Uso de patentes, desenhos industriais e marcas na indústria têxtil e de confecções no Brasil

O processo de competição internacional, particularmente com o acirramento da disputa por mercados nacionais, tem se mostrado como a mola de propulsão da economia mundial desde o fim do século passado, afetando fortemente a atividade fabril. A emergência de novos atores – muitos deles localizados na Ásia, tais como China, Índia, Paquistão, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia, Malásia, Tailândia e Bangladesh, que são os maiores produtores, exportadores, empregadores e produtores de algodão – colocou em cheque as economias maduras ou as que haviam experimentado processos de desenvolvimento industrial baseado nos mercados nacionais, como os países em desenvolvimento de renda média – caso brasileiro.

Concomitantemente, na indústria têxtil, a manufatura avançada, ou indústria 4.0, é entendida como uma perspectiva capaz de fazer frente aos desafios representados pelo processo de intensificação da competição [1] [2]. Essa perspectiva impõe uma estratégia de desenvolvimento – internamente nas firmas ou em articulação com universidades, institutos e centros de pesquisa – ou acesso à tecnologia via licenciamento de patentes e incorporação de inovações [3]. Essas inovações têm caráter pervasivo, distribuindo-se ao longo do processo de produção, distribuição e interação com os clientes. A também chamada Quarta Revolução Industrial consolida essa convergência e interconectividade em um novo padrão tecnológico [4].

Entre essas inovações, destacam-se: a customização em massa, a qualidade certificada do produto, as vendas pela internet, a integração mercadológica em cadeia de valor apoiada em TIC (tecnologias de inovação e comunicação), a gestão profissionalizada e o rápido tempo de resposta ao mercado [5]. A customização em massa se insere no sistema para a produção personalizada em massa (SPPM), que é um sistema que se baseia na integração das etapas de captura de clientela/consumidores, envolvendo as dimensões desenvolvimento (design e concepção) e marketing (distribuição e logística reversa até a esfera da produção), sempre voltado para a redução de tempo de resposta [6]. Assim, a propriedade intelectual tem papel central, especialmente no tocante a tecnologias (patentes), design (desenho industrial) e marcas.

A Figura 1 mostra a evolução da participação relativa dos segmentos têxtil e de confecções no valor da transformação industrial (VTI) [a] da indústria de transformação. A participação desses segmentos no início da série, nos anos de 2007 e 2008, ainda que decrescendo, se equivaliam. A partir de 2009 se verifica um crescimento a taxas distintas (maior para confecções). O segmento de confecções evolui em uma tendência de crescimento, enquanto a participação relativa da fabricação de produtos têxteis na indústria de transformação decresce, já a partir de 2010.

Fonte: Elaboração Aecon/INPI com base em dados da PIA/IBGE.
Essa evolução se traduz em um movimento duplo, que reduz a relevância do setor têxtil ao mesmo tempo em que amplia a participação do setor de confecções. A participação relativa dos setores têxtil e de confecções no valor da transformação industrial (VTI) da indústria de transformação entre 2007 e 2014 se apresenta da seguinte forma: (i) a fabricação de produtos têxteis decresce de 1,90% para 1,65%; (ii) a fabricação de confecções sobe de 1,95% para 2,65%.

As formas de proteção, por seu turno, impactam indústrias e setores de forma diferenciada [7]. Usando a metodologia de Miguel Correia Pinto e colegas [6], foram definidas quais classes de patentes, marcas e desenhos industriais melhor representam os setores têxtil e de confecções.

As patentes são uma forma de proteção que impacta mais fortemente o setor têxtil. Interessante notar que, embora os países asiáticos sejam os maiores concorrentes do setor têxtil brasileiro, entre os países de origem das patentes depositadas no Brasil nesse setor, apenas a Coreia do Sul aparece, situando-se em 9º lugar, bem atrás dos Estados Unidos e do Brasil, em primeiro e segundo lugares, respectivamente.
A distribuição dos depósitos de patentes de invenção classificados como setor têxtil e de confecções para o período 2000-2012 [b] está representada na Figura 2, a seguir.

Segundo a classificação internacional de patentes, destaca-se o tratamento de têxteis e outros, com 1406 depósitos ou 36% do total dos pedidos de patentes de invenção entre 2000 e 2012. Em seguida situa-se fiação e outros, com 781 (20%) depósitos no período; em 3º lugar entrançamento e outros, com 619 (16%). As patentes de invenção relacionadas a vestuário aparecem na quarta posição com 468 (12%) desses depósitos.

