Processos de usinagem por Fresamento – A proteção de patentes e o desenvolvimento temporal do processo de fabricação no Brasil

Por: Eng. Eduardo Quadros.

1. Introdução

A usinagem é a responsável pela fabricação de grande parte dos utensílios, equipamentos e bens que são utilizados hoje em dia. Com os avanços tecnológicos advindos de materiais de ferramenta, equipamentos e técnicas de usinagem, atualmente pode-se usinar uma vasta gama de materiais cada vez mais rápido e com um mínimo de capital envolvido. Atualmente para que um produto seja competitivo no mercado, ele tem que ser o melhor produto com o menor investimento. Baseadas nisto, cada vez mais as indústrias investem grandes capitais em avanços tecnológicos para que se tornem cada vez mais competitivas. As pesquisas em novos materiais e revestimentos têm proporcionado a utilização de ferramentas de corte cada vez mais eficientes, com possibilidade de grandes remoções de material, em altíssimas velocidades. Também vale destacar que máquinas têm ganhado inúmeras modificações tecnológicas, como o uso do comando numérico computadorizado, motores de alta velocidade e baixo consumo de energia e aumento de rigidez estrutural. Acabamentos superficiais com rugosidades cada vez menores e integridades superficiais favoráveis ao processo/peça são conseguidos com a combinação de parâmetros de corte como velocidade de corte, avanços e profundidades e também a utilização de vários processos de fabricação, [Maia, 2009].

O processo de fresamento consiste na operação de usinagem em que o material é removido por uma ferramenta giratória denominada fresa de múltiplos insertos cortantes. Cada inserto remove uma pequena quantidade de material em cada revolução do eixo onde a ferramenta é fixada. A máquina que realiza esta operação é chamada de fresadora, [Agostinho et al, 2004].

Para empresas e pessoas físicas interessadas em retornos financeiros sobre investimento, o uso de informações sobre patentes para obter vantagem comercial estratégica pode ser mais eficiente do que o próprio uso do conteúdo técnico. Informações sobre patentes podem ser usadas para monitorar tendências do mercado ou acompanhar as ações dos concorrentes – que produtos estão desenvolvendo e onde pretendem comercializar tais produtos [WIPO, 2019].

Compreender o atual estado da técnica, as inovações e soluções reveladas aos constantes problemas do processo de usinagem por fresamento é enfoque desse estudo, de forma a proporcionar uma leitura da atual situação da tecnologia no Brasil, a distribuição temporal dos depósitos, os principais depositantes e seus países de origem e as preeminentes áreas de concentração de tecnologias.   

2. Método

A metodologia para elaboração do presente estudo compreendeu inicialmente a etapa de seleção de símbolos da IPC – Classificação Internacional de Patentes com auxílio de uma busca no banco de dados do INPI pelo seguinte termo: FRESA* OR FRESAMENTO OR FRESAGEM*, a fim de auxiliar na obtenção de símbolos que fizessem menção ao processo, mas que estariam em outras categorias; com isso, resultou-se em 87 grupos e subgrupos que versam sobre o processo de fresamento (*ANEXO I).

Devido a limitação do software utilizado WEBSEEK – Pesquisa avançada de patentes que possibilita 10 campos de classificações, separou-se em dois grupos de classificações para as buscas:

Grupo 1: B23C*; B24B 3/0*; B24B 3/12; B24B 3/14; B23G 5/18; B23F 1/06; B23F 5/2*; B23F 9/08; B23F 9/1*; B23F 11/00.

Grupo 2: B23F 21/1*; B23F 21/22; B23F 21/23; B23F 21/24.

Com base em tais símbolos das classificações, procedeu-se uma busca na base do INPI com o Grupo 1, que resultou em 661 documentos, o qual foi denominado: Conjunto 1.

Também foi realizada uma busca na base WEBSEEK, tomando por base os símbolos da IPC acima citados, resultando em 622 documentos, o qual foi denominada: Conjunto 2.

Fez-se com o Grupo 2 uma busca na base do INPI, que resultou em 56 documentos, que foi denominado Conjunto 3.

Realizou-se também uma busca na base WEBSEEK com o Grupo 2, que identificou 48 documentos.

