de Jesus, representante dos radialistas, defendeu a regulação diante do contexto de evolução da mídia tradicional: “É muito importante a regulação, se não nós vamos acabar com a humanidade. Se não tomarmos cuidado, vamos extinguir a classe trabalhadora desse país. A TV se transforma diariamente, o rádio se transforma diariamente”, disse.

Também na audiência no Senado, o advogado especialista em Direito de Propriedade Intelectual, Ygor Valério, defendeu uma regulação “pontual” que trate da evolução da “inteligência artificial sob uma perspectiva positiva, tratando eventuais desvios de maneira pontual, sem impedir que essa regulação prejudique o desenvolvimento da inteligência artificial como ferramenta nas atividades de comunicação social”.

Tramita no Senado o PL 2.338/2023, que regulamenta os sistemas de inteligência artificial no Brasil. O texto, com mais de 900 páginas, elaborado por uma comissão de juristas, que analisou outras propostas similares do Congresso, como os PLs 5.051/2019, do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), 21/2020, do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE), e 872/2021, do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), além de legislações de outros países sobre o tema.

Fonte: JOTA