Bicicletenário – os 200 anos da primeira patente de bicicleta

Com mais de um bilhão (1.000.000.000 ou 109) de unidades produzidas, as bicicletas são, sem dúvida, o veículo mais produzido e utilizado no mundo – e portanto pode ser considerada uma das mais relevantes invenções da humanidade. Esta estimativa foi elaborada por Tony Hadland e Hans-Erhard Lessing no interessante livro Bicycle Design: An Illustrated History (MIT Press), de 2014.

Os inventores celebram em 2017 o bicentenário da primeira patente de bicicleta, elaborada pelo alemão Karl Friedrich Christian Ludwig Drais (1785 – 1851), primeiro Barão Drais von Sauerbronn. Ele inovou ao propor a Draisiana (ou Laufmaschine, literalmente “máquina de corrida”) em sua primeira volta, de aproximadamente 8 km em uma hora, ocorrida em 12 de junho de 1817 em Mannheim, no estado de Baden-Württemberg, sudoeste da Alemanha.

“Großherzogliches Privileg”, literalmente “Privilégio Grão-ducal”, o equivalente a patente na época, obtido por Karl Drais em 12 de janeiro de 1818. Note as vistas lateral e superior da invenção. Documento em domínio público

Feita de madeira e ferro, a tração na Draisiana era fornecida pelos próprios pés, por meio de empurrões do condutor contra o solo, de modo similar ao que se faz num patinete, utilizando a alternância do movimento das pernas. Portanto, não tinha pedais. Seu controle era efetuado por meio de um guidão e apresentava alguns ajustes de altura para diferentes condutores. Era possível percorrer grandes extensões, atingindo incríveis velocidades de até 13 km/h. A intenção inicial era de substituir o uso de cavalos, e por isso a primeira bicicleta ainda foi chamada de “cavalo de madeira”. Sua patente tinha uma duração de 10 anos, e foi depositada em 12 de janeiro de 1818 (Großherzogliches Privileg, literalmente “Privilégio Grão-ducal”). Existe um belo e bem conservado modelo em exposição permanente no Deutsches Museum em Munique, na Alemanha.

laufmaschine apresentou algumas importantes inovações já em seus primeiros modelos. Por exemplo, podemos citar, além do guidão de madeira, um assento acolchoado confortável e apoio para braços e peitos. Rapidamente apresentou noutros modelos modificações admiráveis como a presença de garfos curvos na direção para absorver impactos – pois as rodas eram de madeira, além de ajuste no selim – que podia ser suspenso a partir de correias. Após esta invenção foi desenvolvido um modelo com pedal na roda dianteira, que se denominou velocípede, mas historicamente este termo já havia sido aplicado na segunda patente de Drais, depositada em 19 de fevereiro de 1818: “Máquina dita velocípede” – que, é importante notar, ainda não tinha pedais!

À esquerda patente francesa Brevet 1091, depositada por Karl Drais em 19 de fevereiro de 1818, denominada “Machine dite Vélocipède”. Fonte: www.INPI.fr. À direita, a patente inglesa GB 4321 de Denis Johnson, depositada em 22 de dezembro de 1818, ambas em domínio público

Poucos sabem, mas Drais estudou arquitetura, física e matemática na Universidade de Heidelberg, entre 1803 a 1805, e viveu no Brasil entre 1822 a 1827, acompanhando a expedição do médico, naturalista e explorador russo Georg Heinrich von Langsdorff (1774 – 1852). É sabido que Drais trouxe dois modelos de sua invenção ao Brasil, mas devido às condições das estradas tropicais à época, é possível que as tenha utilizado muito pouco. Seu anfitrião Langsdorff tinha uma grande fazenda, chamada Mandioca, no Rio de Janeiro, e viajava com frequência a Minas Gerais. Explorou em sua famosa expedição uma rota fluvial entre São Paulo e Pará atravessando boa parte da Amazônia através de longos 6.000 km, obtendo informações da flora, fauna e cartografia, além de observações astronômicas e etnográficas, levando Drais junto (detalhes da vida do ilustre inventor da primeira bicicleta podem ser obtidos no site: www.karl-drais.de).

Muito rapidamente a inovação proposta por Drais percorreu o mundo. A primeira patente inglesa, de número GB 4321, foi depositada pelo inventor e construtor de carroças inglês Denis Johnson (c. 1760 -1833) em 22 de dezembro de 1818. Esta inovação tinha como finalidade “diminuir o trabalho e a fadiga das pessoas em caminhar, permitindo-lhes ao mesmo tempo usar maior velocidade”. Enquanto inovações, Johnson propôs uma estrutura de madeira elegantemente curvada, permitindo o uso de rodas de madeira maiores. Elaborou várias peças metálicas, elaborando um veículo mais leve que a versão original.

