Lei de direitos autorais pode ser repensada para NFTs e IA, diz especialista

Advogada destaca que legislação já é válida para novas tecnologias, mas desafios apresentados por elas exigem debates.

O surgimento dos tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês) e a expansão crescente da inteligência artificial generativa levantaram um novo debate sobre os direitos autorais em torno dessas obras. Em entrevista à EXAME, Julia Pazos, sócia do DSMA Azulay Advogados, destaca que a legislação brasileira sobre propriedade intelectual já é válida para essas áreas, mas pode precisa ter algumas mudanças.

Pazos, que participou do evento NFT Brasil, explicou que os princípios da legislação de direitos autorais são os mesmos, independentemente do ambiente. “Um ponto sensível, de repensar, é de talvez ter mudanças [na lei] porque, quando fala de autor, é pessoa física, e tem uma revolução digital com várias autorias diferentes, com inteligência artificial”, comenta a advogada.

“Hoje, pela legislação, quando tem uma obra criada por uma inteligência artificial, em princípio ela nasce em domínio publico. Toda essa nova economia vai ter que repensar [a questão dos direitos], porque se não tem um investimento mas sem proteção”, diz Pazos.

Outro ponto que ela acredita que será alvo de debates sobre legislação é em relação ao uso de materiais, como livros, obras de arte ou músicas, para o treinamento das inteligências artificiais generativas. Ela explica que, pela lei, deveria ser necessário obter uma autorização dos autores dessas obras para o uso na tecnologia, e não fazer isso pode configurar um crime, colocando o material gerada pela IA em risco.

Entretanto, esse não costuma ser o caso. Em geral, as empresas que criaram essas inteligências artificiais argumentam que a quantidade de obras usadas é muito grande, e portanto não há uma relação de influência direta e clara entre uma obra e o material produzido. Pazos destaca que não há uma regulamentação específica para esse tema no momento.

“Existe a questão de obra derivada, que surge ao criar uma nova obra ao se inspirar em outra, mas se originalmente a obra é usada sem autorização e modificada, pode ter outro problema que é usar a obra sem ter autorização. Isso não é necessariamente direito patrimonial, é moral. Então vai depender muito de caso a caso”, afirma a advogada.

Por isso, a especialista acredita que, enquanto não houver uma regulamentação clara sobre o tema, “o usuário da inteligência artificial está exposto. Hoje, ele pode estar violando a lei sem saber”.

Atuação de reguladores

Por outro lado, Pazos aponta outro desafio: atualmente, os responsáveis por aplicar as leis, incluindo a de direitos autorais, não possuem ainda o conhecimento necessário para entender como aplicar a legislação em novas tecnologias e ambientes, em especial o da Web3. Ela observa que “já tem uma dificuldade para ter uma justiça especializada em propriedade intelectual, com poucos tribunais, e a Web3 afunila isso mais ainda”.

Nesse sentido, ela defende que é necessário um esforço de educação sobre o tema para as autoridades, algo que já ocorrendo e começou a ganhar força nos últimos anos. O próprio Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) tem feito esforços nesse sentido.

A cooperação com o INPI e outras organizações depende, porém, de uma superação da defesa de descentralização total que é comum na Web3.

“No fim, a gente não vai conseguir se livrar da centralização, assim como não consegue se livrar de CVM, órgãos regulatórios. Faz parte da vida como sociedade,e vai ter um INPI cada vez mais entendendo a tecnologia. Existe uma lentidão, mas no futuro registro da marca vai ser no INPI mas em um blockchain”, avalia.

Pazos destaca que a tendência é que os reguladores usem a própria tecnologia ligada à Web3 para “ter mais segurança, executar mais fácil. Pode usar contratos inteligentes, por exemplo, e aí se uma tiver violação da lei, ele autoexecuta, é uma evolução. Muito se traz de que você pode registrar a sua marca só no blockchain e não no INPI, mas para ser titular, poder impedir cópias de concorrentes, precisa do INPI”.

Fonte: Exame