Considerando a comparação entre os Conjuntos 1 e 2 obtidos, notou-se uma diferença de 39 documentos. Procedeu-se na identificação destes manualmente pelo reduzido número da diferença gerada, o que foi possível notar que isso ocorreu devido ao software WEBSEEK não obter documentos anteriores a 1983; gerou-se então o Conjunto 5 com 661 documentos.

De mesmo modo, comparou-se manualmente os Conjuntos 3 e 4, que demonstrou uma diferença de 8 documentos; a partir disso, gerou-se o Conjunto 6 com 57 documentos.

          Comparou-se os Conjuntos 5 e 6 e reuniu-se em um único arquivo o total de 675 documentos, denominado Conjunto 7, o qual continha os principais dados bibliográficos (título, resumo, classificações, depositantes, país de origem, dados de prioridade, etc.), esses dados foram organizados em 4 planilhas, iguais, intituladas:

a) Distribuição temporal dos depósitos no brasil;

b) Principais depositantes no brasil;

c) Países de origem dos depositantes no brasil;

d) Principais áreas de concentração de tecnologias.

Utilizando o software Excel foram selecionados os documentos de patentes conforme cada enfoque, primeiramente ordenou-se os documentos conforme sua data de depósito, classificação da mais antiga até a mais recente; por meio da função cont.se colocou-se em ordem os principais depositantes, os países de origem dos depositantes e as áreas de maior concentração de tecnologias.

Considerando a limitação das planilhas obtidas por meio do software WEBSEEK, não pode-se avaliar o estado dos documentos contigo na base do INPI, avaliando se estão em decisão final de andamento no INPI, aguardando exame ou arquivamento ou indeferidos definitivamente, apenas se foram concedidos, não conseguindo analisar se permanecem vigentes no momento.

3. Análise e Interpretação dos dados

3.1 Distribuição temporal dos depósitos no Brasil

Conforme pode-se verificar no Gráfico 1, a grande maioria dos depósitos nacionais sobre processos de usinagem por fresamento ocorre a partir de 1997. Também verifica-se pelo Gráfico 2 que as 183 concessões de patentes brasileiras ocorreram entre 1981 e 2020, com destaque para 28 concessões em 2019, representando 27,11% do total de 675 pedidos considerados no presente estudo. Os demais 492 pedidos encontram-se em fase de tramitação no INPI, não tendo, portanto, uma decisão final do órgão sobre sua situação patentária, ou arquivados ou indeferidas definitivamente.

3.2 Principais depositantes no Brasil

Dentre os 675 pedidos efetuados no Brasil sobre processos de usinagem, desde 1975, foram identificados 277 depositantes. Entretanto, verifica-se que os dez maiores depositantes respondem por mais de 50,81% do total de depósitos efetuados, e de acordo com o levantamento, pode-se também constatar que todos são de origem estrangeira, com presença hegemônica de um depositante israelense responsável por 141 depósitos, seguidos de pelos de origem norte-americana responsáveis por 62 depósitos, seguidos pelos de origem sueca com 50 depósitos e os japoneses e sul-coreanos que efetuaram 46 depósitos e 43 depósitos respectivamente em território nacional. A distribuição dos depósitos dos dez principais depositantes no Brasil pode ser vista no Gráfico 3 abaixo.

3.3 Países de origem dos depositantes no Brasil

Os depósitos efetuados em território nacional desde 1975, são provenientes de depositantes residentes de um total de 23 países. Dentre os mesmos, os dez países que mais se destacam, de acordo com o critério com número de depósitos igual ou superior a 10 registros, são elencados no Gráfico 4 a seguir.

3.4 Principais áreas de concentração de tecnologias

A estratificação dos depósitos efetuados no Brasil, segundo o detalhamento da tecnologia empregada, conforme especificado na Classificação Internacional de Patentes – IPC, permite identificar que os principais grupos da IPC referem-se à ferramentas de corte como fresas e ferramentas aplicáveis a máquinas de tornear ou broquear, ocorrendo o mesmo com as tecnologias que ocupam a sétima posição, na relação das 18 com maior número de registros. A nona e décima maiores áreas de concentração de pedidos é referente ao processo de usinagem e soluções técnicas que envolvem fresamento. As demais tecnologias identificadas, com grande concentração de pedidos, referem-se a fresagem de materiais especiais, fresadoras e detalhes e acessórios para o processo. Tais informações podem ser visualizadas no Gráfico 4, bem como a relação detalhada dos significados dos símbolos da IPC, que também pode ser consultada abaixo.

