Fashion Law e Trade Dress: A proteção do conjunto-imagem da Indústria da Moda

Por Kamille Trindade Machado – Advogada e Coordenadora do Departamento de Marcas, Direitos Autorais e Contratos da Leão Propriedade Intelectual

Sabemos que o nome de uma loja pode ser protegido por registro de marca, o design de uma joia ou de uma bolsa pode ser protegido por desenho industrial (desde que cumpra os requisitos legais da Lei da Propriedade Industrial), mas, hoje em dia, uma grande marca não se limita só a isso. As demandas dos consumidores, cada vez mais exigentes por produtos mais inovadores, tecnológicos e atraentes, assim como o aumento da concorrência, obrigam as empresas, não só do setor da moda como em qualquer outro, a realizar um alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para suprir essas necessidades. Tais inovações em produtos ou serviços podem ser profundas e disruptivas em termos tecnológicos, ou apenas avanços em termos artísticos ou de posicionamento do negócio, através de novas marcas ou formas de apresentações dos produtos ou serviços.

Nesse sentido, marcas desenvolvem uma roupagem externa e uma disposição interna diferenciada de seu estabelecimento; pode ser criado um cheiro específico para uma loja, uma estampa de uma roupa ou uma embalagem que se tornam, ao longo do tempo, sinônimo de um produto. A propriedade intelectual acaba sendo a resposta usual para a tutela dessa criatividade, porém certas inovações, como todo o conjunto de elementos visuais que compõem uma marca, não possuem previsão de proteção no ordenamento jurídico brasileiro através dos institutos tradicionais existentes, como o de marcas, patentes, direitos autorais, software, etc, e por estarem “desprotegidos” poderiam simplesmente serem copiados por um concorrente?

A resposta é não. Isso porque existe um conceito trazido do Direito Norte-Americano que visa dar guarida para o “conjunto-imagem” de um produto ou serviço: o trade dress, que busca proteger o que, através dos institutos convencionais, carecem de tutela. Mas afinal, o que ele visa proteger especificamente, de que forma ele protege e o que precisa ser feito para essa proteção? 

Primeiramente, é importante que se estabeleça o que é o trade dress.

Esse instituto, comumente chamado no Brasil de “conjunto-imagem”, é definido pelo doutrinador José Carlos Tinoco Soares[1] como sendo a imagem total do negócio, o “look and feel”, isto é, o ver e o sentir do negócio, sendo o meio pelo qual o produto é apresentado ao mercado; é o identificador de origem; a imagem total ou a aparência geral de um produto ou serviço, incluindo, mas não limitado a, desenhos da embalagem, rótulos, recipientes, mostruários, à decoração, às cores, ao desenho do produto, à característica do produto ou à combinação das características do produto.

O trade dress possui reconhecimento consolidado através de dois julgados da Suprema Corte dos Estados Unidos[2], sendo um deles especificamente do mundo da moda, em que se reconheceu, pela primeira vez, a proteção do trade dress de produto e não apenas de embalagens e estabelecimentos comerciais, em razão da comercialização de uma peça infantil na rede varejista Wal-Mart que reproduzia, exatamente, a mesma peça da fabricante de roupas infantis Samara Brothers.

O trade dress visa proteger aquilo que não é, até segunda ordem, protegido por marca, por desenho industrial ou por patente, ainda que tais institutos possam ser utilizados para reforçar essa proteção. Trata-se do conjunto de elementos distintivos que formam um caráter de individualização de um produto, serviço ou estabelecimento perante o mercado consumidor, como por exemplo, uma combinação de cores, a disposição de informações em um rótulo, um invólucro ou embalagem de um produto, a disposição do ambiente interno de um estabelecimento, ou seja, nada mais é do que a concepção visual geral de um determinado produto ou estabelecimento.

Ocorre que a limitação do instituto reside na impossibilidade de se obter proteção de forma autônoma, pois o ordenamento jurídico brasileiro não contempla a previsão expressa sobre a proteção do trade dress, nem tampouco traz a possibilidade de registro para a imagem geral do produto, como ocorre no direito estadunidense, através da section 45 do Lanham Act. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXIX[3], prevê que a lei assegurará a devida proteção a “outros signos distintivos”.

Ainda que haja uma corrente doutrinária no sentido de que tal dispositivo engloba o trade dress[4], ainda não se pode afirmar que há no ordenamento jurídico brasileiro uma previsão legal expressa para o instituto, sendo que sua proteção encontrará amparo no viés da concorrência desleal, com base no Artigo 195 da Lei 9.279/96[5].

Desse modo, a proteção conferida ao trade dress se consolida sob a ótica do combate à concorrência desleal, sendo que a infração ao trade dress alheio se traduzirá pela execução de atos de concorrência desleal, consubstanciados na prática de se estabelecer confusão ou associação perante o mercado.

É importante salientar que, além do viés da concorrência desleal, há estratégias para buscar a proteção dos elementos que compõem o trade dress. Através do registro de marca, pode-se proteger a estampa específica de um produto, como é o caso da marca de posição do solado vermelho da Christian Louboutin ou da marca mista do monograma da Louis Vuitton. Através do Direito Autoral, pode-se proteger o catálogo de roupas de uma marca ou o personagem utilizado numa campanha publicitária. Através de Desenho Industrial, pode ser protegido um padrão ornamental aplicado em tecido ou uma configuração aplicada em frasco de perfume.

Ou seja, enquanto não há uma previsão legal específica para o trade dress, é válida a tentativa de proteção pelas vias tradicionais, desde que preenchidos os requisitos legais de cada instituto, conforme dispõe a Lei da Propriedade Industrial (nº 9.279/96).

Nesse cenário, a efetiva tutela das criações do mundo da moda é possibilitada através do reconhecimento do trade dress, de modo que, em um mundo onde cada vez mais “nada se cria, tudo se copia”, o combate às reproduções indevidas de conjuntos visuais que compõem produtos ou serviços, seja da moda ou não, é extremamente importante para garantir o fomento da indústria, a proteção de seus criadores e uma concorrência cada vez mais saudável.


[1] SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal v. Trade e/ou Conjunto-imagem. São Paulo. Ed. Tinoco Soares. 2004. p. 213.

[2] Two Pesos, Inc. versus Taco Cabana, Inc. (nº 91-971, decidido em 26 de junho de 1992) e Wal Mart Stores, Inc. versus Samara Brothers, Inc. (nº 99-150, decidido em 22 de março de 2000)

[3] Art. 5º  Todos  são  iguais  perante  a  lei,  sem  distinção  de qualquer  natureza,  garantindo-se  aos  brasileiros  e aos estrangeiros  residentes  no  País  a  inviolabilidade  do  direito  à vida,  à  liberdade,  à  igualdade,  à  segurança  e  à  propriedade, nos termos seguintes:

[…] XXIX  –  a  lei  assegurará  aos  autores  de  inventos  industriais privilégio  temporário  para  sua  utilização,  bem  como  proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (grifou-se)

[4] De acordo com o entendimento de Newton Silveira[4], constituem outros sinais distintivos da empresa “[…] o título do estabelecimento, a insígnia, os sinais de propaganda, a marca de fato (não registrada), o dito trade dress e mesmo o nome comercial […]” (grifou-se).

[5] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…) III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.