A primeira patente americana, US 59,915 (“Aprimoramento em Velocípedes”), de 20 de novembro de 1866, já continha pedais – certamente uma inovação fundamental à história do ciclismo. Esta foi elaborada pelo inventor francês Pierre Lallement (1843 – 1891), que para alguns é considerado o verdadeiro inventor da bicicleta, sendo Drais um precursor.

Discussões à parte sobre a paternidade da invenção é importante destacar que o progresso continuou na forma de outras inovações. Vale destacar a inovação do metalurgista e inventor americano James Rankin (c. 1824 – c. 1890), o primeiro a introduzir rolamentos de esferas na montagem de velocípedes para auxiliar no movimento dos pedais, conforme patente US 89,431, de 27 de abril de 1869. Esta particular patente apresentou um dispositivo de embreagem e design de polia que ajudou a criar movimento rotativo contínuo para os eixos, proporcionando um percurso mais suave. De acordo com os diagramas desta patente, a aplicação considerou três rodas, mas a inovação foi aproveitada posteriormente para bicicletas.

Na primeira imagem, o inventor francês Pierre Lallement (1843 – 1891), na primeira bicicleta com pedal, em imagem de 1870. Na segunda, o modelo penny-farthing e na terceira, o modelo Rover, ambos produtos comerciais da família Starley. Fonte: “Lexikon der gesamten Technik” (Dicionário de Tecnologia) de 1904 por Otto Lueger (1843 – 1911). Em domínio público.

Destacam-se ainda o rolamento anti-fricção (US 351,001, de 19 de outubro de 1886), do inventor e empreendedor inglês John Kemp Starley (1854 – 1901) e a bicicleta de dois lugares (Tandem Bicycle, US 415,072, de 12 de novembro de 1889), proposta dos inventores William Starley (c. 1858 – 1937) e Herbert S. Owen. John e William eram respectivamente, sobrinho e filho do inventor e industrial inglês James Starley (1830 – 1881), grande empreendedor da indústria de bicicletas e triciclos. Os Starley criaram um tipo icônico de bicicleta do fim da Era Vitoriana, com roda dianteira grande e bem maior que a roda traseira, conhecida como penny-farthing. Tempos depois foi lançado o modelo Rover (ou ‘bicicleta segura’), que se assemelha ao design das bicicletas modernas mais comuns. Mas um pouco antes, outro empreendedor e inventor, o francês Pierre Michaux (1813 – 1883) havia criado uma indústria de bicicletas com pedais – a Michaux & Cie, com produção em larga escala e grande sucesso na cidade de Paris.

É digno de nota a proposta de John Boyd Dunlop (1840 – 1921), veterinário, inventor e empreendedor escocês. Ele inovou com a patente US 453,550, de 2 de junho de 1891, ao sugerir a aplicação de pneus infláveis, visando proporcionar uma experiência muito mais confortável para ciclistas do que o uso de rodas de metal ou madeira.

Pode-se imaginar que não há mais o que propor em termos de inovação para bicicletas. Ledo engano. Ainda hoje existem muitas patentes sendo depositadas. Destacam-se a “Iluminação traseira para bicicleta” (Bicycle tail light), US 8,770,808, de 8 de julho de 2014. Trata-se de uma fonte de luz ajustável usando LED (diodo emissor de luz) com uma montagem versátil que se acopla a diversos tipos de bicicleta. Patente da Light & Motion Industries, na descrição é apresentado como o dispositivo é projetado para criar maior saída de luz e sobre a facilidade de substituição das baterias. Já a patente US 8,770,243, depositada no mesmo dia que a anterior, trata de um método para fabricar pneus de bicicleta a partir de materiais diferentes da borracha vulcanizada, com por exemplo compostos de espuma de materiais de resina sintética. Este método de construção foi projetado para usar materiais eco-friendly, impedindo o pneu de se separar inesperadamente da borda durante o uso.

É possível ainda encontrar um grande número de discussões sobre um mito envolvendo o polímata italiano Leonardo di ser Piero da Vinci (1452 – 1519). Durante a restauração de um códice (Codex Atlanticus), há aproximadamente 40 anos, foi observado que em uma das mais de mil páginas, mais precisamente no verso da folha 133, havia um esboço de uma bicicleta!

Mais tarde verificou-se que tal esboço é na verdade uma fraude, pois foi utilizada uma tinta diferente, além de ser notada a presença de um decalque na elaboração do desenho. Tal material pertence à Biblioteca Ambrosiana, em Milão, Itália, e parte de seu conteúdo é acessível pela internet: www.ambrosiana.eu.

Finalizando, historicamente, não há diferenças entre os termos alemão laufmaschine e francês vélocipède, pois ambos foram aplicados à inovação de Drais numa questão de semanas. Por sinal, velocípede deriva do latim e significa “pés rápidos”. Portanto, nada melhor do que comemorar este bicentenário das bicicletas pedalando, não é mesmo?

Fonte: Inovação