Patente europeia ou a história da “velhinha obrigada a atravessar a rua”

A controversa patente europeia com protecção unitária foi o tema em debate no Em Nome da Lei da Renascença. Empresas queixam-se que não foram ouvidas e querem repensar um mecanismo que agrava custos de contexto.

Portugal deve aproveitar o “Brexit” para pôr em causa a participação na patente europeia com protecão unitária, defendem as associações do sector, que estão preocupadas com os custos do novo sistema. O tema esteve em destaque no programa Em Nome da Lei da Renascença.

A patente europeia com proteção unitária permite proteger as inovações em simultâneo em todos os países da União Europeia aderentes, em vez da exigência de um registo separado em cada Estado-membro. Deveria entrar em vigor no último trimestre deste ano, mas, para que isso aconteça, é obrigatória a ratificação pelos três países que têm mais patentes: França, Inglaterra e Reino Unido.

A saída dos britânicos da UE deve obrigar a parar para pensar, defende no programa Em Nome da Lei da Renascença o presidente em Portugal da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual (AIPPI).

Gonçalo de Sampaio considera que o “Brexit” é uma oportunidade para repensar e discutir a participação portuguesa na patente de protecção unitária.

O presidente da AIPPI lembra que a patente com protecção unitária foi criada para as empresas e elas não foram ouvidas. Nenhum dos governos, desde 1980, quis saber o que pensa a indústria.

“Isto parece um bocado aquela velhinha que não quer atravessar a rua e o Estado obriga as empresas a atravessar. Elas não querem atravessar a rua, estão bem como estão ou não estão. Isso é uma decisão que cabe às empresas.”

Portugal ganhava mais em estar fora do que em estar dentro da patente europeia com proteção unitária, defende Gonçalo de Sampaio. Foi o que fez a Espanha, fazendo com que as empresas do maior parceiro comercial de Portugal tenham o melhor de dois mundos.

“Uma empresa portuguesa e uma espanhola vão a uma feira na Alemanha e o alemão ao português vai exigir ‘royalties’ por ter cá a patente protegida. Ao espanhol não vai poder exigir muito porque não tem patente protegida lá. Isto significa que as empresas portuguesas vão ter um custo de contexto muito maior do que as empresas espanholas”, exemplifica Gonçalo de Sampaio.

A patente europeia de protecção unificada está associada a um novo tribunal que irá resolver conflitos e que vai representar um brutal aumento das custas judiciais, argumenta o presidente da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual.

Patente europeia é bom negócio para as multinacionais

A patente unitária não interessa às empresas portuguesas que são em 99% pequenas e médias empresas (PME). O negócio é bom, sim, para as grandes multinacionais na sua maioria de países fora da União Europeia, argumenta o presidente da Associação Portuguesa de Mandatários Europeus de Patentes, João Pereira da Cruz.

“60% das patentes europeias actualmente pedidas no Instituto Europeu de Patentes são de países de fora da Europa. A Suíça, que é capaz de ser o país europeu com maior número de patentes de fora da UE, tem cerca de 5%. Estamos a falar de 65% das patentes europeias que não fazem parte de países da UE. Os americanos são os grandes utilizadores do sistema, com 26%.”

A presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Leonor Trindade, responde que as empresas podem sempre continuar a pedir patentes nacionais (válidas apenas em Portugal) ou pedir uma patente europeia, que depois têm de formalizar nos vários países.

Leonor Trindade insiste que o novo sistema representa um corte nos custos da protecção das inovações e diz que do actual, como dos anteriores dois governos, sempre recebeu sinais de total empenhamento na patente unitária europeia.

No programa Em Nome da Lei da Renascença, o juiz desembargador Eurico Reis mostra-se favorável à ideia. Ele que fez parte do grupo de peritos internacionais que acompanhou a criação do sistema de patentes admite, no entanto, que o “Brexit” é um factor de incerteza, até porque uma das sedes deveria ser em Londres.

Eurico Reis reconhece que os empresários deveriam ter sido ouvidos e critica a forma como a negociação política final foi conduzida pelo anterior Governo PSD-CDS, porque no projecto inicial Portugal tinha a sede exclusiva de uma câmara arbitral, mas acabou por aceitar dividir essa sede com a Eslovénia.