Impacto da COVID-19: patentes x licenças compulsórias; legado x estratégia

A propriedade intelectual, ainda desconhecida, seja por seu nome, por sua abrangência, mesmo em voga como nunca, continua sendo uma incógnita para muitos. Mal sabem eles que é a área da ciência, do direito e das nossas vidas. A propriedade intelectual vai além: ela salva, educa, dialoga, cria, inventa, inova, conecta, identifica, emociona.

Ela está atenta às nossas necessidades, e o mundo clama pela vacina contra a Covid-19, pela fabricação de novos respiradores, suas partes e componentes, otimização de procedimentos de higienização hospitalar, diagnósticos e testes céleres da doença etc. Ditas invenções ou seus aprimoramentos merecem proteção!

Nesse contexto, atualmente diversas empresas e instituições com fonte de renda alicerçada em produtos e processos provenientes de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), estão numa corrida alucinada, investindo tempo e dinheiro em busca de soluções para essas novas necessidades que são prementes.

Tais apostas dos núcleos de pesquisas necessitam de uma recompensa financeira para que possam continuar com seu legado, o que se dá por meio de um direito de exclusiva, que é um privilégio concedido ao titular para que explore diretamente a sua propriedade intelectual ou por meio de licença, normalmente via patente, que dura até 20 anos desde seu depósito, dependendo da complexidade do invento.

Em troca do privilégio, o conteúdo da patente será publicado em até 18 meses da data do depósito, e este servirá de base para que novas pesquisas sejam realizadas, de forma que inevitavelmente, uma patente contribui para o desenvolvimento tecnológico, econômico e social do país.

Em tempos de Covid-19, estrategicamente deverá o titular atentar para as diferentes proteções por meio de patentes no mundo. Dependendo do país, a mesma invenção poderá ter até três formas de proteção, seja como produto (ex: kit para diagnóstico da doença, vacina), como processo (a produção da dita composição da solução, a qual deve ser definida por suas etapas), ou o uso (para cura de determinada doença).

O que eventualmente não é passível de proteção no Brasil poderá ser em outro país, portanto, fazer constar a diversidade de exploração no primeiro depósito permite que a invenção seja protegida em outros países, diante da prioridade. Vale lembrar que, dependendo da matéria não poderá ser acrescida posteriormente e que a patente detém proteção territorial, merecendo guarida apenas no país em que for requerida.

Depositada a patente, possuirá o depositante expectativa de direito, o que lhe permitirá explorar desde já, diretamente ou por meio de licença. E a licença compulsória? Antes de tudo, não é quebra de patente! O titular segue dono da tecnologia! Ela também não é gratuita, e sim, remunerada! Poderá ser temporária e será sempre não exclusiva.

Certamente é algo incomum de ocorrer, pois diversos critérios devem ser observados, como, por exemplo, quando o titular não dá conta da demanda do mercado (mas para dar conta, poderá ainda licenciar voluntariamente a terceiros). Também cabe quando os preços praticados são abusivos, ou simplesmente quando o titular detém a patente em território nacional e não explora. Eis alguns caminhos que podem dar ensejo à licença compulsória.

Também cabe em casos de emergência nacional ou de interesse público, mas, do mesmo modo, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a necessidade aposta, aí será temporária e não exclusiva, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.

Em suma, não basta apenas o interesse público ser estratosférico, deverão concorrer outras condições, o que faz com que na prática seja raro ocorrer. E tais condições devem ser respeitadas, sob pena de não termos mais empresas ou instituições que despendam investimentos em pesquisas capazes de até salvar nossas vidas.

É preciso zelar e respeitar a propriedade intelectual, pois quanto melhor for o ambiente de proteção, melhores são as condições para que o seu legado se concretize, transformando conhecimento em inovação, tecnologia, novos produtos e serviços para o mercado, sendo essencial para atuação estratégica das empresas, afora para competitividade entre países.

Hoje é o Dia Mundial da Propriedade Intelectual, especialmente hoje, te parabenizamos e suplicamos para que nos salve!

(*) Luciana Manica Gössling é advogada, Mestre em Direito e especialista em Propriedade Intelectual. Ela atua no Carpena Advogados Associados e seu email é luciana.manica@carpena.com.br.