O novo CPC e o prazo para contestar a ação de nulidade de direito de propriedade industrial

Liliane Roriz[1]

A partir de 18/03/2016, estará em pleno vigor o Novo Código de Processo Civil – doravante NCPC (Lei n. 13.105, de 16/03/2015). Estamos todos estudando o novo texto e nos preparando para não sermos pegos de surpresa, com as por vezes substanciosas alterações a serem implementadas.

Uma dessas modificações que tem chamado minha atenção, e que poderá afetar sobremaneira as ações de nulidade de ato do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, quer se trate de patente, de desenho industrial ou de marca, se refere ao prazo para resposta por parte do réu titular da patente ou do registro.

As ações de nulidade de atos concessivos de direito de Propriedade Industrial – PI, envolvem obrigatoriamente dois réus: o INPI, como órgão que concedeu o título, e o respectivo titular do direito. Ambos têm assegurado por lei o prazo de 60 dias corridos para apresentar sua resposta, conforme se verá a seguir.

Para contextualizar o problema ora em análise, é melhor, inicialmente, indicar como a questão evoluiu, ao longo do tempo.

  1. A evolução do tratamento do tema

Podemos dividir a questão em três momentos distintos.

1º momento = o CPC/1973:

Segundo o CPC/73 (Lei n. 5.869, de 11/01/1973), o INPI, devido a sua natureza de autarquia federal, tinha prazo em quádruplo para contestar qualquer ação em face dele proposta, além de prazo em dobro para recorrer (art. 188), ou seja: 60 dias para contestar e 30 dias para recorrer, prazos estes contados em dias corridos, na forma prevista no art. 178.

Já o réu titular do direito impugnado pela ação de nulidade e principal afetado por ela – visto que corria o risco de perder o seu direito –, este contava apenas com prazo em dobro, tanto para contestar, quanto para recorrer, ou seja, 30 dias corridos, por conta de os réus serem representados por procuradores distintos (art. 191), o que gerava uma enorme desvantagem processual justamente para o maior interessado na validade do ato administrativo impugnado.

É importante destacar que, naquele momento, era razoável e justificável que os órgãos públicos contassem com prazo em quádruplo para contestar, visto que sua defesa, via de regra, era mais dificultosa, tanto por ser difusa, quanto por necessitar percorrer um extenso caminho burocrático, até que o procurador viesse a ter efetivo acesso aos dados do respectivo processo administrativo que orientaria sua peça de defesa.

2º momento = o CPC/1973 + a LPI:

Buscando corrigir a distorção relativa aos prazos díspares para resposta, a Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 14/05/1996) padronizou o prazo para contestar de ambos os réus, assegurando também ao réu titular do direito de PI o prazo para resposta de 60 dias, seja no caso de ação de nulidade de patente (art. 57, § 1º), de registro de desenho industrial (art. 118 c/c art. 57, § 1º), ou de registro de marca (175, § 1º). Em qualquer dos casos, a forma de contagem do prazo de sessenta dias se faz no modo previsto pela norma geral, qual seja, a do já mencionado art. 178 do CPC, que determina que os prazos sejam contados de forma contínua. Com essa alteração, igualou-se o prazo para resposta de ambos os réus. Quanto ao prazo para recorrer, não houve necessidade de alteração, visto que ambos já tinham assegurado o prazo em dobro, seja com base no art. 188, no caso do INPI, seja com base no art. 191, ambos do CPC/73, no caso do réu titular do direito.

Como a lei especial prevalece sobre a lei geral, nunca houve dúvida sobre a regularidade da norma processual especial.

Também aqui é importante destacar que, em 1996, antes que a internet pudesse ser usada na mesma medida em que é hoje, fazia também sentido a extensão do prazo de 60 dias para o titular do direito de PI, visto que o contato entre advogados e clientes era por vezes dificultoso, envolvendo comunicação internacional via correio. Assim, a decisão de estender o prazo era também razoável e justificável.

