Grupo português da AIPPI quer adiar adesão ao sistema europeu de patentes

O Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (AIPPI) defende o adiamento da adesão de Portugal ao novo sistema europeu de patentes, alertando que vai “no sentido contrário” do que a indústria e a economia precisam.

“O novo sistema vai precisamente no sentido contrário ao que a indústria e a nossa economia precisam. Num momento em que as PME [pequenas e médias empresas] enfrentam desafios muito difíceis, como consequência da pandemia, e em que muitas lutam pela sobrevivência, este sistema será mais um enorme obstáculo à sua sobrevivência e terá consequências gravíssimas”, adverte.

O novo sistema de patentes na Europa prevê a criação de um Tribunal Unificado de Patentes (TUP) – um tribunal comum aos Estados-membros contratantes e, portanto, parte do seu sistema judicial – que terá competência exclusiva em matéria de patentes europeias e patentes europeias com efeito unitário, fora da orgânica dos tribunais judiciais nacionais, com juízes internacionais e regras próprias.

O acordo relativo ao TUP foi assinado em 19 de fevereiro de 2013 por 25 Estados-membros, tendo Portugal depositado o seu instrumento de ratificação em 28 de agosto de 2015.

Após alguns anos de impasse, na sequência do ‘brexit’ e de questões de constitucionalidade levantadas na Alemanha, estima-se que o novo sistema europeu de patentes possa entrar em vigor em inícios de 2023.

Entre as principais preocupações do Grupo Português (GP) da AIPPI está o “enorme aumento” dos custos judiciais que resultará da adesão ao sistema; o custo estimado para a economia nacional “não inferior a 115 milhões de euros/ano”; o incremento dos monopólios no mercado nacional; a subida dos custos de licenciamento; o “fim do português como língua de inovação”; e os riscos de perda de competitividade e de deslocalização inerentes.

No que respeita aos custos judiciais, a delegação nacional alerta para que “o acesso ao TUP representará um enorme aumento dos custos para as empresas nacionais, nomeadamente as micro e PME”, já que o regime de taxas oficiais dos processos judiciais — que não era conhecido à data da ratificação nacional deste sistema, em 2015 — “altera profundamente o equilíbrio do sistema e a (im)possibilidade de acesso ao mesmo pelas empresas nacionais”.

“Só em termos de taxas de justiça a pagar, os custos passarão dos atuais 1.224 euros pagos aos tribunais portugueses, por processo, para 31 mil euros pagos ao TUP. Isto significa um incomportável aumento de 2.500%. Em caso de recurso, o valor das novas custas judiciais, passará para 62 mil euros. E, em caso de perder o processo, terá de pagar as taxas de justiça da parte contrária, aumentando os custos, só de taxas judiciais, para 124 mil euros/processo. Estes são valores impossíveis para as PME”, sustenta.

Neste contexto, o GP da AIPPI defende que deve “ser redefinido o modelo de participação de Portugal, ponderando uma não entrada em vigor do novo sistema até um momento mais oportuno e adequado aos interesses das empresas nacionais”.

“Nesse sentido — sustenta — deveria ser criado um grupo de trabalho, envolvendo várias entidades, que estudasse, de forma mais atual, os impactos para as empresas nacionais e fosse incumbido de apresentar, em simultâneo, medidas que permitissem preparar as PME para o sistema e um calendário mais favorável para a entrada em vigor do mesmo em Portugal, num período não inferior a cinco/seis anos”.

Em declarações à agência Lusa, o presidente do GP da AIPPI, Gonçalo Sampaio, avançou que “países como Espanha, Polónia, Hungria, Eslováquia e Croácia, além do Reino Unido, fruto do ‘brexit’, já fizeram saber que não irão aderir ao sistema, em defesa dos interesses económicos das suas empresas”.

Segundo explicou, “uma vez que o sistema é aberto e pode ser usado por nacionais cujo país não tenha aderido”, as empresas sediadas em países não aderentes “poderão usar o sistema (tirando proveito das suas vantagens), ao mesmo tempo que não sofrerão as consequências negativas do mesmo”.

“Com esta opção, as empresas que entendam podem usar o novo sistema, mas as micro e PME não são afetadas pela vigência do novo sistema. É a solução ideal para um tecido empresarial como o português”, defende.

Considerando que “este é o momento indicado para atuar pois, como consequência do ‘brexit’, estão a ser reescritos/reinterpretados os textos legais relativos a esta nova realidade”, Gonçalo Sampaio diz que é a altura certa “para os diferentes países que estão dentro do sistema colocarem alguma salvaguarda nacional nos mesmos”.

Contudo, o GP do AIPPI diz não ter conhecimento de qual a posição do Governo português sobre este tema, já que esta “nunca foi partilhada”, e garante que “nunca foi ouvido sobre nenhuma decisão” ou “chamado para discutir o assunto”.

“Em 2015, a CIP — Confederação Empresarial de Portugal fez connosco um documento em que alertava para os perigos do sistema para as empresas portuguesas. Na altura, ainda não tinha valores, porque ainda não se sabiam as taxas oficiais e onde é que eram os tribunais, portanto era difícil fazer cálculos, mas chamámos a atenção para isso”, lembra o presidente do GP.

Desde então, até agora, o Grupo Português tem vindo “periodicamente a chamar a atenção” para os riscos da entrada em vigor do sistema, mas diz que, “um bocadinho à portuguesa”, o que lhe era “dado a entender era que, como estava tudo empancado na Alemanha [onde foram levantadas questões de constitucionalidade], era um não problema”.

“Depois logo se vê, depois logo se vê, e iam empurrando com a barriga. Mas agora já não podemos empurrar muito mais com a barriga. É preciso decidir, mas a nossa grande dificuldade em falar destes assuntos em Portugal é que a propriedade industrial está sob tutela do Ministério da Justiça, quando estamos a falar de questões iminentemente económicas, pelo que isto anda em terra de ninguém e não se olha para o assunto como ele merecia ser olhado”, conclui.


Fonte e Imagem: CMJornal