Na contramão da crise, indústrias usam inovação para crescer

Tecnologia. Compressor de geladeira criado pela Embraco tem 50% menos material e reduz consumo de energia em 20% – André Kopsch / Divulgação

Durante a crise hídrica em São Paulo, entre 2015 e 2016, clientes da subsidiária brasileira da Rhodia, multinacional belga que atua no setor químico, pediram à companhia que desenvolvesse um fio têxtil com teor de branco inédito no mercado. O objetivo era reduzir o consumo de água nos processos de tratamento e tingimento feitos nas tecelagens e malharias. Em pouco mais de seis meses, o Amni Sustainable White saiu dos laboratórios locais da empresa. Com tecnologia brasileira, o fio tem patente mundial e chegou ao mercado em 2016.

— O setor têxtil brasileiro sofreu com a crise econômica, mas é muito afeito a inovações — diz Renato Boaventura, diretor-geral da Área de Fibras.

A Rhodia faz parte de um grupo de grandes empresas instaladas no país consideradas “ilhas de excelência” em inovação. Elas navegam na contramão da crise econômica, que provocou a redução de investimentos em pesquisa nas companhias nacionais. E conseguem levar novos produtos para outros cantos do mundo. É em razão desse cenário que, nos rankings de inovação elaborados por instituições de pesquisa globais, o Brasil aparece distante dos líderes.

BRASIL É O 69º MAIS INOVADOR

Na semana passada, foi divulgado o Índice Global de Inovação de 2017, elaborado em conjunto pela Universidade Cornell, pela escola de negócios Insead e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi). Entre 130 países, o Brasil apareceu na 69ª colocação, mesma posição do ano passado. Entre as nações mais inovadoras estão Suíça, Suécia, Holanda e Estados Unidos. A China tornou-se a primeira economia emergente a aparecer entre as 25 posições do topo do ranking.

O que caracteriza as empresas consideradas muito inovadoras, dizem os especialistas, é que mesmo em crises elas mantêm o percentual de investimento em pesquisa e desenvolvimento. Também disputam mercado com concorrentes globais e, se não inovam, correm o risco de ser engolidas pela concorrência.

— Essas companhias se viram para manter o percentual de investimento em inovação, mesmo em época de crise, reduzindo o custo de outras atividades operacionais — diz Hugo Tadeu, professor e coordenador do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC).

Na Embraer, a companhia aplica 10% de seu faturamento global em pesquisa, desenvolvimento e investimento novo. Em 2016, o valor chegou a US$ 661 milhões. Um levantamento da Strategy&, uma empresa do grupo PWC, com mil empresas globais, mostra que elas gastam 3,7% de sua receita em inovação.

— Temos um plano estratégico de inovação para os próximos 15 anos, em que tentamos entender as demandas futuras. No nosso mercado, o ciclo de desenvolvimento dos produtos é longo, de 5 a 6 anos, e não reduzimos o investimento nas crises econômicas ou com a baixa demanda mundial em aviação comercial — diz Mauro Kern, vice-presidente de Operações da Embraer.

Ele observa que a empresa tem um “exército” de 5,6 mil funcionários, entre engenheiros e profissionais de tecnologia, focados em inovação de produtos. É mais de 25% de todo o quadro de funcionários, que chega a quase 20 mil. Com isso, a Embraer já tem previsão de lançamento de novas aeronaves até 2021.

— No Brasil, acontece muita inovação. Não apenas a tecnológica, que é esta que nos remete a algo futurista, mas a inovação como essência, que tem como objetivo gerar valor à empresa — explicou Paulo Mól, diretor de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

TRÊS MIL TIPOS PARA GELADEIRA

Os produtos que nascem nas fábricas brasileiras acabam sendo incorporados em todo o mundo. Do Centro de P&D da L’Oreal, no Rio, saiu o Anthelios Airliciun FPS 70, uma geração de bloqueador solar que alia a proteção contra o câncer e o envelhecimento à sensação de pele limpa e sem brilho. Dos laboratórios da Embraco, que hoje pertence à Whirpool, saiu há dois anos a tecnologia Wisemotion, que regula automaticamente a capacidade frigorífica de refrigeradores. O compressor, sem óleo, leva 50% menos de material e permite economia de 20% no consumo de energia em relação a refrigeradores de alta eficiência energética.

— Essa tecnologia gerou 80 patentes diferentes das 1.700 que temos pelo mundo. Ela permite refrigeração mesmo em lugares onde não há energia elétrica, já que pode ser acionada com painéis solares — diz Eduardo Andrade, vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Negócios da Embraco.

A Whirlpool faz ao menos 200 lançamentos de produtos por ano. Em 2016, colocou no mercado um refrigerador que permite 3 mil configurações de prateleiras para que o consumidor monte do jeito que considerar mais útil. Outra novidade recente desenvolvida no Brasil pela empresa numa parceria com a Ambev é o B.Blend, uma máquina que faz 25 tipos de sucos, chás e refrigerantes com cápsulas.

— Buscar parceiros ajuda a reduzir o risco financeiro. E é preciso estimular a relação entre empresas e universidades — diz Guilherme Lima, diretor de comunicação e institucional da Whirlpool.

POUCA INTEGRAÇÃO COM UNIVERSIDADES É ENTRAVE

Baixo nível de integração entre empresas e universidades, falta de mão de obra especializada, recursos públicos mal aplicados e a crise econômica, que traz incertezas aos empresários. Estes são alguns dos entraves ao investimento em inovação no Brasil, segundo especialistas.

— A relação entre empresas e universidades deveria ser estimulada no país. Não existe inovação sem essa cooperação — diz Guilherme Lima, diretor de relações institucionais da Whirpool, que trabalha com a Universidade Federal de Santa Catarina.

Para Paul Mól, diretor de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a falta de previsibilidade é outro entrave.

— A inovação traz resultados a longo prazo. No Brasil, com as mudanças bruscas de cenário, é difícil criar a cultura da inovação. O empresário precisa pensar em pagar as contas de hoje, e não no futuro do seu negócio — diz Mól.

MAIOR PARTE É DINHEIRO PÚBLICO

Em relação à falta de mão de obra especializada, do total de adultos formados no Brasil, diz, só 5% optam pelos cursos de engenharia. A média dos países ricos da OCDE é de 28%, na China é de 40% e na Alemanha, de 32%.

O coordenador do núcleo de inovação da Fundação Dom Cabral, Hugo Tadeu, observa que aqui, na contramão do mundo, existe dinheiro público disponível para inovação, mas acaba sendo aplicado em setores pobres em tecnologia, como a construção civil, por exemplo:

— Hoje, do dinheiro disponível para investimento em inovação, entre 70% e 75% são públicos. Nos EUA, esse percentual é de 40% e na China, 30%. Mas o país é ineficiente para direcionar estes recursos para as áreas certas.

Para tentar reduzir esse distanciamento com as universidades, já existem centros focados no desenvolvimento de inovação à indústria. O mais avançado está na USP e reúne 11 dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) custeados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Eles contam com 500 cientistas de São Paulo e 70 de outros países. Segundo a Fapesp, o investimento foi de US$ 680 milhões.

Em um ranking com as mil empresas mais inovadoras do mundo, feito pela Strategy&, o número de brasileiras encolheu de sete para três entre 2015 e 2016. Atualmente, apenas Petrobras (224ª posição), Vale (265ª) e Embraer (562ª) aparecem.

— Isso tem ver com a depreciação do câmbio e o fato de que muitas brasileiras não são globais, o que limita o investimento — explica Eduardo Fusaro, da Strategy&

Fonte: O Globo