3º momento = o novo CPC:

Com a entrada em vigor do NCPC, formou-se um novo cenário, por força das regras fixadas, quais sejam:

  • Todos os prazos passam a ser contados em dias úteis (art. 219).
  • O prazo geral para o réu oferecer contestação continua a ser de 15 dias (art. 335).
  • Os órgãos públicos têm prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais (art. 183), não mais contando com prazo em quádruplo para contestar.
  • Persiste a regra de contagem de prazo em dobro para qualquer manifestação, sempre que os litisconsortes estiverem representados por diferentes procuradores (art. 229), mas apenas no caso dos processos físicos, visto que o dispositivo excepciona expressamente os processos em autos eletrônicos (§ 2º), aos quais a regra da contagem em dobro não se aplica[2].
  • Não houve, entretanto, a revogação expressa pelo NCPC dos arts. 57, § 1º, e 175, § 1º, da LPI.

Com a popularização da comunicação via internet, com o advento do processo virtual e com a possibilidade de consulta processual online mesmo para os processos físicos, deixou de fazer sentido prazos muito longos para a resposta do réu, mesmo um órgão público, sendo mais eficaz a alteração da forma de contagem dos prazos, passando para dias úteis.

Pela letra fria da lei, teremos, a partir de agora, o cenário invertido em relação ao 1º momento, e o INPI terá o prazo de 30 dias úteis para contestar, enquanto que o réu titular do direito contará com o prazo de 60 dias úteis para apresentar sua resposta.

Será que é isso mesmo?

  1. Como se resolve o conflito de leis no tempo.

Inicialmente, cabe recordar, no que nos interessa, o que diz a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB[3], a respeito de aplicação da lei no tempo:

Art. 2o. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1o. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
  • 2o. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
  • 3o. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

A própria lei introdutória previu, no § 1º do acima transcrito artigo, três espécies de revogação: (i) expressa ou direta; (ii) tácita ou indireta (por incompatibilidade); e (iii) global (por nova regulação integral da matéria).

Chamo a atenção para dois aspectos.

O primeiro deles: a própria norma legal tratou de prever, através da revogação indireta, uma forma de contenção tácita e específica de vigência de uma norma anterior que se apresentasse incompatível com a norma posterior, em determinado caso concreto, mas que houvesse passado despercebida ao legislador, que, por isso mesmo, deixou de prever a disposição revogadora.

E o segundo: das três formas de revogação previstas, duas serão definidas pelo próprio ente legislativo – a expressa e a global –, enquanto que a aplicação da revogação tácita cabe apenas ao ente julgador/aplicador da norma, em sua tarefa de sistematizar e definir a prevalência das normas em conflito. Em decorrência, enquanto as revogações legislativas têm caráter geral, a revogação judicialmente declarada terá caráter individual, aplicando-se apenas ao caso concreto, ao menos até que a jurisprudência se consolide nesse sentido.

No caso concreto, ora em exame, é certo (i) que não houve revogação expressa dos já mencionados artigos da LPI que asseguram o prazo de resposta de 60 dias e (ii) que ocorreu uma revogação global com nova regulação integral do processo civil brasileiro. Resta avaliar se seria o caso de revogação tácita.

Para se chegar a alguma conclusão, há que se avaliar os princípios gerais de direito que regulam as questões de antinomia entre duas leis, sendo ambas existentes, válidas e eficazes. Há três metacritérios de resolução desses conflitos:

  • Metacritério cronológico: a lei posterior prevalece sobre a lei anterior;
  • Metacritério de especialidade: a lei especial prevalece sobre a lei geral;
  • Metacritério hierárquico: a lei superior prevalece sobre a lei inferior.

Importante recordar que, pelas regras de solução de conflitos, havendo antinomia de 2º grau (entre dois metacritérios distintos), a solução é a de se aplicar o metacritério de maior força, ou seja, primeiro o hierárquico, depois o de especialidade e, por último, o cronológico.

