A Tecnologia e a Proteção da Propriedade Intelectual

Por Natalia Gigante – Sócia da Daniel Advogados e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação

Uma das características que difere a propriedade intelectual dos outros tipos de propriedade é seu atributo não-competitivo. Tal característica faz com que a propriedade intelectual seja facilmente dispersada, podendo ser explorada livremente sem ter seu valor necessariamente prejudicado. Como forma de gerar incentivos para que os autores/inventores continuem com sua atuação – bem como sejam devidamente remunerados pela sua importantíssima atuação para o desenvolvimento científico e cultural, criou-se regras para garantir que estes pudessem explorar suas obras/invenções exclusivamente durante determinado período.

Nesse sentido, observa-se que a necessidade de proteção está intimamente ligada com a possibilidade de dispersão e, como não poderia ser diferente, as tecnologias que possibilitam ou facilitam a dispersão de tais obras ensejaram o recrudescimento das regras relacionadas à exploração exclusiva dos ativos de propriedade intelectual.

Exemplos sobre este ponto não faltam: há considerações de que a prensa de Gutemberg, que possibilitou a reprodução de livros de forma facilitada no Ocidente foi fagulha para o desenvolvimento das primeiras regras de Direito do Autor; as navegações e a maior interação entre os países e venda de mercadorias foi força motora para o advento dos primeiros tratados internacionais envolvendo propriedade intelectual, entre outros.

Desde os séculos passados, quando tais exemplos nasceram, a tecnologia se desenvolveu de forma exponencial. Se antes havia apenas a discussão sobre a reprodução a partir de parâmetros físicos, com a internet, a dispersão alcançou outro patamar quando pensamos no ambiente virtual.

A internet é revolucionária: ampliou o acesso ao conhecimento, estabeleceu novos paradigmas envolvendo o relacionamento humano, bem como suas formas de produção e reprodução de conteúdo. No entanto, se, por um lado a internet possibilitou a maior exploração da capacidade criativa humana, por outro, ampliou as possibilidades de comportamentos relacionados à contrafação e reprodução indevida de conteúdo.

Ainda, outras tecnologias também disruptivas continuam a ser desenvolvidas, como é o caso de impressoras 3D, que levaram a discussão sobre a dispersão de ativos protegidos para o campo da propriedade industrial, vista a possibilidade de impressão ilimitada de bens protegidos por patente, desenho industrial e até mesmo marca tridimensional.

No entanto, para que tais direitos sejam devidamente protegidos, resta clara a necessidade da adoção de medidas estratégicas de proteção. Primeiramente, a boa gestão dos ativos de propriedade intelectual, envolvendo os devidos registros perante os órgãos competentes segue sendo de grande valia para a aplicação de direitos e garantia da legitimidade para tomar medida contra terceiros infratores. Adicionalmente, como não poderia ser diferente, a tecnologia também é uma poderosíssima aliada, tanto para a garantia da proteção, quanto para o desenvolvimento de estratégias para desestimular a contrafação.

A tecnologia pode ser usada como forma de proteção a partir de diversos aspectos, dentre estes, destacam-se a gestão dos direitos digitais (em referência à doutrina estadunidense, digital rights management) e as medidas tecnológicas de proteção (technological protection measures).

A gestão dos direitos digitais se refere a um conjunto de tecnologias que gerem o acesso aos bens protegidos. A partir destas, é possível a obtenção de um controle do uso e acesso dos bens digitais, seja por meio de senhas ou licenciamentos específicos. Esta gestão também conta com o uso das medidas tecnológicas de proteção.

As medidas tecnológicas de proteção, por sua vez, se referem a medidas técnicas que coíbem – ou dificultam o acesso e a reprodução de obras protegidas. Estas travas são observadas em diversos aparelhos, como as antigas fitas VHS que impediam a realização de cópias e os consoles de videogame mais modernos, que executam apenas jogos obtidos legalmente. Estas medidas também compreendem o uso de criptografia e uso de chaves de acesso, senhas, licenças específicas, entre outros tipos de restrição.

Estas medidas se tornaram tão importantes para a proteção de direitos, que a circunvenção das mesmas é considerada ilegal, nos termos da Lei de Direitos Autorais brasileira, bem como em ordenamentos jurídicos estrangeiros como o DCMA – Digital Millenium Copyright Act nos Estados Unidos e no Tratado de Direito do Autor da Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

Além das referidas estratégias, ressalta-se o uso da tecnologia não apenas para coibir a reprodução, mas também para garantir a segurança na obtenção de arquivos virtuais e assegurar a originalidade de bens adquiridos, como é o caso do blockchain. Em linhas gerais, esta tecnologia por ser caracterizada por um banco de dados online, descentralizado e público, capaz de registrar e validar transações a partir de uma cadeia de blocos. Cada nova transação é validada nesta cadeia, sendo acompanhada de uma assinatura digital única. Assim se torna possível o armazenamento de informações de forma permanente e segura. Desse modo, o blockchain pode ser usado tanto para certificar a data de criação de uma nova obra – o que é relevante para arguir direitos de anterioridade, quanto para viabilizar o controle da autenticidade de produtos colocados no mercado.

A tecnologia também pode ser usada como aliada às estratégias de repressão, como é o caso de ferramentas associadas à inteligência artificial, que permitem o ativo monitoramento e a busca por alvos que ofertem conteúdos ilegais na rede. Nesse caso, a tecnologia se coloca não só como aliada contra violações a direitos autorais, como também se tornou uma arma poderosa para a identificação de vendedores de produtos contrafeitos.

Os exemplos mencionados não são exaustivos e há um universo de possibilidades a ser explorado em relação a soluções tecnológicas para problemas considerados tradicionalmente jurídicos. Estas soluções demonstram que, muito embora surjam discussões sobre prejuízos à proteção a cada aparecimento de uma grande e nova invenção dispersiva, ainda há grande espaço para a garantia dos direitos dos autores e inventores que, logicamente, devem ser preservados.