Cabe notar que as três primeiras classificações são responsáveis por 72% dos depósitos de patentes no período e se remetem à indústria têxtil. Somente na quarta posição aparece uma classe típica da relacionada às confecções (vestuário). É na indústria têxtil que se concentra a demanda por tecnologia de maior teor ou intensidade inovativa – característica das patentes de invenção – quando se considera o conjunto têxtil e confecções (vestuário). Mesmo encontrando-se a indústria têxtil em processo de perda de importância relativa, essa resposta indica uma perspectiva dos ofertantes de tecnologia protegida por patentes de que o enfrentamento com os competidores dar-se-á pela intensificação tecnológica.

Os desenhos industriais, no que tange à classificação de Locarno, apresentam uma alta proporção de depósitos na classe 2 – roupas e armarinho, sendo uma das cinco mais importantes no total de depósitos. A classe 5 – artigos têxteis, material artificial e natural apresentou números modestos quando comparados à classe 2. Nesse sentido, os desenhos industriais são mais relevantes para o setor de confecções, em contraposição às patentes, mais relevantes para o setor têxtil. A Figura 3 apresenta o total de pedidos de desenho industrial depositados no INPI entre 2000 e 2012 por classificação de Locarno, identificadas como setor têxtil (indústrias têxtil e de confecções), segundo a origem do depositante.

Em relação ao padrão de depósitos de desenhos industriais dos não residentes, as classes relacionadas às indústrias têxtil e de confecções apresentaram participação menos expressiva no período 2000 a 2012. A taxa de crescimento no período foi expressiva, de 164%. Todavia, ao se considerar os números absolutos, observa-se um acréscimo de 54 depósitos. Em 2000, os não residentes com 33 depósitos representaram 11% do total. Em 2006, ano em que se registrou o maior número de depósitos de não residentes, estes alcançaram 23% do total, com 146 depósitos. Deve ser ressaltado que o ano em questão sintetiza movimentos antagônicos de depósitos de residentes (queda de 36%) e de não residentes (aumento de 46%).

Com relação a marcas, os depósitos, segundo as classes de Nice, mostram uma predominância da classe 25, que contempla vestuário, calçados e chapelaria, na qual se insere por excelência a indústria de confecções. A classe em questão representa 88% (93.529 depósitos) do total dos depósitos do setor têxtil. Em seguida estão tecidos de cama e mesa, com 1.952 depósitos (15%) e com 2% dos pedidos rendas e bordados e outros (2.033 depósitos) e fios para uso têxtil (1.871 depósitos).

Diferenças importantes podem ser identificadas quando se toma essas classes por origem do depositante como apresentado

Os depósitos dos residentes estão concentrados, 89% ou 83.101 pedidos, na classe 25, que engloba a indústria de confecções (vestuário, calçados e chapelaria), enquanto para os não residentes essa classe representa 77% ou 10.341 depósitos. A classe 24 contempla tecidos e substitutos de tecidos; coberturas de cama e mesa, e na Figura 4 está identificada como tecidos, cama e mesa. Apresenta para os não residentes uma proporção dos depósitos que é quase o dobro (15%) da dos residentes (8%). A classe 26, rendas e bordados, fitas e laços; botões, colchetes e ilhós, alfinetes e agulhas; flores artificiais, identificada na figura como rendas e bordados, mostra uma participação percentual de não residentes (5%) significativamente maior do que a dos residentes (1%).

No tocante à propriedade industrial, o impacto das formas de proteção varia nas indústrias têxtil e de confecções. As patentes de invenção têm maior importância relativa na indústria têxtil, onde se concentra a demanda por tecnologia de maior teor ou intensidade inovativa (característica das patentes de invenção) quando se considera o conjunto têxtil e confecções (vestuário). As marcas e desenhos industriais se mostram mais relevantes para as confecções.

Tendo em vista o peso relevante da indústria têxtil e de confecções na economia brasileira, em termos de faturamento bruto, comércio exterior, número de empresas formais, empregos gerados (e como canal de entrada no mercado de trabalho), é relevante ponderar as diferenças dentro da própria indústria. Compreender como a indústria acessa tecnologia (caso das patentes), como protege suas criações (desenhos industriais, por exemplo) e fideliza sua clientela através de marcas, passa a ser central quando se fala em manufatura avançada ou indústria 4.0. Nesse contexto, a integração das etapas de captura de clientela/consumidores, o desenvolvimento (design e concepção) e marketing (distribuição e logística reversa até a esfera da produção) são elementos centrais. A crença de que será possível retomar e internalizar todas as fases do processo produtivo no país dificulta a formulação de políticas públicas (industrial e de inovação setorial).

Fonte: Revista Inovação Unicamp