No caso ora em análise, estamos diante de uma evidente antinomia de 2º grau, pois envolve o metacritério de especialidade e o cronológico (lei especial anterior x lei geral posterior), devendo prevalecer, pois, a regra contida no metacritério mais forte, qual seja, o da especialidade, do que resulta que a lei geral posterior não derroga a lei especial anterior, conforme, aliás, consta do § 2º do art. 2º da LINDB.

Afinal, como bem realça Oliveira Ascenção: “o regime geral não toma em conta as circunstâncias particulares que justificaram justamente a emissão de lei especial. Por isso não será afectada em razão de o regime geral ter sido modificado”.[4]

Doutrina e jurisprudência, entretanto, entendem ser possível, em hipóteses específicas, que a lei especial anterior seja derrogada pela lei geral posterior, sempre que esse entendimento decorrer claramente da intenção do legislador. Assim, deve-se analisar os objetivos que emergem, de forma evidente, do contexto perseguido pela nova lei geral, para definir se se contrapõem, de forma inconciliável, às regras contidas na lei especial anterior.

Em outras palavras, não basta que, por via interpretativa, se chegue à conclusão de que havia intenção de revogar; é fundamental que essa intenção decorra com clareza e inequivocamente do contexto da nova lei, tornando ambas inconciliáveis e de impossível convivência pacífica.

O Código Civil português, em seu art. 7º, n. 3 deixa claro que é dessa forma que a antinomia deve ser resolvida:

“A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.

  1. A questão ora em análise.

Resta-nos, pois, tentar avaliar se o legislador pretendeu ou não deixar que a pessoa jurídica de direito privado permanecesse com o prazo de 60 dias, enquanto que assegurou à pessoa jurídica de direito público um prazo de 30 dias.

Ora, pelos seus condicionalismos concretos, a prevalência da regra contida na norma especial em questão pode revelar situação violadora de diversos princípios constitucionais e legais, como os princípios do estado de direito, da igualdade, do devido processo legal, da paridade de armas, da boa-fé, da cooperação, da proporcionalidade e da razoabilidade.

A nova normatividade jurídica contida na lei geral posterior tornou a norma jurídica contida na lei especial anterior desadequada, desproporcionada e desarrazoada. Sim, pois se o legislador definiu que, na era da informática, nem mesmo os órgãos públicos, com sua “agilidade paquidérmica” precisam mais de 60 dias para organizar suas defesas, não atenderia a uma relação de adequação fim/meio assegurar esse prazo para as pessoas jurídicas de direito privado titulares de direito de PI, qualquer delas muito mais ágeis quando se trata de defender seus próprios interesses. Ou seja, deixa de haver uma justa medida na equação que vigorava antes do NCPC.

Como nos relembra Canotilho, “do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito”.[5]

A inexistência de uma revogação expressa pelo legislador não pode comprometer o direito das partes a ambicionar uma tutela jurisdicional equivalente e adequada, em seus aspectos processuais, nem o de lutar pela garantia de um processo equitativo. Equivaleria a garantir um privilégio intolerável no mundo jurídico, lesivo ao interesse público.

Por outro lado, a própria redação do código deixa clara a intenção do legislador processual de assegurar, logo em seu capítulo inaugural, o respeito ao devido processo legal (art. 1º) – já garantido constitucionalmente –, à boa-fé (art. 5º) e à paridade de armas (art. 7º).

Além disso, a Exposição de Motivos do novo código: (i) ressalta a preocupação de atender a uma necessidade de caráter pragmático, qual seja, a obtenção de um grau mais intenso de funcionalidade; (ii) relaciona como um dos cinco objetivos da Comissão de redação o de imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão; e (iii) indica que foi levado em conta o princípio da razoável duração do processo.

Todos esses aspectos em conjunto, são suficientes para indicar que foi intenção clara e evidente do legislador evitar paradoxos e privilégios desproporcionais, visto que, muito pelo contrário, unificou prazos, simplificou sistemas, aboliu tratamentos desiguais e privilegiou a segurança jurídica.

