Os impactos do julgamento do Recurso Especial 1.562.617/SP sobre os direitos autorais do arquiteto

Diversos questionamentos existem quanto aos desdobramentos da lei dos Direitos Autorais, principalmente em razão de as obras arquitetônicas serem decorrentes de encomendas de projetos por terceiros e do fato de o objetivo de sua construção ser intrínseco ao projeto.

A lei 9.610/98, também conhecida como a lei dos Direitos Autorais, é a responsável por assegurar a proteção do criador em relação à sua obra intelectual, cujo conceito é apresentado no próprio texto legal. Na definição das obras que garantem o direito autoral de seu criador, consta a indicação expressa das obras de arquitetura.

Não obstante a evidente proteção legal, diversos questionamentos existem quanto aos desdobramentos de tal previsão, principalmente em razão de as obras arquitetônicas serem, em regra, decorrentes de encomendas de projetos por terceiros e do fato de o objetivo de sua construção ser intrínseco ao projeto.

No que tange ao primeiro aspecto, resta a dúvida não respondida pela legislação acerca de quais direitos são presumidamente transferidos pelo contrato de prestação de serviços firmado com o arquiteto. Quanto ao projeto e à sua execução, resta o questionamento se são apenas fases de uma mesma obra arquitetônica e, dessa forma, os direitos autorais do arquiteto recaem igualmente em ambas as situações, ou se são obras distintas, existindo direitos autorais específicos para cada um dos casos.

Para solucionar as celeumas existentes, poder-se-ia estabelecer um paralelo com obras literárias também criadas sobre encomenda. Ocorre que a legislação apresenta dispositivo que deixa incerta tal possibilidade de interpretação analógica, o artigo 26:

Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção.

Parágrafo único. O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado.

Em razão de tal disposição legal, questiona-se se os direitos autorais morais do arquiteto ficam restritos ao que dispõe o dispositivo, não cabendo ao arquiteto, portanto, opor-se de outra forma em caso de utilização indevida de sua obra ou se seria apenas uma condição específica para o seu direito autoral, para o qual o mencionado artigo seria apenas uma exceção, sem retirar a existência dos demais direitos previstos em lei.

Para tentar solucionar tais questionamentos, o STJ, em processo julgado pela Terceira Turma, apresentou ampla explanação sobre os direitos autorais do arquiteto no julgamento do Recurso Especial 1.562.617/SP.

Em pronunciamento enquanto relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze expressou entendimento, confirmado pelo voto-vista da ministra Nancy Andrighi e assumido pela Turma, quanto aos dois principais questionamentos já levantados nesse breve texto.

Referiu-se aos direitos presumidamente transferidos pelo contrato de prestação de serviços para projeto de arquitetura. Segundo o posicionamento adotado pela Turma, o contrato transferiria apenas o direito de executar o projeto uma única vez, por se tratar do objetivo intrínseco da encomenda. Desse modo, todos os direitos autorais permaneceriam salvaguardados com o arquiteto e poder-se-ia concluir pelo entendimento que o projeto arquitetônico e sua execução são apenas fases de uma mesma obra intelectual.

De acordo com o estabelecido, o direito de utilizar a obra para outros fins, como exposições, fotografias e reproduções em imagens, permanecem sujeitos à prévia autorização do arquiteto, sendo também necessária a autorização do contratante ou do dono da obra executada apenas em razão do seu direito fundamental à intimidade, e não por ter legitimidade para dispor da imagem da obra.

No voto cotejou-se ainda o cabimento de utilização da imagem da obra de acordo com o artigo 48 da lei de Direitos Autorais, que possibilita a utilização de imagens de obras situadas em logradouros públicos sem autorização prévia:

Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.

De acordo com o posicionamento da Turma, o dispositivo seria aplicável apenas para as situações em que as imagens fossem utilizadas para representar o ambiente de maneira geral, ao que adicionamos o exemplo do “Google Earth” ou do “Street View”, ferramentas do Google para visualização de áreas em geral. Ficando, assim, excluída a aplicação do citado artigo para situações em que imagem de obra seja utilizada de maneira determinada e individualizada.

No caso julgado, a utilização de fotografia específica de uma casa para ilustrar rótulos de marca de tintas com a obtenção de autorização apenas dos donos do imóvel, resultou em indenização para o arquiteto da obra em valor arbitrado para a reparação de danos morais e materiais, em razão de ele não ter autorizado o uso da imagem, nem ter tido sua autoria indicada.

No contexto, todavia, não chegou a ser discutida a disposição do artigo 26, por não ser norma incidente nos fatos julgados, mas que, sem dúvida trata-se de previsão passível de ampla discussão jurisprudencial.

De qualquer forma, começou-se, assim, a delinear de maneira mais clara os antes turvos direitos autorais dos arquitetos, de extrema importância para assegurar os direitos destes que são grandes responsáveis por toda a estrutura ao nosso redor.

Fonte: Migalhas