3.5 Análise dos depósitos de origem brasileira

          Dos 675 depósitos que compõem a amostra estudada, 128 processos são de origem brasileira, ou seja, os depositantes são residentes no Brasil, e são alvo de análise neste item. Inicialmente verifica-se que na amostra considerada, 41 depósitos foram concedidos, 32% dos depósitos destes depositantes brasileiros. O primeiro depósito foi feito em 1975, vindo a ser concedido no ano de 1981. Constatou-se também a média foi de 7 anos para concessão, tendo um backlog para exame dos pedidos de até 6 anos em média. A maior concentração de depósitos, dez protocolos, foi efetivada no ano de 2008. Dos 128 depósitos, efetuados por cento e um depositantes, dois são oriundos de universidades, e dois foram depositados por instituições privadas brasileiras de interesse público, sem fins lucrativos. Sessenta e nove depósitos tem origem empresarial e os outros cinquenta e cinco depósitos foram efetuados por inventores independentes.

          Nota-se que as universidades e centros de pesquisas não são responsáveis pela proeminência dos depósitos de patentes na área de fresamento, estando em contraponto com os inúmeros artigos científicos anualmente publicados por pesquisadores que indicam problemas durante o processo, resultados com determinados materiais usinados, do uso de ferramentas especiais e soluções para os defeitos técnicos conhecidos. [Paranaguá, 2009] comenta que “o Brasil constantemente é criticado por não proteger os conhecimentos que desenvolve através de pesquisas em universidades e centro de investigação. A livre circulação de conhecimento, através da publicação irrestrita da informação científica, é uma máxima da forma de operar as universidades no mundo. As patentes são uma nova maneira, ainda pouco utilizada no país, de demonstrar o grau de inovação dos grupos de pesquisa”. Nesse sentido, entende-se que existe um distanciamento entre os conhecimentos revelados pela pesquisa científica, o sistema de patentes e a indústria, sobretudo pelo desconhecimento das proteções intelectuais mais adequadas e pela falta de aplicação direta e momentânea às necessidades do mercado. O maior número de requerimentos envolvendo depositantes de origem empresarial aponta para busca de soluções internas e emergentes, para redução de custo e melhor qualidade das peças usinadas; conforme esclarece as áreas mais buscadas no Gráfico 5 para ferramentas de corte e melhorias envolvendo os processos de fresamento.

          Outro ponto considerável é que a redução de fluidos refrigerantes em processos de usinagem não é abrangido no programa de trâmite prioritário do INPI – Patentes Verdes, sendo um assunto amplamente estudado e alvo de diversas publicações científicas. A ausência de enquadramento de pedidos de patentes que revelam soluções para usinagem limpa, com mínimo ou baixo uso de fluidos refrigerantes pode desmotivar o empresariado brasileiro e pesquisadores a prosseguirem nas propostas de soluções, sendo evidenciado pela queda a partir de 2011 dos depósitos. [Binayak Sen, Mozammel Mia, G. M. Krolczyk, 2019] concluem em sua pesquisa que a tecnologia MQL (Minimum Quantity Lubrication) tem um grande potencial para melhorar vários aspectos da usinagem convencional, como torneamento, retificação, fresagem e furação. [B. Boswell, M.N. Islam, Ian J. Davies, Y. R. Ginting & Ai Keem Ong, 2017] indicam que a tecnologia MQL (Minimum Quantity Lubrication) pode substituir o método de lubrificação de fluídos refrigerantes convencionais de processos de usinagem, incluindo o de fresagem. Diante disso, compreende-se ser necessário um reajuste dos incentivos governamentais no que se refere a redução de tempo para análise de pedidos na área metalmecânica, considerando as diversas publicações que esclarecem o constante desenvolvimento em prol do meio ambiente.