  1. Conclusão

Assim, a meu ver e com a devida vênia dos que possam entender em sentido contrário, entendo que os arts. 57, § 1º, e 175, § 1º, da LPI foram tácita e indiretamente revogados pelo NCPC, por incompatibilidade entre os sistemas, ficando ambos os réus das ações de nulidade de direito de PI com novos prazos, sendo estes de 30 dias, para o INPI, e de 15 ou 30 dias, respectivamente para processos virtuais ou físicos, para o titular do direito.

Convém lembrar que essa diferenciação do prazo de resposta de acordo com o modelo de processamento – virtual ou físico – vai fatalmente adicionar mais um ingrediente à definição do fórum de propositura de uma ação de nulidade. Pelas regras constitucionais e legais, pode ele optar pela seção judiciária em que ele for domiciliado ou por aquela em que for domiciliado qualquer um dos réus (recorde-se que o INPI tem sede legal em Brasília e formal no Rio de Janeiro). O autor poderá, então, muitas vezes, escolher pelo menos entre três ou quatro regiões federais, a depender dos domicílios envolvidos.

No âmbito da 1ª instância cível ligada ao TRF2, todos os processos já são eletrônicos, o que não ocorre, entretanto, nas demais cortes federais. Assim, nas ações propostas na 2ª Região, o réu titular do direito terá 15 dias para resposta, enquanto, naquelas propostas nas demais regiões, terá 30 dias. Mais um fator, portanto a ser considerado.

Por fim, não se pode deixar de mencionar que, caso o Juiz Federal a quem a ação de nulidade for distribuída discorde das conclusões deste estudo, e entenda que a lei especial não foi revogada pela lei geral, por haver compatibilidade entre ambas, o INPI sempre poderá atravessar uma petição requerendo isonomia ao prazo do outro réu, com base no art. 139, incisos I e VI, do NCPC, que atribuem ao juiz o dever de dirigir o processo com vistas a assegurar a todos igualdade de tratamento, e de adequar os prazos processuais às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito. Ressalte-se que os autos permanecerão mesmo sem movimentação até o sexagésimo dia do prazo, inexistindo, pois, possibilidade de delongas desarrazoadas.

Idêntico raciocínio cabe, na 2ª Região, ao réu titular do direito – caso o Juiz concorde com as conclusões deste estudo e assegure a ele apenas 15 dias para que apresente sua resposta –, que pode requerer isonomia ao órgão público e pretender o prazo de 30 dias.

De qualquer forma, em constando prazo de resposta de 60 dias no corpo do mandado de citação, entendo que é este que vai valer para o citando, caso contrário, ele poderia alegar ter sido induzido a erro pelo teor do mandado.

São estas as observações que gostaria de trazer à discussão, neste momento de transição entre códigos processuais, destacando que só o evoluir do tempo e a sucessão de decisões judiciais é que vai pôr um ponto final na questão, visto tratar-se de matéria que envolve revogação tácita ou indireta, só cabendo, por conseguinte, ao Judiciário definir.

[1] Advogada de Licks Advogados; Desembargadora Federal aposentada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; ex-integrante da Procuradoria do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

[2] Cabe lembrar que o § 1º faz cessar a contagem dos demais prazos em dobro, a partir do momento em que apenas um dos réus contestar a ação.

[3] Atual denominação da antiga Lei de Introdução ao Código Civil – LICC (Decreto-Lei 4.657/1942), conforme determinado pela Lei n. 12.376/2010.

[4] O DIREITO – INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL. Coimbra, Almedina, 1991, n. 322, p. 541.

[5] DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO. Coimbra, Almedina, 6ª edição, p. 274.

Autora: Dra. Liliane Roriz

Artigo Publicado na Revista ABPI ; Edição 141. | Clipping LDSOFT