A menina que desafiou o touro

E os direitos morais de autor também

Fearless Girl e Charging Bull

Em março de 2017, Wall Street foi surpreendida com a instalação da estátua de uma menina, em posição desafiadora, bem em frente ao famoso Charging Bull, um dos pontos turísticos mais visitados de Nova York. Batizada de Fearless Girl, a escultura em bronze é uma obra provisória, cujo intuito era servir de publicidade para um fundo da State Street Global Advisers (SSgA) que investe em companhias com bons índices de diversidade de gênero em seus quadros. Assim como a escultura original do touro, a guria destemida fez sucesso imediato com os turistas que enchem diariamente a região.

A obra não recebeu, porém, idêntica acolhida por parte de Arturo di Modica, o artista ítalo-americano que esculpiu o touro e o instalou em 1989 na região de Wall Street. Em meados de abril, o escultor ameaçou processar a cidade de Nova York, que autorizou a instalação da garota propaganda da SSgA, porque a estátua violaria os seus direitos autorais. Para o artista, a estátua exploraria sem autorização a sua obra original, gerando proveito econômico indevido de terceiros.

Além de pitoresco, o caso é bastante ilustrativo do debate em torno dos direitos morais de autor.

Conforme a legislação brasileira pertinente, os direitos autorais dividem-se em direitos patrimoniais e direitos morais de autor. Os direitos patrimoniais de autor dizem respeito às prerrogativas do titular da obra de explorá-la comercialmente, autorizando o seu uso nas diversas modalidades e plataformas existentes e auferindo os ganhos pecuniários decorrentes. A seu turno, os direitos morais de autor, grosso modo, estão relacionados ao direito do criador de ter a sua autoria associada à obra (direito de paternidade) e à preservação de suas criações.

Dentre os direitos morais de autor, destaca-se o direito à integridade da obra, pelo qual, segundo a legislação nacional, o autor pode opor-se a “quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra” (art. 24, IV, Lei no. 9.610/98). É por conta deste dispositivo que o adquirente de um quadro, por exemplo, não pode alterar a pintura.

Ao defender seu raivoso bovino contra a audaciosa rapariga, di Modica argumenta justamente que a instalação da donzela de bronze em frente ao touro teria modificado o sentido original de sua obra, infringindo assim o seu direito moral à integridade. Segundo o escultor, a intenção da estátua era simbolizar a força e a prosperidade, o que restou desnaturado em razão do olhar confrontador da menina, que transformou o touro num vilão. Deste feitio, o autor sustenta que o sucesso da infante alimenta-se da exploração indevida de sua obra original, ensejando ganhos ilícitos para a SSgA.

Uma vez que não houve uma concreta mutilação da obra, é discutível se de fato teria havido a violação dos direitos morais de autor defendida por Di Modica. Sem embargo, a provocação da ousada moçoila não deixa de propiciar um interessante debate jurídico acerca dos limites do Direito Autoral, para além da velada agenda feminista.

Fonte: JOTA