4. Considerações Finais

Com base nos resultados apresentados no item anterior, podem ser elaboradas algumas conclusões, a saber:

– Tendo em vista os resultados do item 4.1, referente à distribuição temporal dos depósitos no Brasil, pode-se constatar que as iniciativas de proteção patentária sobre o assunto no território nacional, foram alvo de expressivo crescimento a partir de 1995, razão pela qual não se contabiliza significativo número de decisões finais, representadas por concessões ou denegações de direitos de propriedade industrial no país. Tal cenário aponta para um setor ainda em expansão e em constante desenvolvimento em uma antiga área metalmecânica, sugerindo ampla possibilidade para os residentes que tencionam efetivar parcerias com empresas transnacionais que aqui depositam.

– A listagem dos maiores depositantes, apresentada no item 4.2, permite observar que o assunto no Brasil é alvo principalmente das grandes empresas transnacionais do setor de usinagem, sobretudo de uma empresa israelense proeminente no número de depósitos, e embora os depósitos sejam oriundos de 23 países, concentra-se em 5 empresas distribuídas no Oriente Médio, Ásia, América do Norte e Europa, evidenciando forte interesse das mesmas no potencial de mercado que o Brasil representa.

– No que concerne às áreas de concentração tecnológica, nota-se que aquelas referentes à ferramentas de corte como fresas, melhorias no processo de fresamento e novas modalidades de fresadoras, constam como de maior interesse dos depositantes, sendo portanto este um indicador para os inventores nacionais que tencionem buscar parcerias, ou licenciamentos com os principais requerentes estrangeiros que efetuam depósitos no Brasil.

– Infere-se ainda que há uma forte tendência de proteção, por patentes no setor tecnológico que diz respeito em melhorias que resultam em redução de custos, nas ferramentas de corte visando a correção dos problemas outrora referenciados na literatura e diminuição dos efeitos ao meio ambiente por parte de fluidos refrigerantes.

– Há baixo número de envolvimento de instituições de ensino e centros de pesquisas com a proteção de patentes, demonstrando que os resultados alcançados em estudos de laboratório não são protegidos e por vezes, não alcançam o setor de fabricação e empresariado no país.

– Existe uma lacuna e adequada possibilidade de enquadramento no trâmite prioritário de Patentes Verdes de pedidos que revelam soluções para redução de uso de fluidos refrigerantes nos processos de usinagem, sobretudo de fresamento.  

5. Referências bibliográficas

Agostinho, O.L, Vilella, R.C. & Button, S.T. 2004. Processos de Fabricação e Planejamento de Processos. 2ª Ed. Campinas, UNICAMP, Processos Produtivos em Engenharia de Produção – Usinagem.

Boswell, B., Islam, M., Davies, I.J. et al. A review identifying the effectiveness of minimum quantity lubrication (MQL) during conventional machining. Int J Adv Manuf Technol 92, 321–340 (2017).

Listagem das tecnologias verdes baseada no inventário da OMPI,disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/patentes-verdes-v2.0, acesso em 13/05/2020.

Maia, Luís Henrique Andrade, Influência das condições de corte do fresamento do aço baixa liga ABNT-4140 nos sinais vibracionais e de emissão acústica. Belo Horizonte, 2009.

Sen, B., Mia, M., Krolczyk, G.M. et al. Eco-Friendly Cutting Fluids in Minimum Quantity Lubrication Assisted Machining: A Review on the Perception of Sustainable Manufacturing. Int. J. of Precis. Eng. and Manuf.-Green Tech. (2019).

Paranaguá, Pedro, Patentes e criações industriais / Pedro Paranaguá, Renata Reis. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

WIPO/INPI, Curso de Busca de Informações de Patentes – DL-318P BR; MÓDULO 1 – INTRODUÇÃO: O VALOR DAS INFORMAÇÕES SOBRE PATENTES, 2019.


Eduardo Santos de Quadros, formado em Engenharia Mecânica pela UFRGS, pós-graduando em Propriedade Intelectual, Direito e Ética na UCAM e mestrando em Processos de Fabricação na UFRGS, além de diversos cursos de especialização na OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual).